Entre a farsa e o impasse…

Se o anterior Governo, ancorado na ‘geringonça’, logrou aprovar sucessivos orçamentos de Estado, o atual, enquanto mantiver os comunistas ‘à trela’, deixa Belém de ‘mãos atadas’…

Tão certo como o governo atribuir uma boa parte das culpas do aumento exponencial de vítimas da pandemia à ‘variante inglesa’ foi o facto de Marcelo Rebelo de Sousa ‘proibir’, liminarmente, qualquer crise política, rejeitando «cenários de governos de unidade ou salvação nacional». Portanto, estamos conversados.

Disse-o enquanto candidato e reafirmou-o, enfaticamente, como Presidente da República na última comunicação ao País, ao renovar o estado de emergência, que promete vigorar até à Páscoa.

Saber-se-á, depois, se Ferro Rodrigues recusará, novamente, festejar o 25 de Abril ‘mascarado’ no Parlamento ou se o PCP, via CGTP, repetirá o 1.º de Maio na Alameda, com os autocarros do costume e a mesma coreografia patusca, para fingir que cumpre as normas da DGS em ajuntamentos comicieiros.

Neste ‘jogo de enganos’ tudo é possível, até ver-se o PS favorecido nas sondagens. Se o anterior Governo, ancorado na ‘geringonça’, logrou aprovar sucessivos orçamentos de Estado, com o beneplácito do PCP e do Bloco – apesar da farsa encenada pelas Finanças, com as cativações – o atual, enquanto mantiver os comunistas ‘à trela’, deixa Belém de ‘mãos atadas’.

Por isso, Marcelo antecipou-se, e lançou o ‘aviso à navegação’ de que «não se conte comigo para dar o mínimo eco a cenários de crises políticas ou eleitorais», embora as crises políticas se enfrentem e não se contornem.

No caso de Itália, por exemplo, também a braços com uma crise política a somar à sanitária, a opção foi outra, com o Presidente Sergio Mattarella a empossar Mario Draghi para chefiar um novo Governo de unidade nacional, depois deste ter assegurado o apoio parlamentar da maioria dos partidos.

Outro caso é Espanha, onde se vive uma crise política complexa, a juntar aos efeitos arrasadores da pandemia, com um governo instável, minado por tensões separatistas e pelos desafios da extrema-esquerda à Coroa.

E daí o Manifesto subscrito por 196 personalidades de diferentes quadrantes e partidos, incluindo ex-ministros socialistas, no qual é pedida a destituição imediata do vice-presidente do Governo, Pablo Iglésias, porquanto «a democracia espanhola não pode permitir a presença de um incendiário no Conselho de Ministros».

Iglésias é um velho compagnon de route de Marisa Matias, desde o tempo em que ambos partilhavam cumplicidades no Parlamento Europeu, professando o mesmo patrulhamento ideológico.

O líder do Podemos – ‘irmão gémeo’ do Bloco de Esquerda –, deslocou-se, inclusive, a Lisboa, em 2016, para apoiar Marisa como candidata à presidência, onde confessou o seu encantamento por «algo de mágico» da candidata…

Mas tanto a Itália como a Espanha experimentaram antes de nós o drama do coronavírus, sem ficarem paralisados.

Marcelo ‘recuperou’, entretanto, o ‘comentador’ que o habita, semeando recados, sem disfarçar a relutância por quaisquer alternativas ao impasse existente. Um impasse que, ironicamente, parece agradar tanto à direita como à esquerda.

À direita, porque no PSD, Rui Rio quer preparar em sossego as autárquicas, importantes para sua vocação regionalista, que nunca o largou – e não menos para a sua sobrevivência política -, enquanto no CDS, Francisco Rodrigues dos Santos, depois de resistir ao ‘golpe de mão’ interno, também espera aproveitar as próximas eleições para enfraquecer os opositores no desconjuntado CDS.

Quanto a André Ventura, que já foi autarca em Loures até outubro de 2018, precisa de ‘inventar’ candidatos credíveis, algo que não lhe será fácil perante o ‘tiro ao alvo’ que as esquerdas lhe movem, receosas do seu crescimento eleitoral.

O caminho não se antevê também folgado para a Iniciativa Liberal, cujo potencial eleitorado, substancialmente urbano, é naturalmente disputado.

Depois, à esquerda, uma crise política é o que menos convém tanto ao PCP como ao Bloco, o primeiro em acelerada perda de eleitorado, visível nos péssimos resultados em bastiões onde dantes reinava; e o Bloco, que está a fraquejar nas intenções de voto – como ficou demonstrado na desastrosa candidatura de Marisa nas presidenciais.

O próximo teste eleitoral será duro. O PCP não pode ‘encolher’ mais, sob pena de se tornar irrelevante. E o Bloco, cuja única proeza autárquica foi ganhar uma Câmara em Salvaterra de Magos – que perdeu em 2013 –, já se deu por feliz ao eleger, em 2017, um vereador em Lisboa.

Azar. O vereador em causa, Ricardo Robles, acabou por ser forçado a renunciar, ao saber-se que a sua prática imobiliária era o contrário do seu discurso inflamado contra a especulação no setor.

Com este enquadramento, o Presidente reeleito sabe, à partida, que terá um segundo mandato, menos popstar e mais exigente.

Para quem sonha com um lugar na História, o tempo dos selfies e dos abraços era bom… mas acabou-se…