Intensivistas alertam: “Temos uma capacidade instalada enganadora, que não é real”

Reunião no Infarmed contou desta vez com uma apresentação do coordenador da resposta em medicina intensiva. João Gouveia admitiu que houve casos em que a resposta aos doentes não foi a adequada. “Temos uma capacidade instalada enganadora, que não é real”, alertou.

A comissão de acompanhamento da resposta nacional em medicina intensiva considera que só existe capacidade no Serviço Nacional de Saúde para ter 913 camas de cuidados intensivos a funcionar com os atuais recursos humanos, pelo que neste momento há mais de 400 a funcionar com profissionais desviados de outras áreas. E o número de camas que a esta altura está alocado a doentes com covid-19 (ainda mais de 600) é o número de camas necessário para dar resposta a doentes não covid sem deixar outras patologias para trás. A análise foi levada ontem à reunião do Infarmed por João Gouveia, coordenador da comissão, que defendeu que para um funcionamento normal e dentro dos patamares de segurança, que em Medicina Intensiva são até 85% da capacidade ocupada para haver margem de resposta a situações emergentes, devem estar alocadas à covid-19 285 camas mas idealmente a linha vermelha são 242 doentes com covid-19 internados em UCI e devem manter-se 629 camas reservadas para casos não covid. O alerta foi o mais vincado naquela que foi a 16.ª reunião de peritos e que mostrou uma melhoria nos indicadores epidemiológicos e algumas análises sobre os critérios e timings usados noutros países para apertar medidas, mas não fechou ainda uma matriz para o desconfinamento em Portugal. Cenário afastado mais uma vez no final do encontro, desde logo pela ministra da Saúde, que salientou a ideia de que a esta altura o número de doentes com covid-19 em cuidados intensivos deveria ser o número de doentes de outras áreas, nomeadamente cirúrgica onde se inclui operações de doentes oncológicos, onde a atividade foi suspensa em janeiro.

DOENTES TRATADOS EM ESTRUTURAS “NÃO ADEQUADAS” João Gouveia revelou que, apesar da expansão da capacidade, nas últimas semanas houve doentes críticos que não foram tratados em estruturas adequadas e que têm de ser integrados em medicina intensiva. “Houve doentes que por incapacidade de vaga foram tratados em estruturas não perfeitamente adequadas”, disse, sem especificar situações em concreto. Atualmente estão ativas 1339 camas de UCI, revelou o médico, depois de terem sido 1424 no pico desta vaga quando chegaram a estar internados nos hospitais 906 doentes críticos com covid-19. Uma situação que mesmo agora não é sustentável, sublinhou o médico. “A situação da medicina intensiva em Portugal ainda é muito frágil. Temos uma capacidade instalada enganadora, que não é real. Depende de recursos humanos que não são da medicina intensiva e são precisos noutros locais”, disse João Gouveia, recordando que no início do ano passado, com 629 camas de UCI, Portugal era dos países europeus com menos capacidade em cuidados intensivos e que a expansão necessária para esta terceira vaga foi conseguida com a mobilização de recursos de outras áreas. Para ter este número de camas, disse o médico, eram precisos mais 448 médicos especialistas e mais 2173 enfermeiros, especificou, defendendo que é necessário ao longo das próximas semanas concluir as obras de ampliação em curso, contratar mais profissionais e preparar a retoma de atividade nos hospitais com planos para voltar a ativar camas de UCI em caso de necessidade e já com a definição dos recursos humanos necessários, de preferência “nominal”, pediu. Ou seja, definir que profissionais serão chamados.

O número de doentes internados nos hospitais permanece de resto o indicador mais problemático e o cenário de mais um mês de confinamento, pelo menos até meio de março, mantém-se. Baltazar Nunes, do INSA, indicou que os modelos apresentados na última reunião para o impacto do confinamento com fecho das escolas têm até permitido resultados mais rápidos no esmagar da curva de infeções – Portugal tem agora o RT mais baixo da Europa – mas em termos de ocupação hospitalar, mantendo-se a atual trajetória, só a meio de março se ficará abaixo dos 300 doentes em UCI, podendo chegar-se a menos de 200 doentes com covid-19 em cuidados intensivos no final de março. O especialista salientou no entanto que “nada está garantido” e que tudo depende da manutenção de medidas e do cumprimento, e há agora sinais de que começa a haver algum relaxamento no índice de confinamento, outra nota de preocupação a que a ministra da Saúde deu eco no final do encontro, salientando ainda o risco associado às novas variantes, mais transmissíveis.

Se os cuidados intensivos são a última linha para pensar em desconfinar, agora com linhas traçadas depois do pedido feito pelo Presidente da República e pelo Governo, da análise apresentada resulta que, havendo este critério definido, as campainhas teriam começado a tocar no final de outubro. De acordo com os dados disponibilizados pela DGS, Portugal passou a barreira dos 242 doentes com covid-19 internados em UCI a 27 de outubro e desde 3 de novembro que não são menos de 300. No Natal, apesar de uma ligeira diminuição, estavam internados em UCI 505 doentes com covid-19. “Não podemos esperar que seja a medicina intensiva a dar o sinal de as coisas estão mal e que é necessário suspender a abertura (da sociedade). A informação da medicina intensiva é tardia. Essa informação tem de vir de indicadores da comunidade e da saúde pública”, defendeu na reunião João Gouveia.