A máscara

Há poucos dias uma cançonetista da nossa praça, conhecida sobretudo por agredir os nossos ouvidos através da interpretação de um tipo de música, muito merecidamente, baptizada de pimba, resolveu fazer uma caminhada numa ciclovia, praticamente deserta de peões, enquanto se filmava para uma rede social, permitindo, assim, que os seus fãs, seja lá o isso…

A determinado momento, apercebendo-se de uma outra caminhante que igualmente se dedicava à prática de exercício físico, mas, com toda a lógica, sem exibir uma máscara a dificultar-lhe a respiração, resolveu despir a farda de cantora pimba e vestiu a de uma agente de autoridade, sem que para esse efeito estivesse devidamente habilitada.

De forma autoritária repreendeu a senhora que, por acaso, não se encontrava a infringir qualquer regra legal, instando-a a colocar a máscara, sob o argumento de que estaria a pôr em perigo a sua saúde. Não contente, deu-se ao luxo de filmar a outra, violando, desse modo, o direito que lhe assiste à preservação da imagem.

Deste episódio resultou uma suposta tentativa de agressão na pessoa da falsa polícia, acto esse que, ao invés do que a presumível vítima alega, não ficou provado através das imagens por ela própria recolhidas.

Será de toda a conveniência, até para evitar situações análogas, em que a integridade física possa ser posta em causa, que os auto-proclamados guardiões da política sanitária em curso se instruam sobre a base legal que regula as medidas em vigor abrangidas pelo estado de emergência, antes de se armarem em zeladores da saúde pública.

Ao contrário da mensagem de que muitos procuram fazer passar, em particular quase toda a imprensa, que teima em induzir em erro os portugueses, a obrigatoriedade de usar a máscara em espaços públicos não é imperativa em todas as circunstâncias, mas sim, apenas e só, quando não seja possível manter-se uma distância de segurança em relação a terceiros.

Na verdade, o nº1 do artº3º da Lei nº62-A/2020, que estabelece a imposição transitória da obrigatoriedade de uso de máscara em espaços públicos, tem a seguinte redacção:

 “É obrigatório o uso de máscara por pessoas com idade a partir dos 10 anos para o acesso, circulação ou permanência nos espaços e vias públicas sempre que o distanciamento físico recomendado pelas autoridades de saúde se mostre impraticável.”

Não é proibido andar sem máscara na via pública. Ponto final!

Deliberadamente tem-se procurado enganar os portugueses, levando-os a crer que sempre que põem um pé na rua têm que tapar a cara.

E os jornaleiros de serviço, que inundam os principais órgãos de comunicação social, por ignorância ou por má-fé têm sido os primeiros responsáveis pelo propagandear desta mentira, difundindo a toda a hora a obrigação de se usar sempre máscara e apontando o dedo aos que transgridem nesta falsa norma, através da mostragem de filmagens em que os hipotéticos prevaricadores são apanhados em flagrante delito.

Como consequência desta manobra de dissimulação, parte considerável dos agentes de autoridade incumbidos de garantir o cumprimento das regras higiénicas têm provado desconhecer o disposto na Lei, autuando sem qualquer justificação transeuntes por não fazerem uso da máscara, quando para tal não são legalmente obrigados.

Caminhamos a passos largos para um estado policial, típico dos regimes ditatoriais, em que o livre arbítrio de um simples polícia se sobrepõe ao exercício de liberdade reconhecido constitucionalmente a todos os cidadãos.

Este constante atentado à liberdade é fruto da irresponsabilidade de quem nos governa, patente numa Lei em que não são definidos, com clareza, os preceitos que se pretendem alcançar.

Deixar-se ao critério dos elementos das forças de segurança qual o distanciamento físico que se mostre impraticável, sem que este seja objectivamente aclarado, conduz, obviamente, a dualidade de raciocínios e, consequentemente, a abusos de quem insiste em se revelar mais papista do que o papa!

Uma lei desta natureza nunca deveria ter um carácter de obrigatoriedade, não somente por não acautelar uma justa aplicação, mas também por dar azo ao aparecimento de sinistras figuras, tão em voga nos regimes que se caracterizam pela supressão das liberdades: os bufos.

O estado de excepção a que temos sido condenados trouxe à tona esse tipo de gente execrável, a que os piores ditadores recorrem para reprimir quem deles discorde, sempre pronta para denunciar um vizinho, um amigo ou mesmo um familiar.

Tal como nos regimes repressivos, destacam-se duas espécies de bufos: os que actuam a coberto do anonimato e os que não têm pejo em dar a cara.

Há dias, numa zona de Carcavelos, um anónimo telefonou para a esquadra policial a delatar um seu vizinho, proprietário de uma pastelaria, por este estar a vender um café a um seu cliente.

Bufos deste calibre têm-se revelado nos últimos tempos, continuamente apostados em levar ao conhecimento das autoridades qualquer acto que identifiquem como ilícito, comportando-se como verdadeiras criancinhas, normalmente lestas a fazerem queixinhas umas das outras.

Mas os piores bufos são mesmo aqueles que não se limitam a denunciar o seu próximo, procurando ainda substituir-se às forças da ordem, como fez esta moçoila viciada em música pimba, tirando partido de uma autoridade para a qual não estão mandatados.

Basta passearmos numa rua qualquer, mais ou menos movimentada, para nos cruzarmos com estes falsos polícias, empinados em controladores dos costumes e esforçados em reprimir comportamentos que considerem violadores da nova ordem instituída.

A máscara tornou-se numa desculpa para que criaturas sem escrúpulos, que numa sociedade coesa e digna jamais alcançariam qualquer tipo de protagonismo, possam evidenciar-se e obterem o reconhecimento de quem delas depende para continuarem a espezinhar os mais elementares direitos que a todos nos assiste.

Diariamente, a pretexto da pandemia que nos aflige, presenciamos acontecimentos que nos levam a concluir que o estado de direito não passa, hoje, de letra morta.

Na Lousã, muito recentemente, dois jovens foram multados pela autoridade policial por estarem a comer junto a um estabelecimento comercial.

E o que é que esses perigosos delinquentes se encontravam a degustar? Gomas!

Admirem-se pois, os nossos governantes, de que, progressivamente, as medidas que nos têm imposto comecem a cair no descrédito total e o incumprimento destas se torne banal.

Em vez da pedagogia, aposta-se na repressão!

É assim que as ditaduras nascem!

Pedro Ochôa