Mota Soares: “A Anacom tenta dizer uma coisa que não corresponde à verdade”

O presidente da Apritel tece duras críticas à atuação do regulador, acusando-o de dar uma visão distorcida do setor. Pedro Mota Soares lembra a importância que esta atividade tem para a economia do país ao investir cerca de mil milhões de euros por ano e de estar ao lados dos portugueses, sem nunca ter falhado,…

Mota Soares: “A Anacom tenta dizer uma coisa que não corresponde à verdade”

 

Não é de agora mas tem ganho maior relevo as diferenças de posições entre as operadoras e a Anacom…
A Apritel –  Associação dos Operadores de Comunicações Eletrónicas­ – enquanto associação setorial assume uma obrigação de ser um elemento de diálogo com todos os stakeholders relevantes no setor: público, reguladores, relação setorial, Governo, Assembleia da República, todos os setores privados e consumidores. Essa é a grande função da Apritel e o que tem de fazer é promover e defender a totalidade do setor e a totalidade do setor são todos estes stackolders. O que sentimos é que estamos muito sozinhos na defesa do setor, quando este é muito relevante para Portugal. É importante que tenhamos a noção que o setor das comunicações tem tido um nível de investimento de mil milhões de euros todos os anos. É um setor em que a capacidade de investir as receitas na melhoria das próprias comunicações está acima da média europeia. É um setor que tem a capacidade de prestar aos consumidores um serviço de enorme qualidade e vimos isso durante a pandemia: quando os portugueses foram colocados em casa a trabalhar, quando os estudantes tiveram de ir para casa estudar e fazer a escola à distância, quando houve um aumento muito significativo do consumo de comunicações em Portugal. E nessa altura, o setor esteve ao lado dos portugueses com uma enorme capacidade, com uma enorme disponibilidade e com uma enorme qualidade de serviço. Portugal pode e deve orgulhar-se do seu setor das comunicações. É um setor que é competitivo, muito inovador e os portugueses têm hoje em dia muitos produtos, de forma normal e acessível, o que não acontece nos outros países da Europa ou fora da Europa.

Está à frente…

Portugal compara muito bem ao nível europeu com a qualidade das suas redes. Para termos uma noção, o nosso país está na liderança das redes de nova geração e, por isso mesmo, é muito relevante para a Apritel fazer a defesa do setor. Mais uma vez, é um setor do qual o país e os portugueses se podem e se devem orgulhar. É um setor que investe muito, mas mesmo muito e quando olhamos para os dados de investimento percebemos que compara muito bem ao nível internacional porque tem tido esta capacidade enorme de disponibilizar qualidade e produtos e, ao mesmo tempo, ser um setor competitivo e concorrencial. É um setor que também gera muitos postos de trabalho: 18 mil, mas mais importante do que isso, é um setor que tem esta capacidade efetiva de entregar qualidade para os portugueses. E fá-lo de uma forma dinâmica e competitiva. Quando olhamos para a evolução dos preços em Portugal, tendo em conta os dados internacionais do Eurostast o que vemos? De janeiro de 2019 para janeiro de 2021, os preços em Portugal caíram 5,5%, na UE os preços mantiveram-se estáveis. Quando olho para os últimos 12 meses para a evolução dos preços em Portugal, o preço caiu quase 2% – 1,9% – na União Europeia caíram 0,3%. Isto é sinal de um setor dinâmico, concorrencial e muito competitivo. Quando olho especificamente para o que é a dimensão do setor em Portugal, o que é que os portugueses mais consomem do ponto de vista dos pacotes das comunicações que são as comunicações em pacote: 86 em cada 100 famílias consomem comunicações em pacote, ou seja, juntam o telemóvel à televisão e à internet e verificamos que, nos últimos 12 meses, Portugal liderou a descida de preços nos pacotes de telecomunicação, foram menos 3%, enquanto na União Europeia mantiveram-se estáveis. Daí a nossa preocupação em defender o setor e é defendê-lo todo – as entidades públicas, os agentes económicos e os consumidores – e comunicar isso com verdade aos portugueses. A Apritel repudia uma visão falsa, uma visão que é distorcida da evolução dos preços em Portugal.

E é o que está a acontecer atuamente?

Sistematicamente a Anacom tenta dizer uma coisa que, quando olhamos para os dados, não corresponde à verdade dos factos. Vejo muitas vezes a Anacom dizer que os preços das comunicações estão a subir em Portugal e quanto olho para os dados do Eurostat – quer no último ano, quer nos últimos dois – vejo que o preço das telecomunicações está a descer em Portugal. Preocupa-nos muito esta visão que não protege o setor e a proteção do setor é importante para todos. E uma das funções que a Apritel tem é de poder prestar informação aos consumidores, sabemos a importância que o setor tem neste momento que é histórico ao nível nacional e internacional. A pandemia veio-nos mostrar isso de uma forma muito direta a importância do setor das telecomunicações para a forma como trabalhamos, estudamos, informamos, convivemos uns com os outros e como nos relacionamos. Percebemos que este crescimento vai ser exponencial no futuro e a nossa preocupação é que, num momento como este, se esclareça os portugueses, que se dê informação e que se defenda um setor que é absolutamente vital para o futuro que aí vem e que está a vir de uma forma muito rápida.

Que dados usa o regulador para dar essa informação contrária?

Quando Portugal é o sexto país em que os preços mais descem, vejo a Anacom dizer que Portugal é o 21.º país onde os preços mais sobem. Isso não é verdade e temos de repudiar uma afirmação destas. Mesmo quando a Anacom tenta comparar a evolução de preços desde 2009 até hoje esquece-se sempre de informar qual foi a evolução da inflação dessa altura até hoje. Curiosamente, as comunicações em Portugal subiram muito abaixo da inflação geral do país. Aliás, nos últimos três anos, de uma forma muito consistente, os preços das comunicações têm evoluído muito abaixo daquela que é a inflação geral do país, protegendo até o poder de compra dos próprios portugueses. Preocupa-nos uma postura de não dizer de uma forma clara, transparente os dados e dar uma visão falsa e distorcida do que é a realidade do setor. O setor das comunicações é de facto estrutural e de uma importância fundamental para o futuro. Discutimos muitas vezes as infraestruturas do país, mas certamente que as infraestruturas de comunicações são infraestruturas de futuro.

Por isso, defendeu a revisão do Plano de Recuperação e Resiliência para incluir financiamento público de redes de nova geração?

Estamos a discutir neste momento o PRR e a Apritel defende o investimento em áreas que, do ponto de vista comercial, não seja apelativo para os operadores fazerem. Portugal tem atualmente uma grande cobertura até de redes de nova geração – 97% das famílias em Portugal já têm cobertura de redes de nova geração: fibra à cabeça – mas seria importante, numa lógica de assegurar a totalidade do país que, em zonas onde não existe um interesse comercial, possa existir um investimento público para garantir que Portugal tenha uma cobertura mais acentuada.

Para acabar com a ideia que não há rede em determinadas zonas?

Quando olhamos para a cobertura das comunicações no país, Portugal compara francamente bem com a média europeia. Quando olhamos para os dados percebo que 98% da população tem cobertura de comunicações, não acontece isso em toda a Europa, mas existindo ainda zonas que são brancas – onde não há um desafio comercial – faz sentido que o Estado possa alocar investimento público para essas mesmas zonas. Foi isso que a Apritel defendeu e é um investimento estrutural e estruturante para o futuro do país.

Quanto é necessário o Estado investir nessas zonas brancas?

Este investimento implica que se faça previamente uma coisa que já pedimos à Anacom para fazer que é o levantamento efetivo das zonas que são hoje zonas brancas no país, implica que seja dado esse passo prévio, até para que se possa chegar a um número com uma solidez maior.

Pela primeira vez, as operadoras estão quase sempre de acordo em relação às acusações do regulador, dando constantemente cartão vermelho à liderança de Cadete de Matos…

Não são só os operadores, ouvi muitas entidades da sociedade preocupadas com algumas questões que foram colocadas em cima da mesa. Ouvi a APDC, ouvi a APED e muitas outras associações preocupadas com o que se está a passar porque percebem a importância do futuro das comunicações para o seu presente, para o seu futuro e estão preocupadas com algumas decisões. Acho que não é uma questão exclusiva das entidades do setor das telecomunicações que têm como objetivo garantir que Portugal que, até hoje, foi sempre liderante na adoção de novas tecnologias e de novas formas de comunicação – Portugal liderou quando foi o 2G, 3G, o 4G – e, neste momento, está a ficar para trás porque este prejuízo é para o país.

Essa ideia tem sido unânime junto das operadoras que têm apontado para o atraso do leilão do 5G…

Está a decorrer o leilão, não quero falar muito por causa disso, mas todos temos a noção que o 5G vai ser a maior transformação digital desde que temos um smartphone. Este século está a ser e vai continuar a ser o século do digital. O 5G vai significar uma revolução na forma como a indústria opera, como o comércio se organiza, como nos vamos relacionar uns com os outros, como os estudantes estudam e, nesse sentido, vamos assistir a uma enorme evolução. Sem falar nos carros autónomos e como se vai conseguir acompanhar os idosos em situações mais isoladas. Isto significa que a tecnologia 5G vai potenciar um conjunto de tecnologias de acompanhamento dessas mesmas pessoas e fico preocupado por Portugal estar a ficar para trás neste desafio. Acho que é muito relevante que Portugal possa continuar a ser liderante. E o problema não é só este. Hoje há muitos temas, muitos dossiers que são muito relevantes que estão a sofrer um impasse, como é o caso da transposição do código europeu das comunicações eletrónicas. O código europeu vai ser muito estrutural para as alterações que vamos ter quer a nível nacional, quer europeu no nosso setor. Hoje temos realidades que são muito novas, as pessoas falam cada vez mais usando mais serviços de internet a par de serviços de comunicação. E faz sentido que, de alguma forma, possamos garantir que esses serviços estejam enquadrados e que tenham as mesmas responsabilidades do ponto de vista da segurança e da proteção. É muito importante que esse enquadramento exista para que o setor possa continuar a prosperar de forma justa e equitativa para todos.

Mas em relação à transposição do Código Europeu das Comunicações Eletrónicas, a Anacom saiu do grupo de trabalho…

Vimos isso com muita surpresa, a Apritel fez parte de um grupo de trabalho criado pelo Governo, onde estavam os representantes dos operadores, dos consumidores, do regulador e do próprio Governo. Fizemos toda a discussão dentro do grupo de trabalho de uma forma completamente franca, transparente, apresentando ideias e propostas. Preocupou-nos o facto de sistematicamente haver um atraso por parte da Anacom na entrega de um anteprojeto com o qual pudéssemos trabalhar e isso infelizmente aconteceu, mas acima de tudo, ficamos desagradavelmente surpreendidos quando percebemos que a Anacom entregou um anteprojeto e depois se recusou a discuti-lo. Entendemos que isso não é positivo para ninguém. Do ponto de vista da Apritel estávamos disponíveis para discutir todas as matérias, para apresentar sugestões, ideias, propostas, mas a partir do momento em que a Anacom escolhe sair do grupo de trabalho e não continuar esse diálogo, acho que é óbvio que esse diálogo fica sempre enfraquecido.

Então o código europeu não vai ter em conta as sugestões que foram dadas?

Essa é uma pergunta que tem de ser dirigida ao Governo. Da nossa parte o que dizemos é que colaboramos de uma forma franca, aberta, transparente, discutindo, apresentando ideias e soluções e ficamos muito surpreendidos, de forma desagradável, quando a Anacom apresentou o seu anteprojeto e se recusou a ter um diálogo, um debate em torno das mesmas sugestões. Quando alguém se auto isola numa discussão não é positivo e depois, como é obvio, torna o diálogo impossível. Mas a decisão legislativa compete ao Governo e à Assembleia da República. Mas é normal e legítimo que, na preparação de todo esse trabalho, haja um diálogo com os parceiros mais relevantes do setor.

Voltando ao leilão do 5G, esses atrasos podem comprometer o processo de implementação da nova tecnologia?

O leilão está a decorrer, não sabemos quando vai acabar, mas há hoje países que já têm oferta comercial de 5G e em Portugal isso não é possível. E como é óbvio não é um bom quadro, tendo em conta que é uma tecnologia tão importante. E isso mostra que estamos a partir mais tarde do que os outros países europeus. É preciso aguardar que seja concluído todo este processo, mas sempre dissemos, ainda antes de avançar o leilão que entendíamos que o processo estava atrasado.

Mas houve muitas críticas em relação às regras do leilão com os operadores a dizer que estavam feridas de ilegalidade, mas ainda assim, entraram todos em jogo…

Algumas dessas questões estão a ser tratadas nos tribunais e é uma questão que o poder judicial depois falará. Mas sobre um leilão que está em curso não quero avançar muito mais.

Ainda esta semana, o regulador disse que as reclamações nos serviços de comunicações subiram 28% em 2020, com as comunicações eletrónicas a serem o setor mais reclamado, o que corresponde a 70% do total das queixas…

As reclamações antes da pandemia tinham vindo a baixar e os dados da Anacom são claros nessa matéria. Temos que perceber que, neste momento, temos cerca de 16 milhões de subscritores de serviços que geram cerca de 25 milhões de serviços individuais que são subscritos. Estamos a falar de um setor que está presente na vida dos portugueses permanentemente, desde que acordamos e pegamos num telefone até ao momento em que nos deitamos, e como tal, temos milhares de interações diárias com o setor das comunicações. Acho que não há nenhum setor que tenha tantos milhões de interações por hora ou por minuto como o setor das comunicações. Se olhar para os 25 milhões de serviços individuais subscritos pelos portugueses e perceber que há cerca de 87 mil reclamações percebe que o peso percentual é sempre baixo. É normal, como é óbvio, que numa altura de pandemia, em que o consumo aumentou cerca de 50% também possam existir mais reclamações que, curiosamente, não sobem esse nível. Penso que os dados da Anacom indicam que são 25% no caso das comunicações eletrónicas, mas seria normal, numa altura em que há muito mais consumo, muito mais interações com o setor, que possam existir mas reclamações. Mas também é muito importante dizer que sistematicamente os operadores trabalham com vista a melhorar as suas redes, os seus serviços.

A faturação e a assistência técnica foram os assuntos mais reclamados…

Quando o consumo aumenta quase 50% é normal que haja uma enorme pressão sobre todos os sistemas. Olhando de uma forma global para o setor das comunicações registo que, em Portugal, felizmente graças à capacidade das nossas redes, graças à resiliência do setor, a verdade é que se conseguiu continuar a fazer a nossa vida – não posso dizer que foi uma vida normal – sem falhas de rede e sem falhas sistemáticas dos sistemas. As pessoas conseguiram, mesmo a partir de casa, manter alguma normalidade nas suas vidas de trabalho, nas suas vidas laborais, na capacidade dos estudantes de estudarem e isso só foi possível graças também à qualidade e à capacidade das redes instaladas que temos.

Houve um reforço?

Os operadores investiram no reforço das redes para garantir que não houvessem falhas no país. Mas, efetivamente, durante a pandemia o setor das comunicações esteve ao lado dos portugueses. Teve essa capacidade de reforçar em serviços mais críticos, mais essenciais – quer na área da saúde, quer na área da segurança, quer na área da proteção – e isso só foi possível graças à capacidade e à qualidade dos agentes e do setor. Durante todo este período, o setor esteve ao lado dos portugueses e conseguiu garantir uma rede que permitiu que as pessoas mantivessem dentro desta nova normalidade a sua capacidade de produção, a sua capacidade de poderem fazer compras e até capacidade de se relacionarem uns com os outros. Nesse sentido, demonstrou-se mais uma vez a qualidade e a capacidade das redes em Portugal, coisa que não aconteceu em outros países. Felizmente, foi possível manter sempre o país a funcionar, sem nenhuma quebra da capacidade de Portugal continuar a produzir.

Mas chegou-se a admitir que durante o período de aulas online fosse possível bloquear determinado tipo de serviços, como o Youtube ou a Netflix…

Não chegámos a esse patamar e o que é importante é podermos garantir que um conjunto de serviços que são absolutamente críticos e essenciais continuem a funcionar. E a única coisa que se fez foi avançar com instrumentos para garantir isso.

Ter um plano B?

Ter formas de garantirmos a proteção. Graças à capacidade e qualidade das redes, o país tem continuado a trabalhar de forma normal nesta nova normalidade, sem que houvesse uma quebra das redes. Acho que isso é francamente positivo, mas também é fruto de um setor que nos últimos cinco anos investiu cinco mil milhões de euros em Portugal. E hoje temos redes de comunicação que estão ao nível do melhor que existe na Europa e no mundo e isso é dito por consultores internacionais. É muito importante que Portugal nestes novos desafios que temos pela frente, quer da transposição código europeu, quer das novas tecnologias não fique para trás.

Outra dor de cabeça são as fidelizações. A Apritel defende que as fidelizações nas telecomunicações trazem benefícios aos consumidores e não espera ‘mudanças nesta matéria’, mas o regulador tem um entendimento diferente….

Antes de mais lamento que o regulador tenha avançado com essa proposta na revisão do código europeu e depois se tenha retirado da sala e não tenha feito a discussão dessas mesmas matérias. Não é positivo apresentar uma ideia no fórum em que supostamente a questão devia ser discutida e depois sair sem discutir a questão. Mas queria abordar esta matéria de uma forma pedagógica, primeiro as fidelizações permitem às famílias portuguesas e às empresas terem acessos a melhores equipamentos e serviços de uma forma financeiramente mais sustentável. As fidelizações permitem coisas como instalação e ativação de serviços, descontos em mensalidades ou então a oferta de mais produtos, mais serviços, maior velocidade de internet, mais canais, etc. Segundo, a questão das fidelizações permitiu expandir as redes em Portugal quer as fixas, quer as móveis. Portugal é um país a nível europeu que lidera na colocação de redes de nova geração, nomeadamente de fibra: 87% das famílias em Portugal têm acesso a fibra. Temos das melhores taxas de penetração dos serviços móveis em Portugal e, muito especialmente, dos serviços em pacote. E curiosamente é onde os preços desses serviços mais têm vindo a descer, principalmente nos últimos 12 meses. Terceiro, a questão das fidelizações não prejudicou ao nível da concorrência em Portugal. O setor é dinâmico, competitivo, com preços baixos e, acima de tudo, com uma elevada mobilidade também nos próprios consumidores. Mais de metade dos consumidores já mudaram de operador. Nesse sentido, a dimensão das fidelizações permitiu que o mercado tivesse esta competitividade, este dinamismo, esta qualidade, tudo a preços que são muito controlados.

Mas obriga o consumidor a estar x anos ligados a esse operador…

Mas assim que termina esse período, o consumidor pode mudar. Se tiver de pagar à cabeça todo o preço da ativação, a compra de equipamentos torna-se muito mais difícil para esse consumidor porque, às vezes, estamos a falar de valores que são muito elevados. Se o consumidor poder diluir esse preço ao longo do tempo e, acima de tudo, receber um conjunto de novos serviços, de ofertas porque, muitas vezes, o que acontece é que com a fidelização é possível ter uma oferta, por exemplo, da instalação do serviço e da ativação do serviço. E isso é benéfico para o consumidor e para o mercado. Já fizemos o desafio à Anacom de fazer um estudo sobre o que são os produtos que são vendidos em Portugal e como é que podem ser comparados com os produtos que são oferecidos por outros operadores na Europa, pois é isso que possibilita comparar preços. Não tendo a Anacom feito esse estudo, a Apritel sentiu que o devia tentar promover e, por isso mesmo, a Deloitte apresentou um estudo no ano passado, a provar o que temos vindo a dizer: se olhar para o que é o consumo médio de uma família em Portugal e que, acima de tudo, consome pacotes de comunicação – 3P ou 4P – sei que esse produto em Portugal é sistematicamente mais caro noutros países da União Europeia. E até tivemos o cuidado de nesse estudo introduzir a paridade do poder de compra, pois sei que um salário em Portugal não é igual ao salário de outros países. E o que o estudo revela é que Portugal, logo a seguir a França, é o segundo país da Europa, em que os pacotes de comunicação são mais baixos. Isto também tem a ver com o dinamismo, com a competitividade do próprio setor em Portugal que tem esta capacidade de oferecer qualidade e a preços que são dos mais baratos que existem ao nível europeu. Isso parece-me muito relevante, numa altura, em que as comunicações e a importância das comunicações vai ser crescente na vida nacional. Acho que se devia olhar para este setor de uma forma um bocadinho diferente e como disse à pouco em relação ao PRR ter a capacidade de em alguns casos muito específicos promover investimento público a cobrir as zonas brancas do país para se poder ir ainda mais longe.

Uma questão que ganha maior relevo quando a digitalização é uma das estratégias do plano…

Confesso que não compreendo muito facilmente porque é que em seis pilares estratégicos alinhados com os pilares da União Europeia, o pilar da digitalização é o único ou quase único – só há dois – que não têm uma aposta nas infraestruturas. É importante vermos que outros países ao nível europeu estão a fazer essa aposta do ponto de vista das suas infraestruturas. França, Itália, Alemanha, Espanha estão a fazer essa aposta de poder alocar de algum investimento público para a construção de infraestruturas que também têm a ver a transição digital e essa transição digital devia, de alguma forma, levar a pensar um bocadinho nesta matéria.

Outra questão que tem sofrido um impasse diz respeito à tarifa social da internet…

Não queria falar muito de uma matéria que não conhecemos na sua totalidade. Percebo que é muito importante trabalharmos na literacia digital dos portugueses. Esse ponto parece-me muito relevante. Quando olhamos para os relatórios internacionais, Portugal compara francamente bem na qualidade das redes, na capacidade das redes, na penetração das redes de comunicações, quer móveis, quer fixas, com os seus congéneres europeus. Compara bem em matérias, como na digitalização dos serviços públicos, na administração pública, mas infelizmente compara mal noutras matérias, nomeadamente ao nível da literacia digital. Isso não tem única e exclusivamente a ver com o serviço universal de comunicações ou com planos de tarifa social também tem a ver com outras matérias. Estou a pensar, por exemplo, no acesso a equipamentos, às tecnologias e não sabemos o que o Governo pensa na sua totalidade sobre todas estas matérias. Mas não nos parece mal a existência de alguma proteção aos consumidores mais desfavorecidos porque isso significa um ganho para todo o país. Ter mais pessoas com acesso à internet é certamente importante para a totalidade do país, mas sendo esse benefício um benefício geral do país entendemos que deve ser financiado via Orçamento do Estado.

Mas a avançar já veio tarde?

Mais uma vez é uma matéria que está no código europeu das comunicações eletrónicas.

Disse que é um setor que investe mil milhões de euros por ano. Na sua opinião face a este montante acha que devia ser melhor tratado?

O que temos dito é que o setor tem de ser tratado com verdade e com a realidade dos factos. Dar visões que são visões distorcidas sobre os factos não nos parece correto. Quando os preços descem no espaço de um mês, de um ano, de dois anos, e dizer aos portugueses que os preços estão a subir, isso certamente é uma visão distorcida. O que é fundamental é que o regulador tenha essa lógica de olhar para um setor e comunicar a verdade sobre o mesmo e, a partir do momento, em que isso não acontece em algumas matérias sentimos uma obrigação acrescida de poder de uma forma muito clara explicar e dar uma informação correta a todos em Portugal sobre o que é o setor. Em Portugal nos últimos 10 anos, as receitas caíram quase 25%, estamos a falar de 1.300 milhões de euros e quando olho para um mercado em que a receita caiu, mas, ainda assim, disponibiliza aos consumidores mais 25% de serviços o que é que está a acontecer? As receitas estão a cair, os serviços estão a subir e o preço médio por cada um dos serviços está a cair. Isto é o espelho de um mercado que é competitivo, concorrencial e que tem uma enorme capacidade de dinamismo, quando ao mesmo tempo, mesmo com as receitas a cair, mesmo com preços médios por serviços a cair tem-se a capacidade de investir mil milhões de euros por ano. Como é óbvio é um setor que não tem medo nem das regras da concorrência, da competitividade, nem das regras da regulação. Até pelo contrário, convive muito bem e consegue entregar com enorme qualidade produtos aos portugueses que, ainda por cima, são dos produtos mais baratos quando olho para a média europeia. O setor convive bem quer com as regras da regulação, quer com as regras da concorrência e da competitividade. Tudo isso é normal e faz parte do setor e do mercado. Os operadores têm essa capacidade de investir porque acreditam no país, nos portugueses e no futuro do setor e nesse sentido o que todos nós devíamos fazer era com verdade e com transparência comunicar o que é o setor e não, de alguma forma, tentar dar uma visão falsa ou distorcida sobre o que é o setor para os portugueses. E a Apritel sente essa responsabilidade de ter esta capacidade de comunicação e dar os números como eles realmente são.

Face a estas críticas acha que Cadete de Matos foi a melhor escolha para liderar o órgão regulador?

Como presidente da Apritel sinto que tenho uma responsabilidade de promover sempre o diálogo entre todos os stackolders do setor, conjugada com uma outra responsabilidade que é comunicar com verdade principalmente aos portugueses, o que é a realidade do setor e que é essencial para o futuro da economia e da sociedade. Trata-se de um setor que está preparado para esse mesmo desafio, que compara muito bem ao nível europeu e do qual os portugueses se podem orgulhar.

Por último, as aulas por televisão estiveram em risco de não arrancar por as operadores não conhecerem o contrato, mas à ultima hora sempre avançaram…

O que posso dizer, porque foi público, é que foi possível num tempo que me parece quase recorde montar um canal novo e passar a emitir nesse canal novo. O que mostra mais uma vez a preocupação que o setor teve de estar ao lado dos portugueses num tempo de pandemia e de estar permanentemente preocupado com muitas famílias que face a esta pandemia passaram a ter enormes dificuldade a todos os níveis.