A brigada do reumático e o assalto à televisão

Neste tempo tão conturbado, começo a perceber a razão de tantos gostarem de regimes como o da Venezuela, Cuba e, em alguns casos, até da Coreia do Norte, onde não há liberdade de imprensa nem de opinião e tudo o que é publicado serve para glorificar quem está no poder.

Começo por escrever algo que os subscritores de uma ‘Carta aberta às televisões generalistas nacionais’, publicada na edição de 23 de fevereiro do Público, gostariam que eu não pudesse escrever. E quando digo eu estou a dizer qualquer um. Ontem, na sua edição de fim de semana, o jornal i fez um dossiê sobre o Dia Mundial das Doenças Raras, onde se falou de como as cerca de seis mil doenças raras afetam as populações.

O lado positivo, dizia-se, é que há cada vez mais doenças que começam a ser controladas. Já o lado negativo é bem o espelho de como o Governo está a enfrentar esta pandemia em algumas das suas vertentes. Veja-se o caso da vacinação: os portadores de doenças raras só são prioritários quando têm mais de 50 anos. Acontece que muitas dessas pessoas têm uma esperança de vida inferior a meio século! Ninguém se deu conta disso? Não há trabalho de equipa?

Neste tempo tão conturbado, começo a perceber a razão de tantos gostarem de regimes como o da Venezuela, Cuba e, em alguns casos, até da Coreia do Norte, onde não há liberdade de imprensa nem de opinião e tudo o que é publicado serve para glorificar quem está no poder.

Mas em Portugal acontece outro fenómeno curioso: aqueles que lutaram contra a ditadura de Salazar querem eles próprios impor a sua ditadura. Numa caldeirada entre apoiantes do PCP e uns intelectuais afetos ao BE, juntando uns pozinhos do PS radical, vemos pessoas como Vasco Lourenço, Ana Benavente, Manuel Carvalho da Silva, Rita Rato, Diana Andringa ou Jorge Silva Melo defenderem coisas como isto: «Não podemos aceitar o apontar incessante de culpados, os libelos acusatórios contra responsáveis do Governo e da DGS, as pseudonotícias (que só contribuem para lançar o pânico) sobre o ‘caos’ nos hospitais, a catástrofe, a rutura sempre anunciada, com a hipotética ‘escolha entre quem vive e quem morre’, a sistemática invasão dos espaços hospitalares, a falta de privacidade dos doentes, a ladainha dos números de infetados e mortos que acaba por os banalizar», e por aí fora.

Rapaziada das televisões, ficam desde já avisados que se disserem mal do Governo ou da DGS, Vasco Lourenço, capitão de Abril, e a sua brigada do reumático ainda vão assaltar as televisões e ligar a mira técnica até que os jornalistas e comentadores façam um ato de contrição e digam que jamais irão culpar o Governo do que quer que seja. Não se esqueçam ainda que, nas televisões, não faltarão versões de José Saramago em 1975, quando era o censor de serviço no Diário de Notícias.

Reparem bem como termina a dita carta: «Criticamos a manifesta agenda política, legítima – mas nunca assumida – nos canais privados, mas, em absoluto, inaceitável na televisão pública. Como cidadãos, exigimos uma informação que respeite princípios éticos, sobriedade e contenção. E, sobretudo, que respeite a democracia».

Mais notícias que os subscritores não querem que se deem: o Governo português cancelou os voos entre Portugal e o Brasil e vice-versa, numa lógica de conter a pandemia na sua vertente brasileira. Até aqui, tudo normal, mas já não é normal que o consulado português no Rio de Janeiro tivesse incentivado os cidadãos que estavam retidos no Brasil e que vivem em Portugal a usarem rotas alternativas, fazendo escala em França ou na Suíça. Mas isto faz algum sentido? Proíbem-se os voos diretos, mas aconselha-se as pessoas a gastarem mais dinheiro para fugirem às restrições? Insólito. À conta disso, centenas de brasileiros esperam pelos voos humanitários em que, na maior parte dos casos, a humanidade ficará em mais de 800 euros. Até pode haver quem tenha ido de férias e não tenha respeitado as indicações da DGS, mas vejam-se quais são esses casos e ajudem-se os outros.

vitor.rainho@nascerdosol.pt