Manter a epidemia controlada: Desconfinamento ao longo de seis semanas.

Plano de redução de medidas restritivas, pedido pelo Governo a Óscar Felgueiras e Raquel Duarte, prevê cinco níveis de medidas, em função do nível de risco nacional e concelhio. Reabertura começaria em todo o país pelas creches e pré-escolar e a partir daí é analisada a cada duas semanas e depende da evolução a nível…

Desconfinamento por etapas, mas só se a situação epidemiológica se mantiver controlada e com avaliação a cada duas semanas. A proposta foi ontem apresentada na reunião do Infarmed por Óscar Felgueiras e Raquel Duarte, que nos últimos meses trabalharam na resposta à epidemia na Administração Regional de Saúde do Norte e a quem foi pedido pelo Governo no início de fevereiro um plano para o levantamento de medidas restritivas. Na altura o cenário era posto de parte e da reunião de ontem saiu o consenso de que o país deve poder começar a fazê-lo na segunda quinzena de março, o que coincidirá com o fim do atual estado de emergência a 16 de março, e com patamares de risco mais apertados do que os que foram adotados nos últimos meses para definir medidas mais restritivas.

O grupo de trabalho representado por Baltazar Nunes, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, apresentou uma nova matriz de análise da situação epidemiológica em que uma incidência cumulativa a 14 dias acima de 240 casos por 100 mil habitantes deve levar a medidas mais duras, sendo que quando se está abaixo dos 120 casos por 100 mil habitantes – o nível a que se está agora a chegar – o país sai do vermelho. Já o guião para o desconfinamento, que o Governo irá agora analisar em conjunto com os outros contributos apresentados esta segunda-feira, concretiza uma forma de aplicar essas balizas.

O documento prevê que a reabertura aconteça progressivamente em quatro etapas, o que levará seis semanas se a situação epidemiológica continuar a evoluir favoravelmente. Para se passar de uma etapa para a outra, Óscar Felgueiras, matemático especialista em epidemiologia, e Raquel Duarte, pneumonologista e secretária de Estado da Saúde entre 2018 e 2019, defendem que é necessário manter a tendência de redução de casos e uma incidência que continue a baixar e estabilize abaixo dos 60 casos por 100 mil habitantes a 14 dias, a chave para desbloquear as últimas etapas da reabertura. Se este modelo estivesse em vigor, significaria que a 10 de outubro o país teria confinado, disse na reunião Óscar Felgueiras. Foi nessa altura que o país entrou no “vermelho”, de onde só começou a sair nas últimas semanas.

 

O risco dos concelhos vizinhos

Na proposta apresentada agora publicamente, o princípio assumido pelos autores foi dar prioridade à reabertura das escolas, que vão movimentar mais pessoas, em conjunto com atividades de menor risco, para haver um risco mais controlado, explicou ao i Óscar Felgueiras. A ideia é que, para lá das escolas, atividades com maior risco devem reabrir por último.

Para avaliar o impacto das várias atividades, além da revisão da literatura científica disponível, foram feitos questionários a especialistas nas diversas áreas e a cidadãos comuns para classificar o risco epidémico, seja por propiciarem maiores aglomerações ou mobilidade, mas pesar também o impacto económico, social e na saúde de mental. Definiram então cinco patamares de medidas a aplicar em função do nível de risco epidémico, sendo que agora que se está uma tendência de descida de casos o que propõe é que o país comece todo a levantar medidas no nível 4, que corresponde ao patamar entre 120 e 240 casos por 100 mil habitantes.

Nesse nível de risco defendem que, no que diz respeito ao ensino, devem abrir apenas creches e pré-escolar. Já no comércio, o único alívio seriam vendas ao postigo (ver a proposta nas próximas páginas). Manter-se-ia nesta primeira fase o recolher obrigatório noturno, com encerramento a partir das 21h, e também aos fins de semana a partir das 13h, defenderam, apontando como outros aspetos a ter em conta a lotação dos transportes (que deve ser reduzida a 25%) e a testagem de trabalhadores que não trabalham remotamente.

Para passar à etapa seguinte, é necessário que o país continue a baixar de de nível de risco. E se o início da reabertura seria comum a todo o país, Óscar Felgueiras considera que a partir daí, em função da evolução, as medidas deverão ser aplicadas localmente, com o objetivo de manter a epidemia controlada. E esta é outra das novidades da proposta: além da incidência cumulativa a 14 dias, a nível nacional e por concelho, defendem que seja ponderada tendência de descida ou subida de casos (a partir do aumento ou descida percentual de novos casos a 14 dias) para classificar o risco a nível regional e concelhio. E, na análise por município, a situação dos concelhos vizinhos. “Na análise da epidemia ao longo dos últimos meses, o que se verifica é que um concelho ter um concelho vizinho com maior incidência acaba por ser um forte preditor da sua situação, mais do que a situação no próprio concelho”, diz o investigador, defendendo que analisar “ilhas” de concelhos também acaba por dar uma imagem mais fidedigna da situação de concelhos com poucos habitantes e que por isso, com poucos casos, veem a incidência por 100 mil habitantes aumentar mais depressa do que zonas mais populosos, onde os casos, mesmo podendo ser muito mais, se diluem no número de habitantes. Desta forma, o cálculo do risco por concelho passaria a refletir a incidência no município em causa e nos concelhos vizinhos, aumentando o denominador da população em causa. Voltando ao guião para o desconfinamento, uma região ou concelho que tivesse entre 60 e 120 novos casos por 100 mil habitantes e uma tendência estável estaria no patamar de risco 3, podendo passar assim à etapa seguinte. Já se nesses 14 dias os casos tiverem diminuído 30%, mesmo estando nesse patamar estaria no nível 2. Por outro lado, se tivessem aumentado 30% (ver matriz em baixo) seria classificado como estando no risco 4 e a reabertura poderia ficar adiada.

Medidas graduais para abrir e fechar. Suspensão das aulas presenciais volta a estar prevista como último recurso

A proposta entregue ao Governo é de que se ao fim de duas semanas o nível de risco for inferior ao das medidas que estão em vigor é desbloqueada a etapa seguinte do desconfinamento. Para se passar à segunda “etapa” de desconfinamento, que corresponde ao nível de risco 3, implicaria ter uma incidência cumulativa a 14 dias de 60 a 120 casos por 100 mil habitantes ou tendência de descida. Abririam então as escolas para alunos do 1.º e 2.º ciclo e voltariam por exemplo a funcionar esplanadas, mas o teletrabalho mantém-se como regra.

Se o desconfinamento iniciasse na semana de 15 de março, isto significaria que a nova etapa de desconfinamento calharia na semana da Páscoa, sendo que as indicações são de que as restrições serão para manter nesse período. Assim, só depois das férias da Páscoa voltariam às escolas alunos até aos 12 anos.

Para desbloquear a etapa seguinte, a incidência deve estar abaixo dos 60 casos por 100 mil habitantes ou verificar-se uma tendência de descida. Regressariam então às escolas a meio de abril os estudantes do 3.º ciclo e do básico e seriam retomadas aulas presenciais nas universidades que não têm alternativa. Nessa altura os restaurantes poderiam voltar a funcionar com limite de quatro pessoas por mesa e só então retomariam atividades com contacto físico, onde os investigadores incluem cabelereiros ou ginásios.

Já assumindo que será difícil descer desse patamar, a proposta assinala que para se passar à última etapa de desconfinamento a incidência não teria de passar para o nível de risco mais baixo (menos de 30 casos por 100 mil habitantes) mas deve continuar a ser inferior a 60 casos por 100 mil habitantes por mais 15 dias.

Óscar Felgueiras sublinha que perceber se o país conseguirá atingir níveis de incidência tão baixos é o maior desafio, também pela presença de novas variantes, mais transmissíveis. A variante inglesa, revelou na reunião João Paulo Gomes, do INSA, tem agora um peso de 65% e já está a aumentar mais depressa do que no auge do confinamento.

Nos últimos meses, Portugal só registou incidências abaixo dos 60 casos por 100 mil habitantes no verão e sem estas variantes. “Não temos a ambição de eliminar o vírus, percebemos que teremos de viver com ele. Não nos parece exequível uma estratégia como a Nova Zelândia, que fecha ao menor número de casos. Somos um país com uma exposição maior e vamos ter sempre introdução de casos externos. O objetivo é tentar manter a incidência baixa, porque isso significará também menor pressão nos hospitais”, defende Óscar Felgueiras, sublinhando no entanto que esse objetivo por si já é ambicioso. O reforço da testagem e rastreios epidemiológicos atempados foram algumas nos reptos deixados na reunião. No plano,  caso se volte a passar os 240 casos por 100 mil habitantes ou uma tendência de subida muito acelerada, o nível 5 de risco, admite-se novo confinamento, inclusive com fecho das escolas. “É sempre a última opção e o objetivo é que haja sempre um controlo ao nível local antes de se ter de tomar medidas de âmbito regional ou nacional. Tal como se prevê um faseamento no desconfinamento, prevê-se que haja um faseamento das medidas em caso de aumento de casos”, sublinha Óscar Felgueiras.