Democracia a conta-gotas…

Um ano depois de decretado o primeiro estado de emergência, por força da crise pandémica, e somados quase 17 mil óbitos e quase um milhão de infetados, que Portugal temos? O inventário é ingrato e não se resume nestas poucas linhas. Em relação à saúde pública, posta à prova como não acontecera antes, o SNS…

Um ano depois de decretado o primeiro estado de emergência, por força da crise pandémica, e somados quase 17 mil óbitos e quase um milhão de infetados, que Portugal temos?

O inventário é ingrato e não se resume nestas poucas linhas. Em relação à saúde pública, posta à prova como não acontecera antes, o SNS esteve várias vezes por um fio, com enfermarias e cuidados intensivos saturados ou à beira do colapso, e filas de ambulâncias, em espera, à porta das urgências hospitalares, enquanto se decidia no interior a quem acudir e quem deixar morrer. Uma memória pesada.

Para conter a expansão do vírus, o país fechou, reabriu e voltou a fechar, gerando o desespero em pequenos negócios, desde o comércio tradicional à restauração, além da hotelaria e da indústria cultural e de lazer, colocadas em regime de ‘cuidados intensivos’. 

O desemprego subiu em espiral, com relevo para os destinos turísticos mais procurados, designadamente, o Algarve, sujeito a uma forte erosão de visitantes, alarmados com as notícias da escalada do número de infetados. Em poucos meses, o país passou de ‘milagreiro’ na gestão da doença para o topo dos piores do mundo.

Com a ligeireza habitual, aliviaram-se responsabilidades para esconder a incompetência política e culpou-se o Natal e os portugueses, por não terem sabido resguardar-se e respeitar as normas de segurança e de distanciamento social, comprometendo as ‘boas intenções’ do Governo.

E repetiram-se fórmulas restritivas, com as consequentes repercussões no funcionamento da economia e na circulação de pessoas. ‘Selaram-se’ fronteiras e prometeu-se uma vacinação intensiva, com um plano gizado em ‘cima do joelho’.

Para além dos episódios menos sérios de quem se fez prioritário sem o ser, com recurso a variados expedientes, o plano de vacinação tem conhecido frequentes entorses. 

O mais recente, foi a prioridade atribuída, inopinadamente, a professores e a pessoal administrativo das escolas, a pretexto da reabertura das aulas presenciais. 

Uma opção que ninguém percebeu, nem sequer especialistas como o epidemiologista Manuel Carmo Gomes, para quem, segundo afirmou ao Expresso, «não existe evidência de que os professores apresentem maior risco de exposição do que alguns outros grupos profissionais […]».

O certo é que este desvio, para satisfação dos professores (e da Fenprof…), representa um universo de, aproximadamente, 250 mil trabalhadores, quando ainda faltam vacinar 500 mil pessoas dos grupos de risco e há escassez de vacinas, quer por atrasos das farmacêuticas (algo que deveria mobilizar a presidência rotativa portuguesa da União, que não se ouve e faz por ignorar), quer pelas dúvidas recentes surgidas com a vacina da AstraZeneca, cuja segurança foi confirmada pela Agência Europeia do Medicamento.

À data em que escrevemos, por escalões etários, metade da população portuguesa com 80 ou mais anos já tomou uma dose da vacina, mas a população entre os 65-79 continua a ser das menos vacinadas. 

Não obstante os ziguezagues, as contradições e a barafunda, Marta Temido continua ministra, destilando os seus ‘ódios de estimação’ contra o setor privado da Saúde, bem secundada pelo seu colega Brandão Rodrigues, na Educação, que partilha o mesmo viés ideológico, e por Pedro Nuno Santos, que se entretém a nacionalizar falências, com a TAP à cabeça, e o contribuinte a pagar o ónus. 

É o ‘trio de ataque’ da ala esquerda do PS, que promete não dar descanso a António Costa, à espreita da sua ‘reforma’…

Aqui chegados, e conhecido o calendário oficial do desconfinamento, o que falta quantificar é a derrapagem da economia, quando a maior parte dos dinheiros provenientes da famosa ‘bazuca’ se destina a alimentar um Estado despesista, o tal «monstro de apetite insaciável» de que falava Cavaco Silva, quando já criticava António Guterres, no dealbar deste século, e a governação socialista.

À cautela, o Presidente reeleito criou uma espécie de comissão de acompanhamento para avaliar a aplicação dos dinheiros de Bruxelas, enquanto assegura «ser o mesmo» neste segundo mandato. Sucede que o primeiro-ministro resolveu imitá-lo, beneficiário de uma oposição fraca que não o belisca, tanto à direita como à esquerda. 
Desgraçadamente, a economia continuará às arrecuas, abalada pela epidemia, e privada das carradas de turistas que demandavam a Portela ou Pedras Rubras, em busca de um Portugal desconhecido.

Pode a democracia não estar ainda «amordaçada», como receia Cavaco, mas encontra-se, sem dúvida, ‘ligada à máquina’. Mais estatizada, com uma legião de funcionários públicos privilegiados, que trabalham menos horas do que no setor privado, sem risco de desemprego e com salário garantido.

Com a maioria dos media obedientes e curvados diante do poder político, a democracia pratica-se… a ‘conta-gotas’.