As adoráveis ciclovias

Numa cidade com as características de Lisboa, reduzir faixas de rodagem e arrancar árvores para fazer ciclovias é um enorme disparate.

Fernando Medina, o presidente da Câmara de Lisboa, resolveu encher a cidade de ciclovias. Uma medida higiénica, amiga do ambiente, apelando ao exercício físico, politicamente correta. E a maioria, com receio de ser apelidada de retrógrada, reacionária ou mesmo fascista, não teve coragem para contestar.

Em certos locais da cidade arrancaram-se árvores para construir ciclovias, tornando certos locais outrora agradáveis num deserto. Nalgumas ruas e avenidas suprimiu-se uma faixa de rodagem para construir ciclovias, provocando enormes transtornos no trânsito automóvel. Mas enfim: era tudo em nome da modernidade e do progresso. Esperava-se que rapidamente as novas ciclovias se enchessem de ciclistas, calando os críticos e mostrando-lhes a ‘visão’ que presidira à construção daqueles trajetos. Mas nada. Na maior parte das ciclovias passa um ciclista quando o rei faz anos. O dinheiro gasto, as árvores arrancadas, a redução das faixas de rodagem, tudo aquilo não serviu para nada.

Dir-se-á: ‘Não serviu mas vai servir! A oferta estimula a procura. Quanto mais ciclovias houver, mais ciclistas aparecerão’. Mas não é sempre assim. O mesmo diziam os defensores do aeroporto de Beja – e ele ali está às moscas, qual elefante branco. O mesmo dizia José Sócrates quando mandou construir autoestradas redundantes – e elas ali estão à espera de clientes.

Argumentam ainda os defensores de Medina: ‘Mas na Europa e em muitos outros locais do mundo as pessoas circulam de bicicleta nas cidades’. Eu sei. O meu pai viveu em Amesterdão e muita gente andava de bicicleta. Ele próprio comprou uma e ia para a universidade de bicicleta. Mas Amesterdão é uma cidade plana, concentrada, com avenidas largas, onde andar de bicicleta era fácil – e Lisboa é uma cidade de altos e baixos, subidas e descidas, vielas, pavimentos irregulares, onde andar de bicicleta é difícil e perigoso.

Há muitos sítios onde o pavimento das ruas é de paralelepípedo, ou seja, de blocos de granito ou basalto, que provocam muita trepidação e com a chuva se tornam escorregadios. E há os carris dos elétricos. Um jornalista deste jornal, que se fez adepto da bicicleta, meteu a roda num carril, caiu, partiu uma perna e esteve atrapalhado.

‘Mas é para isso mesmo que se constroem as ciclovias!’ – contra-argumentarão os defensores da ideia. ‘Para os ciclistas terem sítios seguros por onde andar!’. Sucede que há muitíssimos locais de Lisboa onde é simplesmente impossível construí-las. E assim, as ciclovias não são contínuas, são intermitentes, ali há um troço, depois interrompe, mais adiante há outro troço e outra interrupção – e a circulação torna-se um inferno. E um perigo.

Arrisco-me, pois, a dizer que estimular o uso da bicicleta em Lisboa é uma irresponsabilidade.

Aliás, pergunto: por que razão os lisboetas nunca usaram muito a bicicleta como meio de transporte? Já se pensou nisso? Será porque os portugueses são idiossincraticamente retrógrados? Ou porque Salazar não estimulava esse hábito, por ser um conservador? Mas então como explicar que em certas cidades e vilas do Ribatejo e do Oeste, por exemplo, a bicicleta seja tão popular? Se fosse um ‘defeito’ dos portugueses ou uma herança do passado, também nessas localidades a bicicleta seria pouco utilizada. Mais: em várias dessas cidades há mesmo equipas de ciclismo. O que mostra que, quando as condições naturais existem, os portugueses aderem à bicicleta, não precisando sequer das ciclovias para o fazerem; na capital nunca aderiram porque as condições são totalmente desfavoráveis.

Em conclusão, as bicicletas não fazem qualquer sentido em Lisboa e os sacrifícios que andam a fazer-se para meter ciclovias a martelo revelar-se-ão inúteis. É um caso típico em que os direitos da esmagadora maioria da população (que anda de carro, de transportes públicos ou a pé) são sacrificados em prol de uma ínfima minoria que usa a bicicleta.

Na cidade de Lisboa, que é esticada ao longo do rio e não concentrada como Amesterdão ou outras cidades planas, só há verdadeiramente uma zona onde faz sentido andar de bicicleta: a zona ribeirinha. Aí, sim. Aí os presidentes das câmaras de Lisboa, Oeiras e Cascais podiam juntar-se para construir uma ciclovia que fosse da zona do Beato a Cascais, num troço contínuo, sem interrupções, junto ao Tejo.

Isso seria um grande benefício. Quem quisesse, metia as bicicletas no carro, parava à beira-mar e fazia o seu passeio de bicicleta em segurança, com ar puro (em vez de respirar os escapes dos carros) e com uma vista agradável. Mas é aí precisamente que quase não há ciclovias – vendo-se muitos ciclistas a circular na Marginal, no meio dos carros, arriscando a vida e atrapalhando o trânsito.

Hoje há muitos presidentes de Câmara que buscam a todo o transe ser ‘modernos’, seguindo caninamente a moda e copiando o que outros, supostamente mais ‘à frente’, fazem. Mas isso é um erro. Em cada região, em cada cidade, há que ter em conta as circunstâncias específicas, estudá-las e depois ter a imaginação suficiente para fazer as melhores opções. Nem tudo fica bem em qualquer lado.

Já elogiei Fernando Medina. Mas nesta história das ciclovias está a fazer um enorme disparate.