Portugal já terá tido 150 mil casos de infeção pela variante inglesa

Especialistas e Governo voltaram a reunir-se, esta segunda-feira, no Infarmed, para avaliar a situação epidemiológica da covid-19 no país.

Portugal já terá tido cerca de 150 mil casos da variante inglesa do novo coronavírus, afirmou, esta segunda-feira, João Paulo Gomes, responsável pela equipa que estuda a diversidade genética de vírus do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA).

A estimativa, apresentada na reunião de peritos de saúde com o Governo, foi feita a partir dos 10 mil casos suspeitos detetados pela rede de laboratórios Unilabs entre dezembro e fevereiro. O investigador analisou a situação em diferentes países: em Inglaterra representa 90% dos casos e na Dinamarca está também a ter um crescimento exponencial, assinou. Em Portugal, a estimativa era que a esta altura a variante representasse 65% dos casos em Portugal, o que não aconteceu "graças ao confinamento que estamos a viver", diz João Paulo Gomes.

Atualmente a estimativa é de que a variante represente 48% dos casos no país. O investigador diz que seria expectável que o crescimento exponencial continuasse, o que não se tem verificado, estando-se num planalto. Para o investigador, o confinamento "muito rígido" que o país está a viver, ao ter bloqueado cadeias de transmissão, pode ser a explicação.

"Não quero deixar de salientar o seguinte: quando desconfinarmos, esta variante não vai desaparecer. Continua a ser mais transmissível e o normal é que possamos assistir a um novo crescimento exponencial desta variante. É mais do que natural, com cadeias de transmissão muito maiores. Há pois que estabelecer um equilíbrio entre o processo de desconfinamento que vai permitir as variantes mais transmissíveis terem o crescimento exponencial e atingir-se a imunidade de grupo, que vai atingir-se pela vacina e pelas centenas de milhares de portugueses que já foram infetados", afirmou.

Outras variantes: 4 casos da variante de África do Sul e 7 casos da variante de Manaus

Além da variante inglesa, João Paulo Gomes fez o ponto de situação relativamente às outras variantes que têm suscitado maior atenção por serem mais transmissíveis. Há então quatro casos da variante de África do Sul, nenhum detetado na última semana, e sete casos de infeção pela variante de Manaus, estes sim recentes e confirmados este domingo. Mas o investigador sublinhou que a "boa notícia" foi que estes sete casos da variante brasileira não foram sete introduções, mas alguém que chegou a Portugal infetado e iniciou uma cadeia de transmissão que abrangeu a dois agregados familiares. Daqui a uma semana e meia, o INSA vai apresentar novos dados de sequenciação genómica do SARS-CoV-2 com uma amostra representativa de todo o país, que permitirá perceber com maior rigor a prevalência das diferentes variantes no país, já que se têm trabalhado com estimativas de prevalência a partir de casos suspeitos que são posteriormente sequenciados.

João Paulo Gomes revelou que vai passar a haver uma metodologia de rastreio de casos suspeitos mais regular: as amostras de doentes infetados serão enviadas para o INSA, onde são pesquisadas mutações suspeitas. "A vantagem é que o rastreio passará a ser semanal e não mensal, o que implicará uma ação em termos de saúde pública muito mais atempada." O estudo destas variantes, explicou, é importante em termos de eficácia vacinal. "Este vírus tem uma capacidade de adaptação estrondosa, apesar de não ter uma taxa de mutação tão rápida como outros vírus. Tem 30 mil posições onde podem ocorrer estas mutações se estas estão a ocorrer nestes locais e em lugares estão distintos, não é coincidência, é porque confere vantagem ao vírus."

Descida significativa e maioria dos concelhos com menos de 240 casos por 100 mil habitantes

Desde a última reunião, há duas semanas, a incidência de novos casos a nível nacional baixou significativamente e a 20 de fevereiro chegou aos 322 casos por 100 mil habitantes. A maioria dos concelhos estão agora abaixo do patamar de 240 casos por 100 mil habitantes, havendo situações ocasionais de concelhos que no passado sábado se mantinham acima de 960 casos por 100 mil habitantes. "Todas as regiões estão numa fase de descida. A região de Lisboa e Vale do Tejo continua, comparando com as outras regiões do país, a registar a incidência mais elevada", afirmou.

Note-se que esta segunda-feira a DGS divulgou novos dados por concelho mas estes apresentados por Peralta Santos estão mais atualizados, dado que os divulgados pela DGS dizem respeito ao período de 14 dias até 16 de fevereiro.

Lisboa continua com o dobro dos casos do Norte

Peralta Santos assinala a evolução "muito positiva" no Norte, sublinhando que a região já está com uma incidência a 14 dias abaixo dos 240 casos por 100 mil habitantes, ao nível do que acontecia a meio de outubro. Já os internamentos estão ao nível de novembro. Por sua vez Lisboa, onde a terceira vaga foi mais intensa, melhorou também mas a incidência só agora baixou dos 480 casos por 100 mil habitantes. Os dados apresentados pelo responsável pela divisão de informação da Direção Geral da Saúde mostram que neste momento os hospitais da região de Lisboa têm praticamente o tiplo de doentes com covid-19 internados da região Norte.

A variante britânica é responsável por 60% dos novos casos em Lisboa e Vale do Tejo, afirmou. Os dados apontam também para um peso maior no Alentejo, no entanto não existem dados para a maioria dos concelhos.

Fecho da escola pôs infeções a baixar mais depressa em todo o país

Na sua intervenção, Baltazar Nunes, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), afirmou que o rácio de transmissibilidade do vírus (RT) está em 0,67, o valor mais baixo na epidemia, mas já parou de descer.

O especialista apresentou uma análise sobre o efeito das medidas de confinamento. A conclusão é que embora tanto os primeiros pacotes de medidas tenham tido efeito na redução de casos, esse efeito foi mais heterógeneo, com menor efeito em Lisboa. Já a partir do fecho das escolas, a 22 de janeiro, a descida de infeções foi mais uniforme no país, de -8,3% ao dia em Lisboa a -9,9% na região Norte e Algarve.

INSA liga excesso de mortalidade à covid-19 e frio mas 7% dos óbitos a mais estão por explicar

Baltazar Nunes apresentou uma primeira análise sobre o excesso de mortalidade nas últimas semanas, entre a semana 53 de 2020 e a semana 2 de 2021, ou seja entre 28 de dezembro e 14 de fevereiro. Neste período houve mais de 10 mil mortes acima do que seria expectável nestas semanas do ano. O INSA atribui agora 64% das mortes à covid-19, estimando que neste período ocorreram 8905 óbitos ligados à covid-19 – acima dos 8700 óbitos notificados à DGS. O Instituto Ricardo Jorge atribui ainda 2273 óbitos aos efeitos da vaga de frio de janeiro, 19% do excesso de mortalidade. Baltazar Nunes referiu no entanto que 7% do excesso de mortalidade não é explicável por estas duas causas analisadas no modelo do INSA.

Portugal só terá menos de 200 internados em UCI no final de março

Baltazar Nunes recordou os cenários apresentados na última reunião sobre o impacto que teria o confinamento quer na redução da incidência da infeção, quer na diminuição dos internamentos. O efeito na incidência tem ido ao encontro do esperado e INSA espera que na primeira quinzena de março o país fique abaixo dos 120 casos por 100 mil habitantes e na segunda quinzena abaixo dos 60 casos por 100 mil habitantes. Quanto aos cuidados intensivos, a meio de março os hospitais terão menos de 300 doentes internados em UCI e no final de março menos de 200. O investigador salientou que "nada está garantido" e que a evolução vai depender da adesão às medidas e comportamentos. "Atualmente Portugal é dos países com medidas mais restritivas", salientou, considerando que esta tendência depende das medidas atualmente implementadas e do controlo das novas variantes. Um dos dados apresentados é que apesar da mobilidade em Portugal ser das mais reduzidas a nível europeu, já há um ligeiro aumento da mobilidade e diminuição do índice de confinamento.

Para manter atuais camas de cuidados intensivos eram precisos mais 448 médicos e 2173 enfermeiros

João Gouveia, coordenador da comissão de acompanhamento da resposta em medicina intensiva, traça o retrato dos hospitais e recorda que Portugal era o país da UE com menor capacidade de medicina intensiva no início da pandemia. A resposta escalou mas o médico sublinha que é impossível manter a situação de pressão a que se chegou no pico desta terceira vaga de covid-19, que implicou parar atividade cirúrgica a outros doentes. Os hospitais chegaram a ter mais de 1400 camas de cuidados intensivos abertas e são atualmente 1339, das quais mais de 600 com doentes infetados.

Para assegurar este nível de resposta sem penalizar outros doentes, o médico diz que eram precisos mais 448 médicos e mais 2173 enfermeiros. Assim, aponta como limite 913 camas de cuidados intensivos a funcionar nos hospitais, 285 para doentes com covid-19 e 629 camas para outros doentes, que era a capacidade inicial do SNS no início do ano passado. "Tendo em conta que em medicina intensiva não gostamos de ter mais de 85% de ocupação para podermos garantir resposta a todas as situações, precisamos de ter no máximo 242 doentes com covid-19", apontou.

"Houve doentes que por incapacidade de vaga que foram tratados em estruturas não perfeitamente adequada"

O médico apresentou a proposta da comissão para controlo da situação na comunidade e o caminho para recuperar patologias deixadas para trás, afirmando que houve doentes que não tiveram tratamento adequado e que têm de ser integrados em unidades de medicina intensiva.

"Apenas podemos fazer isso se acabarmos com todos os locais e todas as formas de tratamento de suporte ventilatório e tratamento de doentes críticos de doentes covid e não covid fora da medicina intensiva. Houve doentes que por incapacidade de vaga foram tratados em estruturas não perfeitamente adequadas. Precisamos de ter esses doentes ter a medicina intensiva, depois de encerrar camas conseguir que a ocupação seja inferior a 80%. Se por acaso a evolução não for aquela que desejamos, é preciso retroceder e todos os hospitais têm de ter planos para recuperação do estado de alerta com identificação de recursos", disse João Gouveia. "Não podemos esperar que seja a medicina intensiva a dar o sinal de as coisas estão mal e que é necessário suspender a abertura. A informação da medicina intensiva é tardia. Essa informação tem de vir de indicadores da comunidade e da saúde pública."

"A situação da medicina intensiva em Portugal ainda é muito frágil. Temos uma capacidade instalada enganadora, que não é real"

Se nas últimas reuniões não tinha havido espaço na agenda para o retrato do estado da medicina intensiva nos hospitais, desta vez o tema não faltou na ordem de trabalhos e João Gouveia terminou a intervenção com o pedido de avaliações semanais sobre a situação epidemiológica, que sejam terminadas as obras em curso e contratados os recursos humanos necessários. "A situação da medicina intensiva em Portugal ainda é muito frágil. Temos uma capacidade instalada enganadora, que não é real. Depende de recursos humanos que não são da medicina intensiva e são precisos noutros locais", sublinhou.

Portugal com patamares de risco superiores a outros países

Carla Nunes apresentou os resultados de um trabalho que está a ser desenvolvido pela Escola Nacional de Saúde Pública e que compara as estratégias seguidas nos diferentes países, nomeadamente os níveis de risco definidos, se existem ou não medidas associadas e quais. Existem matrizes mais permissivas do que outras e com indicadores mais e menos fechados, mas uma das conclusões foi que entre os países analisados, os diferentes patamares de risco são por regra inferiores aos que foram implementados em Portugal. Recorde-se que o país passou a avaliar o risco por concelho por quatro patamares. Acima de 960 casos por 100 mil habitantes, risco máximo de incidência. Entre 480 e 960 casos, risco muito elevado. Entre 240 e 480, risco elevado. Abaixo de 240, risco moderado. No grupo de países analisado pela ENSP, embora este não seja o único indicador tido em conta, Espanha ou Holanda consideram que acima de 250 casos por 100 mil habitantes está-se já no nível de risco mais elevado.

Imunidade de grupo pode ser atingida em agosto, admite coordenador da vacinação

Gouveia e Melo, coordenador da vacinação, apresentou o ponto de situação. Em relação à última reunião, há perspectivas um pouco mais optimistas face ao atraso entrega de vacinas, que será menor do que era projetado há duas semanas quando o país só esperava receber metade das vacinas acordadas no primeiro trimestre, com apenas 1,98 milhões doses de vacinas entregues. Continuam a ser apenas 2,4 milhões até ao final de março, mas agora um pouco mais, e melhoraram as perspectivas em relação ao segundo e terceiro trimestre. Neste cenário, o almirante admitiu que o objetivo da imunidade de grupo, ou seja 70% da população vacinada, pode ser alcançado em "meados do verão", eventualmente no início de agosto.

"Quero referir que isto são expectativas em face de melhoria nas entregas de vacinas mas enquanto não se confirmarem não passam de expectativas." No atual cenário, o responsável admite que Portugal pode vir a administrar 100 mil vacinas por dia, o que obriga a pensar em "modelos alternativos aos centros de saúde para que o processo decorra sem problemas."

15% dos idosos com mais de 80 anos já fizeram a primeira dose

A prioridade é salvar vidas, disse Gouveia e Melo, justificando assim que nesta primeira fase de vacinação 90% das vacinas disponíveis sejam destinadas aos grupos de risco e 10% a grupos de trabalhadores essenciais. Este é o ponto de situação atual: com base nas estimativas de população residente, terão feito já a primeira dose da vacina 15% dos idosos com mais de 80 anos. No caso dos lares e cuidados continuados, a cobertura é de 85%.

Na tabela apresentada pelo responsável pode ver-se que entre os profissionais de saúde, 90% têm já a primeira dose no SNS e apenas 17% no setor privado.