Três reflexões moderadas sobre o feminismo atual

A ascensão do movimento feminista anda de mãos dadas com a ascensão do cosmopolitismo.

Por Henrique Pinto de Mesquita

Este texto irá defender que as jovens feministas são mais propícias do que as antigas a priorizar protestos de rua, organizações de base e mudanças culturais. Assim o é porque as atuais gerações aprenderam – com as antigas – o poder da agitação coletiva, desta forma beneficiando do seu trabalho fundacional.

1.Jovens feministas são mais suscetíveis a priorizarem protestos de rua. Em primeiro lugar, as redes sociais e os chats em grupo fazem com que a informação se espalhe mais rapidamente do que nunca. Isto significa, então, que as mensagens a promover protestos de rua têm hoje muito maior alcance do que tinham durante as ondas feministas anteriores. Consequentemente, assistimos a um número crescente de pessoas a participar em protestos de rua, aumentando assim a força destes como ferramentas da mudança. Em segundo lugar, a ascensão do movimento feminista anda de mãos dadas com a ascensão do cosmopolitismo. Muitas vezes, jovens urbanas e isoladas encontram nesta forma de atividade o sentido de comunidade que qualquer humano necessita, colmatando assim o desejo de pertença a algo ‘maior’. Para muitas, o feminismo tornou-se numa afiliação tribal e os protestos de rua uma maneira física de o expressarem. Estando a par do aqui elencado, o movimento capitaliza sobre isso, priorizando-os.

2.Jovens feministas são mais suscetíveis a priorizarem organizações de base. Em primeiro lugar, e apesar de teorizada nos anos 60, esta forma de organização apenas recentemente se estabeleceu nas esferas políticas e civis – logo, é natural que, comparando às gerações anteriores, a juventude esteja mais inclinada a usá-la agora. Em segundo lugar, as organizações de base são plataformas ideais para a desenraizada juventude cosmopolita encontrar uma comunidade de indivíduos com quem partilhe valores e objetivos comuns. Em terceiro lugar, o aumento no nível de literacia traduziu-se no facto de o feminismo não mais constituir um movimento circunscrito a uma elite intelectual – Beauvoir, Seyrig, Roussopoulos. Tornou-se num movimento democrático que pisa linhas de classes e fala para massas (se elas entendem é outra questão). As organizações de base têm estado sincronizadas com a democratização do movimento feminista, permitindo a um cada vez maior número de pessoas ativamente fazer parte da mudança – o que, naturalmente, leva o movimento a priorizá-los. 

3.Jovens feministas são mais suscetíveis a priorizarem mudança cultural. Ao chamarem à atenção para padrões de beleza ou a objetificação da mulher, as jovens feministas estão a encarar dogmas entrincheirados na sociedade. Os vícios misóginos e sub-reptícios que tentam enfrentar – i.e. mansplaining – são muitas vezes entendidos como ‘frívolos’ e ‘estúpidos’. E é natural que a tentativa de explicação de conceitos sofisticados a massas resulte, claro está, em fileiras de adversários. Acrescentando a isto, as redes sociais permitiram a um cada vez maior número de pessoas ter contacto com as ideias do movimento, o que também catalisa mudança cultural. Apesar de as jovens feministas estarem a provar o travo amargo do seu próprio sucesso, parece-me ser sensato dizer que são já as maiores responsáveis na história do feminismo por mudanças culturais. Por saberem da sua força, priorizam-na.

Guimarães, 1 de março de 2021