Brasileiros vivem horas de terror em Amesterdão

Retidos em Portugal, João Cláudio e Fabiana fizeram escala em Amesterdão para regressarem ao Brasil por meio de uma rota alternativa. Mesmo estando em processo de legalização no SEF, foram proibidos de regressar à Europa nos próximos três anos.

João Cláudio Baroni Revelles, de 54 anos, e a sua esposa Fabiana dos Santos, de 40, são dois dos muitos brasileiros que se encontravam retidos em Portugal. Optaram por fazer escala em Amesterdão, na Holanda, para regressarem ao Rio de Janeiro, viajando por uma das chamadas rotas alternativas. 

Com as vidas interrompidas – tal como a brasileira que contou ao Jornal do Brasil, na quinta-feira, que havia sido obrigada a trabalhar num lar ilegal, em Odivelas, apesar de ter contraído a covid, e cuja história tinha sido noticiada pelo jornal i no passado dia 8 de março –, a decisão dos imigrantes surgiu na sequência do anúncio de que o Governo português prolongou as restrições de tráfego aéreo até ao próximo dia 31 de março e suspendeu todos os voos, comerciais ou privados, dos aeroportos ou aeródromos de Portugal continental, com origem ou destino no Brasil e no Reino Unido. 

Em dezembro de 2020, tinham adquirido passagens para o dia 15 de março e estas foram adiadas para dia 18. Com o voo marcado para o dia 5 de abril, a família ajudou-os a comprar duas passagens pela KLM, por cerca de 700 euros.
«No dia da viagem, houve pessoas que me disseram que Amesterdão era perigoso, mas outras não tiveram quaisquer problemas. Estava tudo organizado. A KLM envia SMS para a gente. No dia do voo, na passada quarta-feira, saímos diretos para lá e começou a nossa tortura», elucida João Cláudio.

Um percurso atribulado
«Chegámos a Portugal em 2019 em busca de trabalho. O artigo 88 permite que qualquer imigrante vá para Portugal, trabalhe e, mediante um contrato, dê entrada no SEF e apresente a sua manifestação de interesse» conta o imigrante.
«A minha esposa saiu do Brasil com contrato na área da medicina dentária e, logo depois, eu consegui um contrato como mecânico de automóveis», narra, lembrando que foram até Santarém, de comboio, até ao SEF para conseguirem apresentar «a documentação toda certinha». 

«Com o início da pandemia, mandaram a minha esposa para casa e eu perdi meu trabalho», lamenta o profissional. «Por isso, a gente veio para Lisboa. Tínhamos saudade dos familiares e sabíamos que não havia mais jeito de ficar aqui», acrescenta.

Percebendo que não conseguiriam permanecer no país por mais tempo, e não obtendo nenhuma resposta por parte da Azul Linhas Aéreas, adquiriram os voos através da KLM, como foi anteriormente mencionado, e apressaram-se a proceder ao cancelamento da marcação que Fabiana tinha no SEF, para o próximo dia 7 de abril, assim como da manifestação de interesse de João Cláudio. 

Um pesadelo na Holanda
Tudo correu como esperavam até chegarem ao aeroporto de Amesterdão. «Pegaram o passaporte da minha esposa e perguntaram pelo título de residência. Eu disse que não temos, mas eu não falo holandês nem sequer inglês», constata o brasileiro, recordando que apareceram polícias dos serviços de estrangeiros e fronteiras que questionaram o casal acerca da inexistência de uma autorização de residência temporária tendo em conta que tinham estado em território lusitano durante dois anos.

«Não temos culpa de que o SEF demore dois ou três anos para dar a autorização de residência. Chegámos pelas 18h da hora local e ficámos lá até às 2h50 a sermos massacrados», revela com a revolta explícita no tom de voz.
«Até acredito que nos tenham ameaçado porque percebo algumas palavras de alemão e o holandês tem pontos semelhantes. Fomos tratados como bandidos», salienta, confessando que, durante quase nove horas, não tiveram a oportunidade de beber água, comer ou ir à casa de banho mais próxima, caminhando longos minutos até uma que se encontrava longe dos serviços de imigração.

«Tirámos fotos, demos as nossas impressões digitais, pediram-nos os documentos três vezes devido à mudança de turnos. Contactaram tradutores, mas um deles mal sabia falar português. Até tive de juntar cadeiras para a minha esposa se deitar, ela estava estafada e eu fiquei segurando o barco», confessa o homem. «Ficámos à espera que saísse um documento de seis páginas e só traduziram a primeira. Mas percebemos logo que não seríamos mais bem-vindos à Europa Eu me segurei para não falar alguma coisa que não nos prejudicasse perante os policiais que são xenófobos e arrogantes», diz.

No documento ao qual o Nascer do SOL teve acesso, é possível ler «Proibição de entrada. Em nome do secretário de Estado para a Segurança e Justiça, foi-lhe imposta uma proibição de entrada europeia. Salvo disposição em contrário, terá de sair dos Países Baixos imediatamente e por iniciativa própria», sendo estes parágrafos seguidos pela informação: «A proibição de entrada implica que durante o prazo mencionado na decisão», neste caso, três anos, «não poderá permanecer legalmente nos Países Baixos, noutros países da União Europeia, no Espaço Económico Europeu e na Suíça».

Acusação de assédio sexual
«Foi cansativo e humilhante. Na hora que o policial foi tirar minha foto, disse ‘You’re beautiful’. Não podia falar nada», desabafa Fabiana, evocando que um tradutor que entrou na sala ajudou-a a compreender melhor as questões que os polícias lhe colocavam.

«Perguntaram se eu tinha medo de falar para o Brasil e eu disse que só queria ir embora. Depois questionaram se tomo algum medicamento e eu expliquei que só tomo para a pressão alta, mas insistiram e quiseram saber se o fazia todos os dias», assegura a mulher, adiantando que voltaram a tentar entender que razões motivavam a sua saída de Portugal e garantiu que não tinha dinheiro para viver no país. 

«Questionaram ela numa sala e eu noutra para cruzarem as informações. Não são bobos», reconhece João Cláudio, asseverando que a companheira «foi assediada» e prometendo que tentará fazer justiça assim que estiverem preparados psicológica e fisicamente.

Quem esteve em contacto permanente com os imigrantes e conversou com alguns membros do serviço de imigração e com outros do consulado do Brasil em Amesterdão foi a jornalista brasileira Roberta A., associada da ABRAJI – Associação Brasileira de Jornalismo de Investigação – e da IFJ – International Federation of Journalists.

«O Brasil deveria comunicar-se com os outros países e não criar empecilhos para aqueles que pretendem retornar aos seus lares», declara, não deixando de afirmar que «parte disso tem a ver com a péssima e desastrosa administração do ministro de Relações Exteriores o Sr. Ernesto de Araújo que não deveria ter ignorado a situação e tomado atitudes antes de chegarmos a este ponto».

Na ótica da profissional, o dirigente «deveria ter acionado de imediato o consulado e embaixada brasileiras em Portugal para dar assistência àqueles que necessitam, além de ter articulado medidas de ajuda com outros países da UE». Para Roberta A., «aquilo que vemos hoje é reflexo de um total abandono e indiferença por parte do Ministério que, ao não fazer absolutamente nada, criou mais problemas», sendo que a maioria dos brasileiros retidos em Portugal «está desamparada, em pânico total, sem recursos e faz de tudo à espera dos próximos voos ofertados pela Azul e Latam», que marcou voos para terça-feira, quinta-feira e este sábado, «enquanto o Governo Português não dá uma posição sobre os próximos voos da TAP».

«Que o ministro Ernesto de Araújo e toda sua equipe de gabinete, sejam responsabilizados por tudo que causaram e veem causando. Que soluções imediatas surjam! Não dá mais! Todos pedem socorro. De ambos os lados do atlântico!», pede a jornalista.

«Nunca passei por algo assim. Já saímos desta situação constrangedora e posso dizer que sobrevivemos a isto. Não dão valor aos imigrantes», constata Fabiana, enquanto, a seu lado, João Cláudio critica o avião que voou quase vazio. «Cabiam mais de 300 pessoas, mas nem 50 estavam lá. Com tantos brasileiros desesperados e passando situações como a nossa, há aviões quase vazios a voarem», frisa.

«Nunca tive problemas com a polícia nem a minha esposa em mais de cinquenta anos de vida. Até lhe pedi perdão por termos passado por esta situação porque eu é que fiz pé firme para irmos para Portugal», conclui.