“Ministra devia abster-se de comentar” casos de fraude durante processo de vacinação

O presidente do Sindicado dos Magistrados do Ministério Público diz que Ministra da Justiça não devia comentar os casos de fraude.

Numa entrevista este fim de semana ao jornal Público, a Ministra da Justiça, Francisca Van Dunem afirmou que “não será muito fácil fazer a avaliação do ponto de vista criminal” das fraudes decorridas durante o processo de vacinação. A própria referiu ainda que “os casos terão de ser analisados um a um” visto que “como as doses se estragam se não forem usadas” há casos em que “faz mais sentido usar a vacina no senhor da pastelaria do que desperdiçá-la”.

Contactado pelo i, o presidente cessante do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), António Ventinhas considera que “a Ministra se devia abster de comentar” e que “os magistrados que dirigem cada uma das investigações é que terão de apreciar essa matéria”. O próprio diz ainda que “como a ministra” não devia comentar casos concretos, também ele não o irá fazer.

Até ao momento não foi conhecido o desfecho de nenhum caso. De acordo com as últimas informações da Procuradoria-Geral da República, em fevereiro tinham sido já abertos 33 inquéritos por suspeita vacinação indevida, entre os quais o do responsável da delegação Norte do INEM que autorizou a vacinação de funcionários de uma pastelaria, sendo que o mesmo foi depois afastado do cargo. Também o primeiro coordenador da task-force de vacinação, Francisco Ramos, renunciou ao cargo após tomar conhecimento de vacinações à margem dos grupos prioritários no Hospital da Cruz Vermelha, que dirige. A investigação dos vários casos passou entretanto para as mãos da Polícia Judiciária, que concentrou as investigações.

“Exemplarmente punidos” A 11 de fevereiro, numa declaração ao país feita a partir do Palácio de Belém, o Presidente da República afirmou que “os responsáveis pelos favoritismos no desvio de vacinas” seriam “exemplarmente punidos”.

Uma das pessoas que gerou polémica nos comentários que proferiu foi a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros. Depois de, no início de fevereiro, se ter tornado público o caso da presidente da Câmara Municipal de Portimão, Isilda Gomes, que foi vacinada por ser voluntária num hospital de campanha, ter 69 anos, ser “obesa e hipertensa”, Ana Rita Cavaco teve uma reação que fez correr tinta. A Bastonária fez uma publicação na sua rede social Facebook em que chamou “gorda fura filas” à autarca, tendo depois sido apresentada um queixa por 18 enfermeiros à Ordem, que já foi, no entanto arquivada.

As “doses extra” lá fora As suspeitas de vacinação indevida não têm sido uma situação exclusiva de Portugal. Lá fora os casos repetem-se, sendo que a justificação mais utilizada é de que existem doses extra que, caso não fossem utilizadas, acabariam por se estragar.

Na Áustria, foi o presidente da Câmara de Feldkirch que tomou a primeira dose da vacina que estava a ser distribuída aos residentes de um lar de idosos. Wolfgang Matt explicou ao The Guardian que se pôs na fila para ser vacinado, caso tivessem sobrado doses, fazendo uma comparação ambiciosa: “Também não deitaria fora pão duro, usá-lo-ia antes para fazer torradas”. Por cá, vários partidos avançaram com projetos lei que pretendiam criminalizar a toma indevida das vacinas, no entanto o Governo esclareceu que já existe um enquadramento criminal. “O parecer que nós temos dos serviços jurídicos do Conselho de Ministros é que a generalidade das práticas que têm sido noticiadas já é abrangida por tipos criminais atualmente existentes de acordo com a legislação em vigor”, avançou o Primeiro-Ministro, António Costa. Por estarem em causa crimes de abuso de poder, recebimento indevido de vantagem e prevaricação, as práticas de vacinação indevida podem implicar entre dois a cinco anos de prisão para quem passou à frente nas filas.