Português para idiotas?

A meio fiquei mais descansado. Quem tenta mudar a frase “os grevistas reuniram com a administração da empresa” para algo do tipo “a população de pessoas que trabalha reuniu com a população em cargos de gestão da pessoa coletiva de agregação de vontades económicas” nunca chegará a lado nenhum.

por Pedro Antunes

O politicamente correto. A ideia em si parece inócua, cheia de boa vontade e de positivismo.

A realidade do politicamente correto nunca podia dar certo. Pressupõe um falso direito. Pressupõe que temos o direito a não nos sentirmos ofendidos. Logo cedo deu para perceber que não ia funcionar, nos tempos da linguagem mais polida em que começámos a trocar palavras com sentido, por palavras inexistentes que pareciam menos agressivas. Por exemplo trocar “mentira” por “inverdade”. Que forma mais obtusa de tentar esconder o sentido de uma afirmação. A realidade é que um mentiroso é um mentiroso e diz mentiras. Se eu digo que fulano X disse uma “inverdade”, eu estou a chamar-lhe mentiroso. Qual é o sentido de falar em “inverdade”? Poupar-lhe os sentimentos? Para quê?

Mais recentemente, nos Estado Unidos, começou um debate sobre linguagem inclusiva. No meio de discussões sérias e produtivas sobre feminismo, racismo e direitos gay, começaram a surgir uma série de desvios e de ideias estapafúrdias. Para que fique claro: há muito ainda a ser feito para evitar o tratamento injusto com base no sexo, raça e orientação sexual. Para que fique também bem claro: o que hoje se discute já não tem nada a ver com isto. Entre problemas reais, que eram discutidos por pessoas sérias e que procuravam seriamente soluções para estes problemas, começaram a surgir pseudo-especialistas que em tudo viam uma camada de falsos temas.

Foi no decorrer destas pseudo-discussões, sobre falsos temas, que se começou a sedimentar, de forma generalizada na população, a ideia de que temos o direito a não nos sentirmos ofendidos… e daí foi só um passinho até termos uns quantos a achar que devemos começar a controlar a linguagem por cá também.

Admito; quando ouvi falar no manual de linguagem do CES ri-me. Achei que a ideia era tão absurda que só podia ser uma deturpação do que realmente se estava a passar. Houve, no entanto, um programa de televisão que agarrou a minha atenção. O tópico era o conceito de linguagem inclusiva. Ouvi com atenção os primeiros 5 minutos antes de me cair a ficha… Aquela gente estava mesmo a falar deste tópico com seriedade.

A meio fiquei mais descansado. Quem tenta mudar a frase “os grevistas reuniram com a administração da empresa” para algo do tipo “a população de pessoas que trabalha reuniu com a população em cargos de gestão da pessoa coletiva de agregação de vontades económicas” nunca chegará a lado nenhum.

Isto tem zero efeito prático na vida das pessoas exceto tornar mais difícil comunicar. Querem reverter-nos ao Australopithecus, ao humano pré-linguagem, ou a um pós-humanismo da Insig (1984).

E por isso não li, não vou ler, não vou utilizar, nenhum manual de linguagem estupidificada criada por luminárias de escritório com zero capacidade de encaixe. Terei pouca consideração por quem passar a falar na “população idosa”, em vez de “idosos”. Se algum pivot, jornalista ou político usar a expressão “população sem útero”, ou outra inanidade equivalente, deixará de ter acesso à minha atenção.

Isto já não é “português para idiotas”, é “português por idiotas”.