PRR: economistas reforçam críticas dos empresários

O prazo de consulta pública do plano já terminou e a opinião é unânime junto das associações empresariais: documento tem falhas e falta aposta do Governo em muitas áreas.

Depois das críticas do Fórum para a Competitividade, da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) e da Associação Empresarial de Portugal, o Nascer do SOL quis saber o que pensam ilustres economistas portugueses sobre o plano do Governo e tentar perceber se os empresários têm razão. As opiniões dividem-se.

César das Neves

‘Este plano é para fazer brilhar ministros’

«Não levo muito a sério este plano por ser muito prévio e meramente indicativo». Esta é a reação de João César das Neves ao Plano de Recuperação e Resiliência, que tem sido alvo de fortes críticas por parte das entidades empresarias. Para o economista, «quando vier o dinheiro, logo veremos para onde vai realmente». E acrescenta: «Estas páginas mostram a atitude de fundo do Governo para com o desenvolvimento. É uma atitude dirigista, estatista, centrada em obras públicas e burocracia».

César das Neves não tem dúvidas de que os dois grandes vencedores do plano são as construtoras e os funcionários: «Temas como o apoio social ou a cultura, tão afetadas pela pandemia, ou mesmo o ambiente, alegadamente uma prioridade europeia, desaparecem quase por completo, com o dinheiro que lhes parece dedicado desviado realmente para mais construção».

O economista vai ao encontro das acusações por parte das entidades empresariais, afirmando que este plano «é para fazer brilhar ministros, não para criar dinâmica económica». E vai mais longe: «Talvez a cereja em cima do bolo seja o facto de, em vez de apoiar o financiamento das empresas e a situação delicada dos bancos, o Estado preferir usar o plano para criar mais uma instituição nova, que ele controla, para ainda envolver mais a política na finança».

No entender do economista, se este plano se dirigisse «a curar as feridas abertas» pela pandemia, seria muito diferente face ao que está previsto: «Deveria fazer algo que facilitasse a vida aos pobres e às empresas dos setores de contacto físico, as grandes vítimas desta terrível crise».

E considera que isso seria possível através de redução de impostos e burocracia, crédito bonificados às classes e setores mais atingidos, apoios a fundo perdido para combater a ‘miséria’ e pagar dívidas, capitalizar a banca e medidas afins. «Mas esta abordagem não renderia notícias ou votos».

Bagão Félix

‘Cada vez mais, o Estado confunde-se com o PS’

Para Bagão Félix, o período mínimo de consulta pública do PRR estabelecido pelo Governo é «incompreensível», ou seja, «cumpriu a formalidade, mas parece óbvio que nada mudará, a não ser em detalhes para, no fim, tudo ficar como o Governo entende».

Face a este cenário, considera que as críticas da entidades empresariais de todos os setores representados na concertação social têm razão de ser. «Trata-se mais de um plano do Estado e para o Estado, do que de um documento para potenciar rapidamente as energias de uma economia de mercado, assente na iniciativa privada», considera, adiantando que, «ao longo das suas 147 páginas, temos Estado por todo o lado e empresas quase em rodapé. É claro que há umas intenções proclamatórias sobre o setor empresarial produtivo, mas que, de facto, não têm o correspondente acolhimento ao longo do documento».

Bagão Félix lembra que o documento aponta para a necessidade de colocar as empresas no centro da recuperação da economia, transformando-as no motor real do crescimento e da criação de riqueza, mas defende que isso não se traduz na economia, quer em medidas concretas, quer na distribuição dos montantes financeiros europeus. «O pano começou por ser uma ‘bazuca’, depois o primeiro-ministro definiu-o como uma ‘vitamina’, mas corre o risco de se transformar num ‘estimulante’ para o Estado e num ‘placebo’ para as empresas».

Ainda assim, o economista reconhece que há aspetos de organização e da prestação pública do aparelho do Estado que importa desenvolver a bem da própria economia do país, «tentando recuperar atrasos de um paupérrimo esforço de investimento público na última década». E junta que «os planos só se discutem quando são a expressão de montantes a distribuir, como se tudo se resolvesse por colocar mais dinheiro nos problemas, sem antes cuidar do seu retorno económico e social e criar as condições do bom uso das subvenções».

Bagão Félix recorda que a economia portuguesa é composta maioritariamente por microempresas em setores tradicionais, com menor capacidade para assumirem os investimentos em tecnologia e em recursos humanos com o perfil necessário à sua penetração no mercado de vendas em linha. Uma realidade que, diz, não é tida em conta no documento. «O que temos no PRR? Um Estado glutão e uma vaga perceção de como esses recursos estatizados vão chegar a este ambiente económico. Em suma, mais do mesmo, e, previsivelmente no fim, os resultados a ficarem abaixo do que seria desejável, em termos solidamente estruturais», justifica, salientando que «a parte de leão do Estado neste PRR é o reflexo de uma posição tipicamente socialista, mas não só».

Para o economista não há dúvidas: «É o ‘braço monetário’ deste Governo para os próximos anos, que, assim, vai aparecer aos olhos dos seus eleitores como o grande distribuidor de subsídios, apoios, o grande criador de mais emprego público e, consequentemente, o maior alimentador da sua base eleitoral preferencial: a administração pública. Cada vez mais, este Estado se confunde com o PS».

O ex-governante chama ainda a atenção para o facto de o Produto Interno Bruto (PIB) ter sofrido uma redução não inferior a 15 mil milhões de euros por causa da pandemia e, ainda assim, a grande fatia grande deste plano «vai para somar mais Estado ao Estado e recuperar iniciativas e investimentos que a política sistemática das cativações fez adiar ou travar. Nada de diferente, afinal, do que se passa com os chamados ‘estabilizadores automáticos’».

Eugénio Rosa

‘Que empresas serão beneficiadas pelo PPR?’

«Uma análise objetiva do PRR leva à conclusão de que a maior parte do 16.600 milhões previstos irão parar às mãos de empresas privadas. De uma forma direta ou indireta». A afirmação é de Eugénio Rosa, que dá exemplos: 715 milhões para a descarbonização da indústria, 1.396 milhões para inovação e investigação visando promover o investimento inovador nas empresas, 650 milhões para transição digital das empresas, 372 milhões para ‘alianças verdes para reindustrialização’, 150 milhões para as empresas do setor têxtil e calçado, entre outros.

«Tudo isto vai diretamente para as empresas. Mesmo a parcela que cabe ao Estado administrar, mesmo essa acabará para ir para empresas privadas. No PPR prevê-se 1.663 milhões para a construção de habitações a custos acessíveis, alojamento estudantil também a custos acessíveis (375 milhões); um programa de acesso à habitação para 26 mil famílias (1.251 milhões); 833 milhões para infraestruturas rodoviárias, 1.032 milhões para a rede ferroviária e metros; etc., etc. Naturalmente quem vai construir tudo isto não é o Estado, mas empresas privadas».

O economista mostra-se mais preocupado com as empresas que serão beneficiadas com os projetos previstos no plano do que com o montante: «As mais beneficiadas não serão certamente as micro, pequenas e médias empresas que representam mais de 97% do tecido empresarial em Portugal». E realça que «apenas algumas médias e as grandes empresas é que serão as grandes beneficiadas. Daí o alarido de muitos dirigentes de associações patronais que sentem que a maioria das empresas serão marginalizadas e que preferiam apoios a fundo perdido».

Para Eugénio Rosa, não há dúvidas em relação ao caminho que deverá ser seguido pelo Governo: «Inverter o movimento de desindustrialização do país que se verificou nas ultimas décadas e promover uma industria forte e baseada no conhecimento, visando também combater as vulnerabilidades do país e reduzir a elevada dependência externa devia ser o grande objetivo estratégico nacional».

Mas, para isso, reconhece que seria necessário analisar a estrutura das importações e exportações e identificar o que podia ser substituído por produção nacional: «Desde que existisse um esforço concertado nessa direção e aqueles em que o pais tem já capacidade e vantagens competitivas para exportar e cujas exportações podiam ser incrementadas».

Nuno Teles

‘Não basta desenvolver eixos prioritários onde se aplicam os fundos’

Nuno Teles admite que parte dos apoios financeiros que vão ser atribuídos para recuperar a economia pós-covid – nomeadamente a aposta no SNS e na habitação – vai acabar por beneficiar as empresas. 

«As críticas das diversas associações empresariais são diversas na sua natureza, mas, no caso da AEP, não me parecem de todo justas, estando dirigidas aos montantes relativos de apoio direto às empresas. Por outro lado, parecem ser míopes em relação às necessidades da economia portuguesa, já que estes exemplos de apoios vão beneficiar naturalmente as empresas mais a montante e a jusante».

E lembra também que as empresas estão habituadas a um modelo de apoios diretos que continuará nos fundos europeus e no PRR. «As ligeiras mudanças de investimento público e gastos sociais (SNS) respondem às contingências da atual crise». Ainda assim, reconhece que «se deveria ir mais longe na reflexão de como estes fundos são utilizados: existe pouco planeamento e articulação por parte do Estado na forma como esta despesa tem impactos na estrutura económica e no emprego. Não basta desenvolver eixos prioritários onde se aplicam os fundos. É necessária uma verdadeira política industrial que articule e promova elos entre setores, afete o crédito e tenha objetivos setoriais e macroeconómicos coerentes».