Desconfinamento vai ser avaliado. Projeções apontam para RT de 1 antes da Páscoa

Portugal é o país da UE com epidemia mais controlada e teste de stresse ao desconfinamento começa agora. RT pode voltar a 1 antes da Páscoa. Terça-feira há reunião no Infarmed.

Depois de um início de ano trágico no número de mortes e pressão nos hospitais e de um segundo confinamento tão prolongado como o primeiro, Portugal é agora o país da União Europeia com a epidemia de covid-19 mais controlada, no local oposto da tabela onde estava há dois meses. Surge em contraciclo, como já aconteceu tanto quando esteve melhor como pior, mas agora de novo do lado em que a preocupação não é sair do vermelho e aliviar hospitais sob pressão, mas não voltar a um cenário idêntico. Especialistas ouvidos do Nascer do SOL admitem que o ‘teste de stresse’ ao plano de desconfinamento começa agora: uma semana depois da reabertura da escolas, é esperado que se comece perceber se o regresso de crianças e professores às escolas começa ou ou não a acelerar o número de contágios.

O RT tem estado a subir, mas mantém-se de abaixo de 1. Esta quinta-feira os diagnósticos já foram praticamente idênticos aos da semana passada, mas com uma incidência mais baixa bastam alguns surtos para haver uma subida de contágios, o que não significa que exista transmissão descontrolada na comunidade. E esse é o ponto que se procura evitar. Esta semana poderá dar pistas sobre o que pode acontecer daqui para a frente: ou se mantém a descida, ou o país entra num planalto de casos ou entra numa trajetória de subida, que é o vive por exemplo a Alemanha, que reabriu as escolas a 22 de fevereiro e agora volta a registar um crescimento exponencial de casos. Sinais que dão alguma segurança: os testes à covid-19, depois de semanas a descer, começaram a aumentar esta semana e a positividade nunca foi tão baixa – está agora abaixo dos 2%. No pico da epidemia em janeiro, chegou a passar os 22% e agora uma das linhas vermelhas traçadas é que não volte a passar os 4%, o que implicará fazer progressivamente mais testes à medida que for aumentando o risco de contágio.

Reunião no Infarmed

Para esta semana está já marcada uma reunião no Infarmed onde será feita uma primeira avaliação, sendo ainda cedo para conclusões definitivas. «A grande expectativa durante a semana será perceber se existe um impacto da abertura das escolas», diz ao Nascer do SOL Óscar Felgueiras, matemático especialista em epidemiologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, assessor científico da Administração Regional de Saúde do Norte e um dos autores do plano de desconfinamento que propôs que a reabertura fosse sendo gradual, tendo como condição que a epidemia se mantivesse controlada. «Neste momento estamos com uma positividade muito baixa, o que significa que estamos a identificar muito mais casos que noutras alturas poderiam não o ser, o que é uma ajuda para manter a epidemia controlada».

Manter esta dinâmica é um dos desafios, aponta, o que implicará continuar o reforço de testagem observado durante esta semana, em que voltou a haver dias com mais de 40 mil testes diários. A incidência de novos casos a 14 dias situava-se ontem no continente nos 69 casos por 100 mil habitantes, explica o investigador, adiantando que a 7 dias a incidência está já nos 32 casos por 100 mil habitantes, o que significa que mantendo-se esta tendência ou pelo menos estabilizando o número de contágios neste patamar, seria possível atingir o objetivo de ficar abaixo de uma incidência de 60 casos por 100 mil habitantes.

Neste momento a incidência nacional é um pouco superior, mas como nas últimas duas semanas, o período de 14 dias que é refletido no cálculo de incidência, foram reportados cerca de mil casos na Madeira que na realidade foram diagnosticados em janeiro, esse cálculo acaba por estar artificialmente elevado – um problema que a DGS justificou com uma intercorrência informática nas notificações num laboratório e que já levou o Governo regional da Madeira a defender que está a ser prejudicada a imagem da região.

Portugal é o país com menor incidência de casos na UE

No relatório semanal do Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças, e mesmo com este problema, Portugal mantinha-se no final da semana que terminou a 14 de março – os dados disponibilizados esta semana – como o país da UE com menor incidência de casos a 14 dias, quando em janeiro chegou a ser o pior. Durante a semana o diretor da OMS para a região europeia Hans Kluge alertou que esta foi a terceira semana em que os casos aumentaram na Europa e que as vacinas, com a atual cobertura vacinal na Europa (cerca de 10% da população com a primeira doses) não vão chegar para travar o vírus nesta etapa. No relatório do ECDC, depois de fevereiro de maior otimismo, 19 países aparecem agora com os casos a subir e apenas 10 com uma situação de descida ou estabilização, onde se inclui Portugal.

Apesar de o país não estar entre os que mais testa por 100 mil habitantes, nas tabelas do ECDC surge agora em 22º lugar num ranking que continua a ser liderado por Chipre, Dinamarca e Áustria, países que estão a fazer quase 20 vezes mais testes por 100 mil habitantes, em termos de positividade o país ocupava a nona posição no final da semana passada e agora está melhor, sinal que o número de casos ativos e cadeias de transmissão, mesmo as que passam despercebidas por as pessoas serem assintomáticas, parece ter sido fortemente esmagado pelo confinamento e que mesmo que o país testasse tanto como os outros poderia não estar a apanhar muitos mais casos do que está.

RT pode voltar a estar acima de 1 antes da Páscoa

Mas isto é agora e até que ponto será possível manter a pressão na mola para travar ou manter controlado um eventual rescrudescimento de casos é a incógnita no horizonte.

Carlos Antunes, investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que faz também a modelação da epidemia com o epidemiologista Manuel Carmo Gomes, um dos especialistas do grupo de trabalho que traçou as linhas vermelhas do desconfinamento, diz ao Nascer do SOL que, com a tendência atual, o RT mantém-se a convergir para 1 e é possível que atinja esse nível antes da Páscoa, no final da próxima semana.

Atualmente a estimativa da Faculdade de Ciências é que o R atinja o valor a nível nacional de 1.0 a 24 de março, altura em que o número de contágios gera num número de igual de infeções e deixa de haver uma tendência de descida de casos, entrando-se num patamar de estabilização da epidemia.

Com o nível de incidência é baixo, isso é agora menos problemático do que era em janeiro, em que a preocupação foi trazer o RT para baixo de 1 para esmagar a curva de infeções.

As estimativas da Faculdade de Ciências e do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, que seguem metodologias diferentes, continuam a não ser coincidentes, mas estão mais próximas. O INSA, que calcula o RT médio a cinco dias, divulgou esta sexta-feira a estimativa para o período entre 10 e 14 de março, indicando um RT a nível nacional de 0,86, sendo que a 14 de março estava em 0.89. A estimativa da FCUL é de que nesta data o RT fosse de 0,92, estando agora nos 0,95.

Se chegar a 1 parece inevitável nas próximas semanas, Carlos Antunes sublinha que as propostas feitas foram no sentido de manter o crescimento controlado, concordando que ver o impacto da abertura das escolas a partir da próxima semana permitirá uma melhor fotografia do desafio que enfrenta. «Se mantivermos esta taxa de testes começamos a ver esta semana, alargada a todas as atividades mais expostas, será sempre um mecanismo de compensação ao desconfinamento, na medida em que continuamos a acompanhar o vírus. Se o início de desconfinamento não acarretar um significativo aumento de transmissão, o que pensamos é que o RT poderá estabilizar em torno de 1, por exemplo como tivemos no início de dezembro. Pode também acontecer como aconteceu em alguns países em que oscila, acima e abaixo de 1, mas existe um controlo e não se deixa que a epidemia alastre. Se a vigilância se mantiver, se isolarmos precocemente os infetados, são mecanismos que compensam o desconfinamento e evitam uma replicação da infeção», diz o investigador, admitindo que a prova de fogo começa de agora em diante.

E o que está a acontecer nos diferentes países, alguns que começaram a reabrir mais cedo e outros que nunca fecharam, não mostra um cenário único. Nos países do Centro e Leste da Europa, houve novas vagas enomes, nomeadamente na República Checa, que no entanto começou a aliviar medidas com 800 casos por 100 mil habitantes. Por outro lado a Alemanha, que desconfinou com uma situação epidemiológica muito semelhante à portuguesa ainda que teste menos do que o país e tenha uma positividade na casa dos 6%, fala de um crescimento exponencial de casos, com um aumento de 20% de diagnósticos na última semana, o que atribui ao impacto da variante inglesa. Em Portugal a variante britânica, mais transmissível, também já é dominante, o que não acontecia em janeiro, pelo que a esta altura não há certezas sobre como evoluirá a situação. «Países que estavam com uma situação controlada, Inglaterra, Irlanda, Suíça, estão a conseguir manter a situação estável. Na Bélgica começa a haver uma inversão. A Alemanha, Aústria, estão a ter aumento de casos. Nós estamos com uma situação boa. Se tivermos este nível de testagem, é provável que consigamos controlar. O risco é se o R continua a subir e não é possível controlá-lo». Aí, as linhas vermelhas traçadas voltam a colocar nas mãos do Governo decidir se o confinamento prossegue ou pára. Para já, o país volta aos poucos a respirar e esta semana já foi diferente para muitas famílias com crianças pequenas e também nos hospitais.