Rio põe Moedas a funcionar

Carlos Moedas não tem carisma, não deixou marca como comissário europeu, não gosta de andar no meio do povo nem de fazer campanhas porta a porta, tem como mancha curricular aquela famosa frase e o telefonema gravados nas reuniões da família Espírito Santo quando era secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, mas…

Carlos Moedas não tem carisma, não deixou marca como comissário europeu, não gosta de andar no meio do povo nem de fazer campanhas porta a porta, tem como mancha curricular aquela famosa frase e o telefonema gravados nas reuniões da família Espírito Santo quando era secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, mas não obstante é um excelente candidato para disputar a Câmara de Lisboa com o socialista Fernando Medina.

Moedas, como Medina, não é alfacinha, nem lisboeta – se Medina nasceu no Porto, Moedas é alentejano de Beja. Sendo um socialista e o outro social-democrata, ambos têm a particularidade de serem filhos de convictos militantes do PCP.

Moedas, como Medina, não arrasta multidões, não é um mobilizador de massas, não tem um discurso galvanizador, nem seguidores ou tropas no aparelho do partido que justifiquem a indesmentível ambição de um dia poder chegar a líder do partido.

Mas um e outro são inteligentes, respeitados no partido e fora dele, competentes nas funções que lhes são confiadas, mesmo que sem rasgo e com manifestas insuficiências.

«O Moedas, o Moedas! Eu punha já o Moedas a funcionar», foi esta a frase de autoria do presidente do GES na Suíça, José Manuel Espírito Santo, que antecedeu um telefonema de Ricardo Salgado a pedir os bons ofícios ao então comissário europeu durante uma reunião da família Espírito Santo na altura crítica para o grupo GES/BES em 2014, pouco tempo antes da resolução que determinaria o fim do banco e da constituição como arguido do antigo Dono Disto Tudo.

A frase e o telefonema estão gravados, são públicos e obrigaram Carlos Moedas a prestar esclarecimentos por escrito ao Parlamento – garantindo que nunca deu seguimento às pretensões de Salgado nem as transmitiu a Passos Coelho. Mas do rótulo de ‘facilitador’ não se livrou.

Quem põe Moedas a ‘funcionar’ é, agora, Rui Rio, numa altura particularmente crítica para a sua liderança e para a sua ambição de um dia poder liderar o país.

As próximas autárquicas, como o próprio líder do PSD reconhece, são decisivas para o seu futuro político.

Nesse sentido, a escolha de Carlos Moedas para cabeça de lista em Lisboa é a melhor possível, externa e internamente.

Externamente, porque Rui Rio não tinha muitas opções para apresentar um candidato com veleidades de poder disputar a Câmara a Fernando Medina.

E esse foi um erro fatal para Passos Coelho há quatro anos.

Ao acabar por apresentar Teresa Leal Coelho como candidata de recurso e repetindo o erro em várias outros concelhos de norte a sul, Passos Coelho perdeu a capital, o país e o partido.

Ora, partindo da mais baixa fasquia de sempre do PSD em eleições locais, Rio sabia que não podia correr os mesmos riscos, porque as bases do partido e os seus opositores internos não lhe perdoariam mais um percalço.

Ganhar Lisboa (ou perder por pouco) e algumas outras capitais de distrito, mesmo que o PSD não consiga derrotar o PS em número de câmaras e de mandatos – e não se lhe pode exigir que recupere a mais de meia centena de concelhos que os socialistas garantiram de vantagem – já daria a Rio argumentos para se manter líder da oposição e conquistar o direito de voltar a concorrer a primeiro-ministro nas legislativas seguintes.

Com Moedas, a vitória de Medina em Lisboa não são favas contadas. E uma eventual conquista da capital seria uma vitória do candidato mas, obviamente, também do líder do partido.

Por outro lado, se Moedas perder, ainda assim ninguém poderá acusar Rui Rio de ter menosprezado o eleitorado social-democrata e de centro-direita no maior concelho do país, como sucedeu com Passos em 2017.

Primeiro, porque com um candidato de primeira linha colocou o CDS de Francisco Rodrigues dos Santos debaixo da asa do PSD – ao contrário do que aconteceu com Assunção Cristas –; depois, porque a derrota em Lisboa representaria, neste caso, a derrota também de um putativo candidato à liderança do partido no congresso imediatamente seguinte, eliminando à partida as aspirações que este pudesse ter.

Pôr Moedas a funcionar tem ainda uma vantagem adicional para Rui Rio: afasta a imagem de fechamento do líder do PSD numa clique de caciques locais, provincianos e aparelhisticos – o antigo comissário europeu e ainda administrador da Fundação Gulbenkian é o contrário de tudo isso.

Rui Rio, como Medina e Moedas, pode não ter carisma, não arrastar multidões, não ser um mobilizador de massas nem ter um discurso galvanizador, mas é um sobrevivente e não desiste de ir a jogo.

Para já, garantiu um bom trunfo.

O mais curioso é que António Costa lá terá também as suas razões para não desgostar desta escolha de Moedas como candidato à capital, antes pelo contrário.