Medo em latas de milho

E, não assim tão de repente, lá passou um ano desde o início da pandemia. As máscaras vieram para ficar e acabaram-se os cumprimentos mais afetuosos. Um ponto final também nos episódios sempre constrangedores na hora em que surge a dúvida entre dar um ou dois beijinhos, diga-se. 

Para os que não foram de modas entre cotoveladas e pontapés, as mãos ganharam novo protagonismo, sobretudo nos acenos que fomos levando às janelas de avós, pais e amigos. Poderíamos alguma vez imaginar que o medo passaria a estar embrulhado numa embalagem de milho ou de salsichas? O álcool gel e as toalhitas desinfetantes passaram a estar no topo da lista das compras de supermercado, já que o papel higiénico, esse, era agarrá-lo quando aparecia.

O café da esquina deixou de ter a esplanada montada e os velhos de sempre ali sentados, na mesa da ponta, que continuará certamente reservada para eles, apesar de agora nem ter lá a mesa e de nem se saber se eles ainda cá estão para lá voltarem.

O dono do café avisa os clientes habituais que continua a servir em regime take-away, mas diz que lhe dizem que o frango não tem o mesmo sabor.

Afinal não era a comida, mas o dia que ali corria entre encontros de vizinhos e os bons-dias de caras que às vezes só passavam naquela manhã. A vida era mesmo isso e o franguinho era só uma desculpa – deliciosa, ninguém duvide -, no intervalo daquele tempo.

E a seguir o café. E o digestivo. E mais um café, que até três por dia o médico ainda deixa, embora já tenha sugerido que aquele, ao final da tarde, podia ter sido guardado para o dia seguinte. Mas não, ao sr. Manuel não peçam para guardar seja o que for para o dia a seguir, que para ele só há hoje. Diz que amanhã pode já não aparecer. E, assim, pedia com pressa mais um café, mesmo sabendo que tinha a tarde toda. Todos os dias voltava e aparecia sempre, mais ou menos bem-disposto. Até há um ano.