Voos humanitários. “É um jogo político, rola dinheiro”

“Deus nos livre de um brasileiro deixar uma carta escrita a dizer ‘Vou-me matar pelo descaso que fazem comigo, não tenho mais condições’”, lamenta Ricardo Amaral Pessoa.

Existem 130 brasileiros que ainda não conseguiram regressar ao país de origem. Há uma semana, o presidente da Associação Brasileira em Portugal e do Conselho de Cidadãos Brasileiros em Lisboa alertou que havia uma lista com cerca de 300 brasileiros retidos em Portugal, com passagens compradas, que poderiam não conseguir viajar no voo de cariz humanitário de sexta-feira.

Ricardo Amaral Pessoa começa por esclarecer que este número desceu “por conta dos voos alternativos”, pois “cerca de 200 pessoas sem emprego nem lugar para ficar, com a comida a escassear, venderam a alma ao diabo, tacontraindo empréstimos com a família, os vizinhos, os conhecidos, quem os pudesse ajudar”. Tal terá ocorrido porque, no voo do passado dia 26 de fevereiro, com destino a São Paulo e 298 lugares, não terão embarcado todos os cidadãos que pretendiam ir para o Brasil. É de lembrar que, de acordo com o MNE, os critérios definidos para a viagem prendiam-se com as circunstâncias pessoais, de saúde e de subsistência de cada passageiro. No entanto, somente quem havia adquirido bilhetes da TAP não pagou 837,90 euros. "Voo humanitário, no meu entendimento, não precisa de ser pago. Não se cobra por uma ajuda voluntária. Até porque todos estão a querer pagar para sair daqui", enfatiza.

"Outra coisa que me machuca demais é: se é voo humanitário e as pessoas estão pagando, que o Governo pelo menos peça à Cruz Vermelha para ir fazer o teste. Há pessoas com passagens renovadas que já fizeram pelo menos um teste. Pagaram 100 euros. Há quem tenha pago dois testes. Que tenham misericórdia destas pessoas", pede Amaral Pessoa, que acredita que as autoridades "querem arrancar dinheiro das pessoas até ao fim" e a pandemia "nunca vai acabar porque vão sempre aparecendo estirpes".

“Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores do Brasil, diz a uma pessoa que vai falar comigo. Passa sexta, sábado, domingo e nada. Estamos em emergência”, começa por criticar, salientando que a população brasileira que não encontra forma de sair de Portugal pode encontrar-se em risco elevado de suicídio. “Deus nos livre de um brasileiro deixar uma carta escrita a dizer ‘Vou-me matar pelo descaso que fazem comigo, não tenho mais condições’”.

"Estamos em emergência, podem ligar-me a toda a hora. Em caso de pandemia, estou sempre disponível", diz, partilhando com o Nascer do SOL um relato que chegou até si. "Boa tarde, eu estou com passagem da TAP, porém, já é a segunda vez que tento embarcar nesses voos 'humanitários' que eles dizem estar fazendo e não consigo… Eles estão vendendo passagens e dando prioridade a quem vai comprar ao invés de quem já tem os bilhetes. Meu pai tem cardiopatia e tenho uma neném de um mês. Nosso voo já foi cancelado três vezes, como o senhor pode nos ajudar com isso?", questiona uma mulher. acrescentando que tem obtido como resposta por parte das autoridades competentes que histórias como a sua "são frequentes". "Só temos mesmo dinheiro para alimentação e isso não sei até quando. Uma tristeza", rematou.

“Eu tenho avisado isso, de mensagens que chegam até mim de desespero como estas. Se as pessoas confiam em mim, é porque eu as oiço”, avança o dirigente de 64 anos que se encontra no país há mais de 30. “Não temos que passar paninhos quentes, a verdade é simples. O Governo português está-se lixando porque está preocupado com os portugueses. O Governo brasileiro também”, adianta, explicitando que, se desempenhasse as funções de cônsul ou de embaixador, já teria tentado chegar a bom porto. 

“É um jogo político, rola dinheiro. Na hora que um cara precisar de um voto, vai dizer ‘eu vou liberar os voos’ e isso é lamentável”, narra o empresário que desafia as companhias áreas “a serem humanas, a juntarem-se para ajudar quem precisa de retornar” e oferecendo-se para estar no aeroporto de Lisboa, a organizar o embarque dos conterrâneos, “às horas que fosse, estaria disponível”. “Apelo à sensibilidade do senhor primeiro-ministro António Costa e do senhor ministro da Administração Interna Eduardo Cabrita. Não há nada que a gente não resolva conversando”, finaliza.