De Moedas a Medina

Carlos Moedas apresentou-se como candidato à Câmara de Lisboa mas não apresentou uma única ideia que o distinguisse do atual presidente. Ficámos sem saber o que o fez candidatar-se.

O anúncio da candidatura de Carlos Moedas à Câmara de Lisboa suscitou grandes elogios à direita e mesmo ao centro. «Afinal, Fernando Medina vai ter um adversário à altura», «Com Moedas, as eleições em Lisboa passam a ter um resultado incerto», etc.

Confesso ter simpatia pelos políticos que não nasceram nos viveiros partidários. Estes, com muita frequência, não têm grande experiência da vida e adquirem vícios pouco saudáveis. Vivem da política, para a política. Não sabem o que é ter um emprego ou gerir uma empresa. Todos conhecemos políticos que, sem qualquer experiência de gestão, passaram de um dia para o outro a presidir a uma Câmara, a um Ministério ou mesmo ao Governo – tomando decisões que envolvem dezenas, centenas ou milhares de milhões. Também por isso, se gasta muito dinheiro sem qualquer proveito.

Em todas atividades, exige-se experiência e currículo. Na política, pode chegar-se a chefe do Governo sem experiência anterior de gestão e com um currículo feito essencialmente no partido onde se milita. É muito curto.

O facto de Carlos Moedas só ter entrado na política aos 41 anos levou-me, pois, a ter simpatia por ele. Além disso, fala com alguma humildade, sem espalhafato, com moderação.

Mas há coisas que me afastaram dele. Recordo que, quando foi vetada a vinda de Marine Le Pen a Portugal, no âmbito da Web Summit, escreveu um texto a aplaudir a decisão. Ora, isso seria compreensível num censor e não num homem supostamente aberto.

Houve outra coisa que estranhei: quando era comissário europeu, aparecia frequentemente atrás de António Costa, em visitas aqui e ali. Ora, sendo certo que não acompanhava com o mesmo zelo todos os primeiros-ministros dos países da União Europeia, esse afã só era compreensível no quadro de uma ambição política futura.

Assim, se é verdade que Moedas não se interessou pela política até aos 41 anos, não é menos verdade que a partir daí a política passou a atraí-lo – e muito. Foi secretário de Estado durante três anos, comissário europeu durante cinco, e, depois de uma passagem pela Gulbenkian como administrador, sentiu o apelo de regressar ao palco político.

Outro aspeto de Carlos Moedas que não é muito estimulante é a sua obediência ao politicamente correto. O politicamente correto é a maior ameaça que paira sobre o Ocidente. Tende a gerar um pensamento único que reprime o que é diferente. Tende a matar a irreverência, a criatividade, o debate – ao mesmo tempo que impõe um revisionismo ao nível da História, dos costumes e da própria linguagem que roça o absurdo. Ora, Carlos Moedas é uma encarnação do politicamente correto: certinho, sem levantar a voz, dirige-se ‘aos portugueses e às portuguesas’ mantendo-se sempre dentro dos carris, não dizendo nada que ofenda o mainstream.

Falta-lhe rasgo, capacidade de rutura, audácia para pensar fora da caixa, talento para desafiar as ideias feitas.

É significativo que, ao anunciar a candidatura à CML, não tenha apresentado uma única ideia que a justificasse. Que o distinguisse do atual presidente. Não seria normal que, antes de se candidatar, tivesse pensado nalguma coisa de novo que pudesse dar à cidade? Uma ideia, uma perspetiva, uma obra emblemática?

Mas não. Moedas limitou-se a dizer que quer «uma cidade para as pessoas» e «uma capital cosmopolita». Mas o que é uma cidade para as pessoas? É uma cidade para os seus residentes? E não será isso contraditório com uma cidade cosmopolita? Todos sabemos que, quanto mais cosmopolita é uma cidade, mais os seus habitantes se sentem estranhos nela, quase intrusos. Basta olhar para Paris, Londres, Nova Iorque, Roma, Madrid ou Barcelona e ver como os residentes já deitam os estrangeiros pelos olhos e dizem não querer mais turistas. Aliás, em Lisboa já se começava a verificar esse fenómeno.

A verdade é que, antes da pandemia, Lisboa estava a tornar-se rapidamente uma cidade cosmopolita – com turistas de todo o mundo, com emigrantes de todo o mundo, com estudantes vindos de vários pontos do mundo. Também não será por aí que Moedas se distinguirá de Medina.

Tudo somado, não vejo como Carlos Moedas possa tirar a Câmara ao atual proprietário do cargo. Este, não sendo exuberante, parece-me ter mais rasgo, mais determinação – e, convenhamos, em vários aspetos não tem feito mau trabalho.

A renovação de certas zonas da cidade é uma realidade. A zona do Terreiro do Paço ao Cais do Sodré, incluindo a Ribeira das Naus, mudou para muito melhor. A zona do Intendente, idem. A zona do Saldanha e da Avenida da República, idem aspas. E há ainda a reabilitação de prédios velhos na Baixa de Lisboa – embora esse processo tenha sido iniciado por Pedro Santana Lopes e beneficiado grandemente da Lei das Rendas, de Assunção Cristas.

É certo que há aspetos em que discordo frontalmente de Medina, embora aí ele se limite a seguir a moda. Por exemplo, no afastamento dos carros do centro de Lisboa e na construção de ciclovias a eito, estreitando as ruas e arrancando árvores. São dois erros, como o futuro mostrará.

Os americanos dizem «No cars, no business». Com o progressivo afastamento dos carros da Baixa, os lisboetas deixarão de lá ir às compras. E os turistas, que ultimamente estavam a aguentar o comércio, demorarão tempo a regressar em força.

Quanto às ciclovias, tentarei provar em próximo artigo que, numa cidade como Lisboa, o modo como estão a ser implantadas não faz o menor sentido.