“Os alunos do primeiro ciclo vão pagar a fatura de terem estado em casa”

Para Filinto Lima e Jorge Ascenção, “as crianças são as vítimas mais inocentes desta pandemia” e os alunos do primeiro ciclo são aqueles que sofrem as consequências mais nefastas do ensino à distância.

Esta segunda-feira, além de abrirem as creches, também o pré-escolar e o 1.º ciclo retomam as aulas presenciais. bem como os Atividades de Tempos Livres (ATL) para as mesmas idades. No entanto, para os dirigentes associativos Filinto Lima e Jorge Ascensão, os problemas ainda agora começaram a surgir.

 

“Os alunos têm mais ansiedade”

Filinto Lima, Presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos de Escolas Públicas, começa por explicar que o regresso às aulas, faseado, vai ao encontro das suas expectativas, principalmente, “porque o primeiro-ministro alicerçou o plano nas opiniões de especialistas e, se nesse sentido, entenderam que esta é a melhor decisão, têm a nossa confiança”.

Recorde-se que, na passada quinta-feira, António Costa assumiu que o Governo foi além da posição dos especialistas ao estender a reabertura das aulas na até ao 1º ciclo, por ter tido em conta “dados como o impacto que o encerramento das escolas tem no desenvolvimento das crianças e do respetivo processo de aprendizagem no encerramento das escolas”.

Seguindo esta linha de pensamento, Filinto Lima afirma que “são os alunos do primeiro ciclo que vão pagar a fatura de terem estado em casa, com ensino à distância, durante mais de 80 dias”, explicando que “a escola pública terá de recuperar, consolidar, realizar as aprendizagens deste ciclo que é fundamental para o resto da escolaridade”.

Para além disso, Filinto Lima apela a que o Ministério de Educação “invista mais nestas crianças futuramente”, contratando mais técnicos especializados como educadores sociais e psicólogos. “A tutela pensou nisso já no ano letivo corrente, mas estamos há bastantes semanas em casa, os recursos humanos devem ser reforçados”, sublinha.

Naquilo que diz respeito à testagem em massa, até porque os laboratórios já começaram a entrar em contacto com as instituições de ensino para que o processo tenha início na terça-feira, defende que esta “dará mais confiança às comunidades educativas e poderá ser redobrada quando a vacinação for alargada aos professores e auxiliares, que devem estar na linha da frente quando chegar o seu tempo”.

No início do mês, o jornal Público divulgou o aumento do número de crianças e jovens que recorreram aos hospitais com crises de ansiedade, sendo que os médicos explicitaram que são relatadas mudanças de humor, distúrbios do sono, medo do vírus e distúrbios alimentares. A título de exemplo, no hospital Dona Estefânia, estes casos aumentaram 50 por cento no início deste ano.

“Aquilo que nos dizem os pais, sobretudo, é que os alunos têm mais ansiedade, estão permanentemente à frente do computador e tornam-se irrequietos e isso é visível mesmo nas aulas”, salienta, contando que “os alunos estão cheios de saudades dos colegas, dos funcionários, dos professores” e adivinhando que esta segunda-feira “será um dia emotivo porque o convívio e a socialização, fazem-se muito com base na presença”.

 

“As escolas não são um perigo em si”

A seu lado, Jorge Ascenção, Presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais, frisa que “a escola é fundamental para um desenvolvimento saudável e as crianças são as vítimas mais inocentes desta pandemia”, completando que “não é por acaso que temos um sistema educativo que, a par da familia, é uma instituição basilar na sociedade”.

“As escolas não são um perigo em si. O seu fecho aconteceu porque as pessoas não foram capazes de confinar e tentou reduzir-se a mobilidade, evitar que os pais saíssem de casa com a desculpa do transporte dos filhos”, lembra, recuando até ao dia 22 de janeiro, o primeiro em que os estabelecimentos de ensino estiveram encerrados.

“Quando uma sociedade desenvolvida, ou que se quer desenvolvida, fecha as escolas, algo grave está a acontecer”, diz, constatando que “o contágio agravou-se quando as mesmas estavam fechadas”.

Na ótica de Ascenção, as escolas “têm organização do cumprimento das regras, de esclarecimento, de acompanhamento e controlo” e constituem “talvez o local, para além de casa, mais seguro para as crianças”.

“Somos seres sociais, não fomos feitos para ficar fechados em casa. As crianças aprendem a contar dividindo rebuçados, sabem o que é a felicidade porque riem depois de estarem zangadas”, evoca, admitindo que se questiona acerca da escola à qual queremos voltar.

Confessando que o cenário que o mais preocupa é a possibilidade do desvanecimento parcial ou total da parceria entre a escola e a família no âmbito do regresso ao ensino presencial, enfatiza que “gostava que houvesse uma associação de pais em todas as escolas” para que esta simbiose continuasse a existir e dar frutos.

“A escola será a mesma que tínhamos, é necessário repensar toda a forma de trabalhar e relacionar”, declara, reconhecendo que “podemos discordar, mas temos de conciliar esforços, para que um bichinho que ninguém vê, que já nos ultrapassou na saúde pública, não nos vença também na educação”.