Porquê, senhor primeiro-ministro?

António Costa deve explicar por que colocou Mamadou Ba numa comissão contra o racismo, se reconhece que ele abriu «uma fratura perigosa para a nossa identidade nacional»

«Yo soy yo y mi circunstancia, y si no la salvo a ella no me salvo yo».

 H. Y Gasset

1. O tema do racismo preocupa-me profundamente, beneficiando de uma experiência de vida que me permite saber o que é, e se existe ou não na sociedade portuguesa.

Há dois fenómenos muito perigosos a surgir entre nós, que têm o efeito de se emularem um ao outro: um é uma revisão auto flageladora da nossa História, o outro a libertação de reações racistas ou xenófobas.  Portugal, que ao longo dos séculos se miscigenou pelo mundo, desenvolveu uma capacidade de diálogo intercultural e inter-religioso, que não vale a pena endeusar como tendo sido imune às barbaridades que todo o colonialismo comporta, mas também não vale a pena diabolizar, como tenho visto recentemente, com um militante socialista a dizer que o monumento aos Descobrimentos devia ser destruído.

Está-se a abrir de uma forma artificial uma fratura perigosa para a nossa identidade nacional, para a nossa relação com o mundo.

A ONU aponta-nos sempre como um modelo de boas práticas na integração das comunidades migrantes.

Quer em matéria de política de imigração, quer de refugiados, temos um historial que tem resistido a todas as mudanças de Governo e que, com pequenas derivas, foi sempre consensual. E nem André Ventura nem Mamadou Ba representam aquilo que é o sentimento da generalidade do país.

2. Embora eu subscreva praticamente tudo o que ficou escrito, as palavras que transcrevi não são minhas – são de… António Costa (Público, 6/3). Do A.C. que conhecia e estimo pessoalmente, não do AC que me tem surpreendido e entristecido com medidas que contradizem o que certeiramente disse agora ao Público.

3. Depois dessas palavras claras, o primeiro-ministro tem o dever de explicar ao país a razão para ter criado (mais) uma comissão ‘contra o racismo’ – que, como afirmou, todos os estudos e inquéritos internacionais sérios revelam não ter relevância em Portugal. E, mais, desviando para essa comissão, num Portugal pedinte, 15 milhões de euros!

Mais ainda: deve explicar por que colocou nessa comissão o SOS Racismo e o sr. Mamadou Ba, um dos que abriram «de forma artificial uma fratura perigosa para a nossa identidade nacional e relação com o mundo» e que, segundo as suas próprias palavras, não representa «o sentimento da generalidade do país».

4. Reflexo de ódio interpessoal, ignóbil, o racismo surge em todas as sociedades, quando a história e as condições políticas e sociais lhe são favoráveis. Nos EUA é o que se sabe. A escravatura em África e no Médio Oriente é uma chaga que não fecha.

Mas, em Portugal, crimes racistas confirmados só me lembro de dois ou três. E conflitos graves desse teor, que recorde, foram entre portugueses negros e ciganos.

Discriminações há várias, a pulsão branca-negra, negra-branca das cores de pele, reptiliana, aqui misturada frequentemente com a da pobreza.

 

5. Agarre nos 15 milhões, sr. primeiro-ministro, e use-os na integração das minorias, negras e de outra cor qualquer. É dever do Estado liberal e de todos nós. Desde logo, com uma escola que promova o universalismo e os grandes valores humanos. Uma escola ‘ascensor social’ – não a escola ignorante, desviante, obscurantista, que impõem.