O equívoco português

Estamos a gastar dinheiro que os nossos filhos ou netos terão de pagar amanhã. E torna-se inevitável perguntar: teremos esse direito? Teremos o direito de deixar dívidas para as próximas gerações?

Na semana passada escrevi sobre o modelo ‘assistencialista’ que temos em Portugal, com o qual não iremos a lado nenhum.

Progressivamente seremos ultrapassados pelos países da Europa que ainda estão atrás de nós.

Há muita gente que recebe sem trabalhar – e isso coloca um peso sobre o Estado que conduz a uma carga fiscal elevadíssima e aumenta a dívida pública.

Estamos a gastar dinheiro que os nossos filhos ou netos terão de pagar amanhã. E torna-se inevitável perguntar: teremos esse direito? Teremos o direito de deixar dívidas para as próximas gerações?

Argumentam os mais afoitos que não há razão nenhuma para os portugueses não beneficiarem, como outros povos europeus, de salários razoáveis, de subsídios vários, de bons serviços de saúde gratuitos, de bons transportes também tendencialmente gratuitos, de 35 horas de trabalho semanais no privado, etc.

Se eles têm, por que não poderemos ter também?

Os próprios políticos alimentam essa ideia.

Dizem que Portugal não pode ser, por exemplo, «um país de baixos salários».

Ora, é esse, neste momento, o grande equívoco português.

O grande equívoco português é pensar que poderemos ter o que os países ricos têm, esquecendo que, quando eles eram remediados como nós somos hoje, não tinham todos esses benefícios.

E hoje têm-nos porque trabalharam, porque se esforçaram, porque se aperfeiçoaram.

Mas nós ainda não estamos nesse patamar.

Contrapõem, entretanto, os mais recalcitrantes que os nossos trabalhadores, quando vão lá para fora, são tão bons ou melhores do que os outros.

Ora, isso é verdade.

Mas não é menos verdade que cá dentro isso não acontece.

A nossa produtividade é de 27,2 por hora trabalhada, quando na Alemanha é de 49,9 e na Irlanda (o país onde a produtividade é maior) é de 72,5.

Significa isto que temos de trabalhar muito mais horas para produzir o mesmo; ou, se trabalharmos o mesmo, produzimos menos.

É esta a nossa realidade.

Porquê?

Porque somos um país mais desorganizado, e isso reflete-se em tudo.

O Estado funciona pior, a burocracia é mais pesada, a Justiça é mais lenta, a gestão das empresas é menos eficiente, etc.

Todo o enquadramento é pior – e por isso a produtividade é mais baixa.

Argumenta-se ainda que o problema tende a reduzir-se, pois antes da crise estávamos a crescer acima da média europeia.

Ora, esse é outro equívoco.

Quando se parte de uma base mais baixa, o crescimento é percentualmente maior; mas, na realidade, é menor.

O PIB português é de 200 mil milhões de euros e o de Alemanha de 3.160 mil milhões.

Se Portugal crescer 4%, cresce 8 mil milhões; se a Alemanha crescer metade, ou seja, 2%, cresce 63 mil milhões de euros.

A distância entre nós e eles vai sempre aumentando.

Para nos aproximarmos, teríamos de crescer a um ritmo muitíssimo superior.

É por isso que não podemos copiar os outros, nem fazer o que eles fazem, nem pretender ter o que eles têm.

Temos de fazer mais e ter menos.

Assim acontece com as pessoas individualmente.

Frequentei uma escola primária oficial em Belém, onde a maioria das crianças era de um nível social inferior ao meu.

Não sendo eu rico, longe disso, o meu pai era doutorado (embora afastado do ensino por razões políticas) e a minha mãe era professora liceal; os irmãos do meu pai eram todos formados e os meus avós idem. O ambiente que se vivia na família, nas conversas entre os adultos, podia classificar-se como ‘culto’.

Ora, na escola primária, eu estudava muito menos do que a maioria dos colegas e tinha muito melhores notas.

A cultura que absorvia naturalmente em casa, aquilo que ouvia nas conversas entre os adultos, o que lia, bastava-me e sobrava-me para ser um ótimo aluno.

Depois, no liceu, fui sempre um aluno médio, talvez um pouco acima da média, mas também estudava bastante pouco.

Nunca estudei gramática, por exemplo, mas em Português as minhas notas eram sempre razoáveis pois os erros na gramática acabavam por ser compensados pela composição (redação) ou pelas respostas a perguntas de cultura geral.

Daqui se conclui facilmente que os alunos oriundos de famílias culturalmente desfavorecidas têm de trabalhar mais do que os outros para conseguirem os mesmos resultados.

Ora, o que se passa com as pessoas passa-se com as nações.

As nações que se encontram num patamar elevado, não precisam de se esforçar muito para atingirem bons resultados.

Um pequeno esforço traduz-se num bom retorno.

Mas isso é hoje – pois há 80 anos não era assim.

Portanto, Portugal tem de copiar o que esses países fizeram quando não eram ricos, quando tiveram de se esforçar, de aperfeiçoar o Estado, de melhorar a gestão das empresas e as qualificações das pessoas.

Querer ganhar os salários que eles ganham, reivindicar o mesmo número de horas de trabalho, pretender ter os mesmos benefícios sociais, é um engano que pagaremos muito caro.