O Tempo e o Modo e a Reconfiguração da Direita

Há que recusar projetos à Direita que se envergonham ou ‘compram a narrativa’ vigente, circunscrevendo a sua proposta a um discurso meramente economicista ou melhorista.

1. Este texto não é sobre a revista que nos anos 60 foi ‘expressão do mal-estar’ de vários católicos em relação ao regime. Mas aproveita-lhe a inspiração do poeta Pedro Tamen: «A ação começa na consciência. A consciência, pela ação, insere-se no tempo. Por isso, se a consciência for atenta e virtuosa, assim será o tempo e o modo».

2. Na reconfiguração da Direita, que tanto tem dado que falar, antes de saber quem são os seus protagonistas, interessa responder ao quando que determinará também o como. O Tempo em política não é acessório, mas essencial. E a Direita tem de saber em que Tempo é e a que horas responde.

3. O nosso Tempo é o que é: herdeiro de um regime socialista recebeu um legado agreste. Na economia, perdemos a corrida europeia e aprofundámos a pobreza relativa com os países com quem nos comparávamos. E o empobrecimento reflete-se também, por exemplo, num adormecimento em relação à corrupção e numa propensão para o poder abraçar todas as dimensões públicas – da Justiça à comunicação social, das instituições da sociedade civil aos negócios albergados pelo Estado. 

4. Mas não só isto. Dois exemplos desta semana revelam outra face da herança socialista. O primeiro, a pretexto da morte de Marcelino da Mata censura-se um dos nossos grandes. A cor da pele funciona aqui como o reavivar dum racismo subtil que impede o acesso genuíno e livre à nossa pertença. Uma falta de noção muito grande do que nos faz como portugueses.

5. O outro exemplo destes dias refere-se ao eco de censura das declarações do Presidente do Tribunal Constitucional que fez na sua Universidade há mais de dez anos. Os Torquemadas modernos não perdoam qualquer desvio na sua ortodoxia. E assim se vai condicionando as instituições – no caso mira-se já a apreciação da eutanásia e da ideologia de género nas escolas – a ver se temos bem comportados merecedores do salário ou oficiais dignos da excomunhão e da censura.

6. Tenhamos a noção do seguinte: num regime como este, a Direita tem de andar contra a corrente. O tempo vigente é de esquerda não só na ocupação estatal de tudo o que mexe como nas ideias que promove, também na instrumentalização da vida humana, de fragilização da família ou das engenharias sociais que abraçam o homem-novo (de ontem) e o voluntarismo que se impõe à natureza, à cultura e à memória. 

7. Diante disto, muita Direita procura aceitação nos seus pares. E os seus protagonistas são sobretudo condescendentes com o ataque que nos visa. É a Direita consentida pela Esquerda com autoestradas no espaço restrito dos media. Uma Direita, quando não interessada nos negócios em que se move, é pelo menos envergonhada, light, à luz do seu tempo. Renuncia à alternativa, na esperança da alternância. Pior, renuncia a representar aqueles em nome de quem diz vir. A história portuguesa está cheia desses casos.

8. A Direita tem de ser, desde logo, de rotura com a hegemonia do Partido Socialista. A representatividade reclamada à Direita só se alcança se for confrontacional – de exigência de mudança estrutural, antes de económica, cultural – porque o erro e a falta de liberdade deixam lastro no sofrimento que gera e se multiplica para as futuras gerações. E contra isso a Direita tem de se dar ao respeito.

9. Há que recusar, desde logo, projetos à Direita que se envergonham ou ‘compram a narrativa’ vigente, circunscrevendo a sua proposta a um discurso meramente economicista ou melhorista (não querem fazer diferente, apenas melhor). É o deixar cair a toalha ao chão duma parte fundacional daquilo que somos como comunidade nacional.

10. Outros que se dizem também à Direita instrumentalizam o rancor, a insatisfação violenta, o desejo de rasgar regimes ou destruir o sistema. Em grande medida, devem tudo à esquerda. À linguagem de violência e de luta, respondem com a mesma moeda. E a violência e o fechamento são a linha que nos separa de uns e outros. Não se substitui um mal com o outro e a Direita democrática não é nem revolucionária nem fechada.

11. O Modo da Direita conta muito. Em rotura com o Tempo Socialista, mas no empenho de abertura e na estruturação de uma alternativa que sirva os eleitores e não os vire uns contra os outros. A rotura da Direita é uma rotura que promove a regeneração e a abertura do regime, não a sua destruição.

12. A ideia é esta: um regime podre, que cerceia as liberdades a todos os títulos, ou muda a bem ou muda a mal. O nosso empenho será sempre para que essa mudança se faça no seio da Direita democrática.