Vítima para cuidar e vítimas!

Não quero desculpar o tremendo problema com que a Igreja no seu todo tem de enfrentar para equilibrar os afetos do clero e para que haja uma prevenção maior para que casos destes não se voltem a repetir. O problema, mais uma vez o digo, não está tanto na forma como lidamos com estas situações,…

Juan Carlos Cruz, vítima chilena de abuso sexual do clero, foi nomeado pelo Papa Francisco como membro da Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores liderada pelo Cardeal de Boston, Sean O’Malley.

É com esperança que vejo a nomeação deste homem para membro deste dicastério específico por várias razões. Juan Carlos foi abusado sexualmente por um padre chileno e que, ao longo dos anos, tem procurado denunciar a forma como a Igreja lida com esta situação.

Não posso negar que o problema dos abusos é demais complexa para se poder tratar numa pequena crónica tão pequena como é esta. Sabemos que não é um fenómeno dos dias de hoje e não é exclusivo do clero. Sabemos, ainda, que casar os padres não vem solucionar o problema do abuso sexual.

Na Alemanha, ao mesmo tempo, na diocese de Colónia, apresentaram um outro relatório que mostra a realidade dos últimos cinquenta anos. Conforme o relatório, foram identificadas cerca de trezentas vítimas abusadas por duas centenas de padres. São números pouco abonatórios, mas que devemos, também, enquadrar na sociedade como um todo. Para percebermos, em 2020, as autoridades alemãs tinham em mãos uma investigação de mais de trinta mil pedófilos numa região germânica.

Não quero desculpar o tremendo problema com que a Igreja no seu todo tem de enfrentar para equilibrar os afetos do clero e para que haja uma prevenção maior para que casos destes não se voltem a repetir. O problema, mais uma vez o digo, não está tanto na forma como lidamos com estas situações, mas na formação da fé e na formação psicoafetiva que desenvolvemos no clero. Esta é, na realidade, a única forma de prevenção para o futuro. O que é que a Igreja tem desenvolvido neste capítulo?

A nomeação de Juan Carlos Cruz para a Comissão de Proteção de Menores enche-me de esperança por várias razões que devo mesmo enumerar, porque este homem pode ser a chave para resolver alguns dos problemas da Igreja a este nível.

Em primeiro lugar, Juan Carlos sofreu na sua pele o abuso sexual por parte do clero. Ele compreende, perfeitamente, as feridas que muitos homens e mulheres sofreram de abusos sexuais na infância. É verdade que a mesma comissão teve já duas vítimas como membros e que se retiraram. Se isso acontecer com Juan Carlos, é pena! Será sempre mais fácil afastarmo-nos do que reformarmos!

Em segundo lugar, Juan Carlos Cruz é formado em jornalismo e é consultor em comunicação nos Estados Unidos da América. Ele consegue compreender o impacto que a comunicação tem numa instituição e como a ausência de comunicação ou a ausência de estratégia de comunicação pode destruir a imagem dessa mesma instituição.

É evidente que a Igreja, que está debaixo de fogo há vinte anos, não tem, hoje, a menor dúvida de que a transparência diante da opinião pública e diante das vítimas é o único caminho a seguir.

É evidente que hoje queremos todos saber a verdade do nosso passado e queremos curar as feridas abertas no coração de tantos homens e mulheres.

O problema é que temos uma visão muito unitária desta questão e não lidamos com ela como um problema global que tem de ser enfrentado globalmente. A Igreja, desde há muito, deveria encomendar e publicar um relatório com toda a informação possível sobre estes casos.

O facto de se ir encomendados estudos por dioceses ou por países ou por congregações faz com que todos os dias apareçam novas informações. É uma agonia para todos! Para as vítimas e para nós que fazemos parte deste corpo que é a Igreja.

Se nos comprometêssemos a mostrar num só dia toda a informação disponível, iríamos sofrer muito, mas o impacto seria muito menor do que aquele que estamos a ter. Há vinte anos que sofremos com o impacto das notícias e isso tem de acabar um dia.

Acredito que Juan Carlos Cruz tem as competências para ajudar a Igreja a enfrentar este problema de uma maneira completamente nova!