Os colunistas burgueses

 Houve até um programa televisivo onde o apresentador mostrou metade da capa e não conseguiu dizer o nome do jornal, mostrando ainda mais enfado do que tem normalmente.

A semana passada a entrevista da economista Susana Peralta ao jornal i provocou um pequeno terramoto nas redes sociais, onde sob o signo do anonimato muitos destilam ódio, e na comunicação social em geral. Não me compete a mim discutir o título, de que sou o autor, pois acho que é óbvio que a chamada de capa deve ser «a síntese» da entrevista como o disse Henrique Monteiro, no Expresso.

O que me surpreendeu, e muito, foi ver articulistas, por alguns dos quais tenho admiração e sou leitor assíduo, falarem da entrevista sem nunca citarem onde ela foi publicada. Até parece que foi publicada anonimamente nas redes sociais, mas não foi. O que acontece é que alguns colunistas sofrem de uma coisa tão simples como esta: parolice ou complexos intelectuais. E são esses que defendem acerrimamente a exigência ética e um comportamento exemplar dos seus pares. Mas tudo o que é publicado nos jornais que não estão instalados no sistema, e é fácil perceber quais são – dois diários e um semanário – esses artistas sentem que não ganham nada em dizer a verdade. São uma espécie de burgueses da escrita que só gostam de citar o que entendem que tem pedigree. Houve até um programa televisivo onde o apresentador mostrou metade da capa e não conseguiu dizer o nome do jornal, mostrando ainda mais enfado do que tem normalmente.

Também não deixa de ser curioso que algumas dessas personagens, quando precisam de passar alguma mensagem mais fora da caixa, se mostrem logo disponíveis para dar entrevistas aos tais jornais que não fazem parte do sistema. Felizmente foram muitos os que seguiram as regras básicas do jornalismo e citaram a fonte, como foi o caso do citado Henrique Monteiro, ou David Pontes, no Público. Também na televisão, foram muitos os que levaram o jornal e o mostraram às câmaras.

Mas acho que estes episódios só revelam a pequenez e saloiice de alguns dos gurus do comentário. Que sejam felizes assim e não será por causa disso que deixarei de os ler.

Se falo no assunto é porque não consigo perceber o critério da revista de imprensa da manhã de todos os canais televisivos – à noite é diferente, como se tem visto. Haverá alguma razão para começarem sempre pelo mesmo jornal – atendendo a que não é o que vende mais, nem o que tem as melhores notícias sempre? Mas alguém inculcou nas mentes que apresentam os ditos noticiários que é o jornal X que tem patine para ser o primeiro. Nem que os telejornais da noite, e mesmo da hora do almoço, se debrucem sobre as notícias dos outros jornais.

P. S. Já se percebeu que o Governo está preocupado com uma quarta vaga, bem como com a reunião dos ministros da União Europeia, que se realizará em maio em Portugal. Disse o Governo, e factos são factos – não confundir com os fatos que o Governo já encomendou para a dita reunião – que não podia desconfinar enquanto as unidades de cuidados intensivos não tiverem menos de 200 doentes internados e que os testes à covid estejam generalizados._Acontece que o Governo começou por dizer que testaria alunos, trabalhadores nas fábricas, operários da construção civil, etc, mas só em concelhos que tivessem mais de 480 casos por 100 mil habitantes. Como não há nenhum nessa situação, baixou-se agora a fasquia para os 120 casos por 100 mil habitantes. Acontece que também já quase não há nenhum concelho nesse patamar. Aguardam-se agora novas instruções, mas não será lógico e óbvio que o Governo terá que testar toda a população onde ocorra um novo caso? Ou por outras palavras: que se democratize a testagem e se façam testes em tudo o que é sítio, à semelhança do que se vai fazer pela Europa fora. Na Alemanha, a partir de hoje, já haverá testes à covid à venda numa cadeia de supermercados. Mas em Portugal ainda estamos a anos-luz destas novas realidades.

vitor.rainho@sol.pt