Associações pedem vacinação de pessoas com deficiência e cuidadores

Associações defendem inclusão de pessoas com deficiência nas prioridades de vacinação da covid-19, mas também assistentes pessoais, “essenciais” para quem vive com incapacidade severa, como quem trabalha nos lares. 

Um mês depois do início da vacinação da covid-19 a doentes prioritários com mais de 50 anos e idosos com mais de 80 anos, as associações que representam pessoas com deficiência continuam a defender a inclusão destas nos grupos prioritários e lamentam não ter havido resposta aos apelos.

Foi o caso de uma carta subscrita por 80 organizações e que se tornou uma petição, online, agora já com mais de 3 mil assinaturas, mas também de cartas enviadas às diferentes entidades por associações que pedem que não só pessoas com deficiência, desde logo pessoas com problemas respiratórios e cardíacos graves que não estão a ser chamados para vacinação por não terem mais de 50 anos, sejam incluídas nesta primeira fase de vacinação, mas também assistentes pessoais e cuidadores, que no dia a dia prestam cuidados essenciais a pessoas com deficiência motora ou intelectual em que é impossível manter a distância. 

Jorge Falcato, presidente da Associação Vida Independente, uma das organizações que subscreveram a carta dirigida ao Governo, Assembleia da República e ministérios da Saúde, Segurança Social, Direção Geral da Saúde e task-force de vacinação, diz ao i que as únicas respostas até ao momento foram do gabinete do primeiro-ministro e do presidente da AR, a dizer que tinha sido encaminhada. Respostas concretas não houve. “Pelo menos devia haver uma resposta quando existem 80 organizações preocupadas com a forma como foram estabelecidas as prioridades. Vimos ontem que a DGS finalmente considerou as pessoas com trissomia 21 como prioritárias e esperamos que haja alguma consideração pela proposta que fizemos mas até ao momento não houve resposta”, continua o ex-deputado.

Jorge Falcato sublinha em primeiro lugar que nesta primeira fase de vacinação “não há razão nenhuma” para que pessoas com deficiência que têm as mesmas comorbilidades previstas nos grupos prioritários de vacinação – insuficiência cardíaca, doença coronária, insuficiência renal (taxa de Filtração Glomerular < 60ml/min) e DPOC ou doença respiratória crónica sob suporte ventilatório e/ou oxigenoterapia de longa duração – não sejam vacinadas só porque não têm mais de 50 anos. Neste ponto, o pedido das associações de pessoas com deficiência é idêntico ao que tem sido feito pelas associações que representam doentes raros, como disse ao i na semana passada Joaquim Brites, presidente da Associação de Doenças Neuromusculares, lamentando também a ausência de respostas por parte das entidades competentes e da task-force de vacinação. A inclusão de doentes com menos de 50 anos e com critérios clínicos iguais aos definidos para doentes prioritários foi igualmente defendida por Luís Brito Avô, coordenador do núcleo de estudos de doenças raras da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, admitindo que haverá centenas de doentes raros que seriam elegíveis para vacinação.

“Não se pode dar um banho a dois metros de distância” As preocupações das associações que defendem a inclusão das pessoas com deficiência nos grupos prioritários de vacinação não se prende apenas com os critérios clínicos, mas também com o risco acrescido associado à própria condição, defendendo que na segunda fase de vacinação, que se iniciará abril, todos as pessoas com deficiência deveriam ser chamadas para fazer a vacina. Abílio Cunha, presidente da Federação das Associações Portuguesas de Paralisia Cerebral, diz mesmo não entender a razão para terem sido incluídos esta semana nos grupos prioritários pessoas com trissomia 21 sem haver resposta para um conjunto de pessoas que pode ter “problemas iguais ou maiores”. E exemplifica: “Muitas pessoas com deficiência, e não falo só da paralisia cerebral, dependem do cuidado de outras: não se dá um banho a dois metros distância. Uma pessoa de cadeira de rodas, que tem de andar a mexer nas rodas e nos comandos, pode ter mais dificuldade em fazer a higienização das mãos”. 

Jorge Falcato acrescenta que, além da parte física, pessoas com deficiência intelectual, “aliás dispensadas, e bem, do uso de máscara, têm mais dificuldade em manter comportamentos de higiene sanitária e distância por não terem muitas vezes consciência do perigo”. E se esse cuidado foi tido com quem está institucionalizado e fez a vacina, os restantes ficaram de fora, resume. “As pessoas com deficiência que estão internadas foram consideradas prioritárias e as outras não foram”, diz. Isto porque nesta fase de vacinação foram incluídos residentes de lares idosos e cuidados continuados mas também de outras instituições e residências. Para o dirigente associativo, tão importante como a inclusão das pessoas com deficiência nos grupos prioritários de vacinação seria equiparar, e já nesta fase de vacinação, os assistentes pessoais aos restantes trabalhadores essenciais que têm sido vacinados. “Não há diferença nenhuma entre uma pessoa que trabalha num lar e um assistente pessoal que vai a casa de um tetraplégico para lhe fazer higiene, levantar da cama. São cuidados essenciais para estas pessoas viverem. Há centros de apoio a vida independente onde estes assistentes pessoais prestam apoio a várias pessoas, andam de transportes”, alerta. Segundo Falcato, atualmente no âmbito de projetos de vida independente há cerca de 800 pessoas que vivem com apoio de assistente pessoal. 

Inglaterra avança A inclusão de pessoas com deficiência nos grupos prioritários de vacinação da covid-19 tem motivado apelos em vários países, dos EUA à Alemanha. No Reino Unido, a comissão técnica responsável por aconselhar o Governo em matéria de vacinação recomendou na semana passada a inclusão de todas as pessoas com deficiência intelectual nos grupos prioritários, isto já depois de o gabinete nacional de estatísticas britânico ter revelado que seis em cada dez pessoas que morreram com covid-19 em 2020 em Inglaterra tinham algum tipo de incapacidade. Mulheres com fortes limitações na realização de atividades no quotidiano tiveram um risco 3,5 vezes superior de morrer do que mulheres sem incapacidade. No caso dos homens, o risco foi 3,1 vezes superior. Em pessoas com deficiência intelectual, o risco de morte foi 3,7 vezes superior. “Em Portugal não há dados, nem sabemos quantos casos e quantas mortes houve em estruturas residenciais para pessoas com deficiência. Houve notícia de alguns casos, mas não um acompanhamento da incidência como aconteceu nos lares para idosos (ERPIS)”, diz Jorge Falcato. 

DGS admite ajustes de idades Cá como noutros países, as associações tentam ter respostas. Questionada sobre as propostas das associações que representam doentes raros e pessoas com deficiência, a Direção Geral da Saúde, responsável pela comissão técnica de vacinação, respondeu ao i que “desde a definição do Plano de Vacinação Contra a COVID-19 que foi comunicado que o mesmo é dinâmico e adaptável à evolução do conhecimento científico, à disponibilidade e aprovação de vacinas contra a COVID-19 na União Europeia e à evolução epidemiológica”. A autoridade de saúde indica que a inclusão de outras doenças de menor prevalência, a definir, já estava prevista para a segunda fase de vacinação, que deverá arrancar em abril. E garante que esse trabalho está a ser feito e poderá levar também a ajustes etários.

“É exatamente esse trabalho que está a ser feito pela Direção-Geral da Saúde, em articulação com a Comissão Técnica de Vacinação COVID-19 e vários peritos e parceiros. Naturalmente que poderão ocorrer ajustes às faixas etárias, de acordo com a história natural das doenças”, esclareceu ao i a DGS. Recorde-se que na segunda fase de vacinação está previsto que sejam vacinados idosos com mais de 65 anos e é alargado o conjunto de doenças de vacinação prioritária a partir dos 50, como cancro, diabetes ou hipertensão. Sem futuras alterações, doentes mais novos com estas mesmas doenças e pessoas com incapacidade graves continuarão a ter de esperar pela vacina, que só deverá chegar ao resto da população no verão. Entretanto esta terça-feira, em entrevista à SIC, a ministra da Saúde adiantou que está a ser analisada a inclusão dos professores nos grupos prioritários, enquanto trabalhadores essenciais.