Barcos-Casa. Viver à tona da água

Para Joseph e Agnes ‘não há nada melhor’ do que viver num barco ancorado na Marina da Expo – e já lá estão há 9 meses. Projetados para o alojamento local, são cada vez mais utilizados como residências de longa duração.

Quão típico é ir dar um passeio noturno e reparar nas luzes acesas dos prédios? Imaginar o que está a acontecer naquelas salas e cozinhas. Será uma família? Um casal? Alguém que mora sozinho? Não tão comum é passear à beira-rio e observar essas mesmas luzes em barcos-casa que parecem multiplicar-se como cogumelos. Mas isso é o que está a acontecer cada vez mais no Parque das Nações e na sua marina. Quem por lá passa ao anoitecer não pode deixar de reparar nas ‘luzes’ vindas do interior dos barcos. E quem o faz durante o dia não consegue ignorar o vai e vem  no deck de quem entra e sai das suas ‘casas’.

Rui Alecrim acolhe confortavelmente quem tem curiosidade em ter uma estadia nos barcos-casa da Tagus Marina. Os hóspedes gostam dele e o casal Joseph e Agnes, que permanece num destes barcos há cerca de nove meses, assume que uma das razões para gostar tanto de lá estar é o facto de Rui «ser tão acolhedor e, ao mesmo tempo, não ser nada intrusivo».

A privacidade é uma das comodidades mais elogiadas pelos hóspedes. «Nós temos vizinhos mas não precisamos de ver ninguém se não quisermos, às vezes não vemos o Rui durante semanas, mas, se lhe ligarmos, ele está logo disponível», explica Joseph Blayne Day, norte-americano, reformado, e adepto de passeios de caiaque. Também Teresa Oliveira, que vive com o marido no barco ao lado do casal de estrangeiros, aprecia a tranquilidade que a vida no rio lhe dá, sendo que considera «que o conceito ali explorado permite que as pessoas estejam próximas mas que não invadam o espaço umas das outras».

Joseph conheceu Agnes, húngara, em Israel e juntos já viveram em quatro países. Ambos concordam que a sua mais recente residência é a preferida até agora e não preveem deixá-la tão cedo. Além da questão da privacidade e do acolhimento, a segurança é também um dos pontos mais positivos de viver num barco. Por um lado, Joseph explica que «ninguém entra» na Marina. «Tem dois portões que são sempre vigiados, era necessário vir a nadar para chegar até aqui e acho que ninguém se arriscaria a fazê-lo», afirma o homem em tom de brincadeira. Ainda em termos de segurança, mas de uma outra perspetiva, Joseph faz questão de assumir a felicidade de «não ter de andar de elevador todos os dias e tocar nos mesmos sítios onde toda a gente toca». 

Joseph e Agnes pagam uma renda, tal como alguém que vive num apartamento comum num prédio, no entanto, têm direito a mais algumas regalias: «Todas as semanas vem cá alguém limpar, mudar os lençóis à cama e trazer toalhas novas. Às vezes até nos trazem jarros de água para beber», conta Agnes. 

Teresa Oliveira vive com o marido num barco-casa há dois meses. Por estarem a fazer obras em casa, começaram a ter dificuldades em desfrutar da sua vida normal enquanto o processo decorria. Num dia de passeio, Teresa e a filha, que vive em Inglaterra mas veio a Portugal passar o Natal, passaram perto dos barcos e ficaram curiosas. Falaram com Rui, que lhes mostrou o barco para o qual se mudaram poucos dias depois. Mal sabiam que, mesmo quando a casa estivesse pronta, não iriam ter vontade de deixar aquele espaço.

A mudança de Joseph e Agnes para a residência à tona de água foi semelhante à dos portugueses. «Nós inicialmente morávamos num apartamento no Campo Pequeno. Um dia, viemos passear para esta zona e vimos os barcos». O casal já conhecia este tipo de experiência, porém, não em Portugal. As barcaças que vemos na margem do rio na zona Oriental da capital são trazidas de Liverpool, onde são fabricas e bastante conhecidas. Na Holanda, onde os imigrantes também já viveram, existem semelhantes, «mas são muito mais frias e toda a gente se mete na tua vida», afirma Joseph. Tal como Teresa, foram pedir informações e acabaram por se mudar pouco tempo depois.

Esgotados no Dia de S. Valentim
Na Marina do Oriente estão ancorados 13 barcos-casa da Tagus Marina. Rui Alecrim adianta que «estão para vir mais dois, mas, neste momento, queremos ter um total de 23». A ideia inicial do projeto era que 70% das residências fossem ocupadas por estrangeiros e apenas 30% por portugueses. No entanto, não foi isso que aconteceu. «Neste momento, 90% dos nossos hóspedes são portugueses e apenas 10% são estrangeiros». Também o tipo de aluguer mais procurado foi diferente das expectativas de Rui. «O projecto foi essencialmente para o cliente estrangeiro que visitava Lisboa numa estadia de 3-5 dias», explicou o próprio ao Nascer do SOL. A maioria daqueles que procuram as casas-barco pretendem lá passar apenas uma ou dois noites, sendo que foi na época do verão e em fins-de-semana ‘especiais’ que a Tagus Marina se deparou com uma maior procura: «No fim-de-semana passado (Dia dos Namorados) tivemos ocupação completa».

Teresa acabou por comprar o barco, apesar de ainda ter a sua casa. Neste momento, aluga-o no AirBnB e aproveita para passar lá algum tempo quando assim o deseja. Para ela, viver numa casa-barco «não é apenas viver numa casa-barco», é uma experiência que envolve outras pessoas. «E quem escolhe este estilo de vida, sem ser preconceituosa, tem determinadas característas em comum», explica, afirmando que é por isso que se sente tão bem e segura quando lá fica hospedada.

Joseph e Agnes não têm carro próprio, porque preferem optar «por uma vida mais ‘bio’». Dado o facto de estarem a viver numa zona com vários supermercados e restaurantes por perto, normalmente andam a pé ou de bicicleta. Quando querem passear pelo país, optam por alugar um carro. «Não há nada melhor do que isto, o vosso país é fantástico: tem boa comida, hospitalidade, segurança e este sol fantástico», confessam.