‘Somos o INEM da aviação’

Mário Alvim de Faria sempre sonhou ser piloto de aviação e nem sequer admite ter escolhido outra profissão. A 10 anos de terminar a carreira garante que já levou a bandeira portuguesa a 120 países e, mesmo depois, quando estiver reformado pretende continuar a ser formador.

Aos 18 anos, Mário Alvim de Faria veio de Angola para Portugal para tirar o curso de piloto. Um sonho de criança e não se imagina a fazer outra coisa. «É uma coisa que sempre quis ser desde miúdo. Gostava de aviões, mas é uma profissão em que é preciso ser-se apaixonado. Casamos com a aviação, vivemos para os aviões». Uma paixão que continua a ter a chama vida. «Vivo apaixonado porque é uma profissão que representa um desafio. É uma missão e é necessário ter prazer para nos mantermos nesta profissão».

Atualmente é comandante da euroAtlantic, mas para trás ficaram uma série de peripécias que pareciam desviá-lo do seu destino. Depois de ter tirado a licença de piloto comercial na antiga escola Aeroavia – agora Aerocondor –, em Tires, voltou para Angola, onde trabalhou durante dois anos com companhias petrolíferas, mantendo-se na aviação, mas depois disso decide voltar para Portugal. E, nessa altura, o futuro não foi tão risonho. Por estar desemprego viu-se a trabalhar num restaurante. «Era preciso pôr comida na mesa», confessa. Mas depressa regressa a África e a voar na Suazilândia, Moçambique e África do Sul, em aviões pequenos de transporte de pessoas e viagens de negócios. Daí até Luanda foi um salto e para Portugal também. 

Entra na TAP em 1989 e, como lhe deram hipótese de escolha, preferiu ficar na Air Atlantis, cujo acionista principal era a companhia de aviação portuguesa  – 75% cabia à TAP e os restantes 25% eram do grupo Pestana – para pilotar os Boieng 737. Mas cerca de quatro anos depois viu-se a braços com uma situação de desemprego, depois de a TAP ter decidido fechar a empresa. «Parecia uma travessia no deserto, mas nesse momento, Tomás Metello, que era administrador comercial na Air Atlantis, acenou com a criação de uma empresa. Acreditei no sonho e, em 1997, comprou um Lockeed e, mais tarde, a empresa deu lugar à euroAtlantic».

É aí que nasce toda uma nova perspetiva. A nova companhia de aviação passou a apostar em voos não regulares – através de voos charters para o Canadá, Cuba, entre muitos outros países: «Fomos dos primeiros operadores a voar para o Brasil (João Pessoa, Maceió) e apareceu uma modalidade que é ACMI. Ou seja, somos uma espécie de INEM porque estamos sempre disponíveis. Vamos salvar qualquer empresa que tenha um problema. Por exemplo, há uma avaria no avião nas Caraíbas e é preciso tirar os passageiros, então vamos lá».
Mas não fica por aqui. Ainda esta semana, a empresa foi buscar um lote de vacinas a Pequim para levar para Gabão. «É o primeiro lote de vacinas que vamos transportar», conta. 

No entanto, há mais histórias no currículo da empresa. Recentemente foram para o Egito para levar uma carga para Houston «que não estava no programa», mas a isto acresce as viagens, em que levaram as tropas portuguesas – exército e não só – quer a Cabul, quer a Bangi ou República Centro Africana. «Vamos para esses destinos, por exemplo, quando há terramotos ou outras catástrofes. Quando houve o furação na cidade da Beira levamos a Cruz Vermelha, o mesmo aconteceu no Japão, quando houve uma fuga de água radioativa. O caso mais recente foi em Camp Madu, que depois do terramoto levamos uma equipa francesa. Trabalhamos com governos, com a assistência social, com bombeiros. É um leque tão diferente».
E apesar de Mário Alvim de Faria garantir que é sempre um prazer voar, admite que há sabor adicional quando a sua missão é salvar vidas ou fazer evacuação de locais. E a explicação é simples: «O avião é a ‘última’ salvação dessas pessoas, o que representa uma responsabilidade redobrada».
Mas a missão não fica por aqui. A euroAtlantic também já «levou Presidentes da República, primeiros-ministros portugueses e estrangeiros, assim como artistas de cinema ou desportistas. Um deles é o Cristiano Ronaldo e a seleção portuguesa. 

A par disso, a empresa conta com voos regulares para São Tomé e Bissau, assim como voos charter que são pedidos geralmente no verão. «É frequente irmos para Cuba, Maldivas, entre outros destinos. São as viagens pacote vendidas pelos operadores. Por exemplo, a TAP precisa de um avião durante o verão para o aumento de frota ou a British Airways precisa de um avião durante três meses para esse período e aluga um avião. Damos o avião, a tripulação, a manutenção e o seguro e o resto é deles», refere. 

O que diferencia de outras empresas de aviação? Mário Alvim de Faria não hesita: «Estamos em casa, temos uma equipa em standby e assim que aparece um voo – que pode ser para o Brasil, EUA, África, Ásia – em três horas saímos. Vamos socorrer esse cliente ou determinada situação».

Atualmente a companhia opera em todo o mundo, em todos os continentes. «O mundo tem 193 países independentes e já fomos a 165, ou seja, já tivemos em 80% do mundo. E nestes 165 países já aterrámos em cerca de 700 aeroportos. Esta é a dimensão da nossa empresa, onde já levamos a nossa bandeira a todos esses territórios. Só faltam 24», avança. Só Mário Alvim de Faria aterrou em 120 países. 

11 voltas ao mundo

Durante 11 anos, a euroAtlantic promoveu um produto ‘de sonho para os amantes de viagens’: 11 voltas ao mundo, uma aposta de um operador francês. A partir de Paris dava volta a 10 países durante 21 dias. «Paramos normalmente duas noites em cada sítio, só há um país em que paramos uma noite que é a ilha de Páscoa e há um outro em que ficamos três noites. Os destinos geralmente são diferentes. É um trabalho interessante, são passageiros que normalmente veem essa viagem como se fosse uma despedida porque são pessoas de uma certa idade, geralmente são reformados e com posses financeiras».

Da sua experiência como comandante garante que há aeroportos que são únicos. «Um é a ilha de Páscoa que, no meio do nada, no meio do Pacífico, tem uma pista. Depois há as pistas exóticas, como é o caso do aeroporto das Maldivas, em que parece que estamos num porta-aviões, pois há mar por todo o lado. Também fascinante é o aeroporto do Funchal. Cheguei a aterrar com o avião 737 quando a pista era pequena, mas já voltei lá com um maior».

Outro desafio que fica na sua memória é o aeroporto de Dili. «Já fomos quatro vezes a Dili e agora vamos voltar. Fomos, na altura, a Timor Leste com as tropas GNR e com a polícia quando foi a transição. É um aeroporto que é um desafio, uma vez que, é uma pista pequena. Ou seja, qualquer piloto gostaria de aterrar por causa do desafio», admite.

Movido pela paixão

O comandante assegura que o que o move é a sua paixão e o seu trabalho de responsabilidade. «Comemorar datas é uma chatice porque a a diferença entre um piloto da euroAtlantic e um piloto de uma companhia regular é que ele tem a sua escala, pede os dias offs para o aniversário, etc., e isso tudo funciona. Na euroAtlantic isso é impossível. Pode haver recusas, mas se o voo foi vendido tem de se fazer», garante. 
E as diferenças não ficam por aqui. «Este tipo de voos comerciais prestam um serviço muito importante à nação. É o caso, por exemplo, de ir buscar expatriados. Se não houvesse esse tipo de empresas não havia resposta».
Pelas suas mãos já passaram mais de cem pilotos, uma vez que também dá instrução. Uma função que promete manter, assim que se vir obrigado a reformar-se, já que na sua profissão a aposentação chega mais cedo: aos 65 anos. «Se não houver alterações, até lá, é isso que quero continuar a fazer porque a paixão pelos aviões fala sempre mais alto». 

Para já, mostra-se apreensivo com o estado da aviação em todo o mundo. «É uma situação que também está relacionada com o turismo. Se voarmos com os voos vazios vamos ter prejuízos. O futuro depende muito de uma questão de confiança, em que as vacinas podem dar uma ajuda, mas os Governos vão ter de abrir as fronteiras. Se houver muito desemprego e muitas falências, as pessoas também não vão voar». E não hesita em relação ao futuro: «Acho que vai ser uma retoma lenta e dolorosa. Perdemos entre 70 a 80% da receita. É uma situação muito difícil, tivemos de reduzir pessoal e tivemos de nos adaptar, mas temos essa flexibilidades. Somos neste momento cento e tal trabalhadores, mas já fomos 500/600».