Cabo Delgado. Guerra sem fim

Nyusi tentou minimizar a carnificina em Palma, vista como total falhanço das autoridades. Pede-se cada vez mais apoio internacional.

Com Palma tornada vila fantasma, com uma maré humana em fuga da região, desesperada, quem escutar o Presidente Filipe Nyusi poderia pensar que não se trata de nada demais. A ofensiva jiadista contra a vila, a uns 25km das explorações de petrolíferas como a Total, foi vista pelo mundo fora como falhanço colossal dos militares moçambicanos, e multiplicam-se os apelos a ajuda militar estrangeira. No entanto, afinal, este ataque «não foi o maior que tantos outros que tivemos», garantiu Nyusi. «Mas tem esse impacto de ter sido na periferia dos projetos em curso naquela província», admitiu, sexta-feira, numa rara conferência de imprensa sobre a guerra em Cabo Delgado, após duras críticas da oposição ao seu silêncio. 

Por mais que Nyusi o negue, não há grandes dúvidas que a carnificina em Palma demonstrou uma crescente sofisticação operacional dos jiadistas – e um enorme fragilidade na capacidade do Estado. «As forças governamentais enviaram vários contingentes para o terreno, mas notamos que os insurgentes parecem ter acesso a informação privilegiada», alertou Ivone Soares, antiga líder parlamentar da Renamo, o maior partido da oposição, ao Nascer do SOL. «E, no entanto, têm-se monitorizado e feito reconhecimento das posições dos insurgentes, utilizando meios aéreos».

De facto, parece que tudo falhou face à ofensiva dos insurgentes. Antes de atacarem Palma, caíram sobre a aldeia de Manguna, a semana passada, ao mesmo tempo que bloquearam a estrada em Pundanhar, impedindo reforços vindos de Mueda, garantindo que o contra-ataque dos militares sairia de Palma – a única outra estrada para Manguna passa por Mocimboa da Praia, tomada pelos jiadistas em agosto, e que se pensa ainda estar na sua posse. 

Quando os refugiados de Manguna, sem outro local para onde fugir, foram chegando a Palma, por volta das 16h, a vila abriu as suas portas. Palma está em estado de sítio há meses, sendo necessário uma espécie de salvo conduto para entrar, mas «com tiros no ar e gente em fuga, esses procedimentos são letra morta», explicou a Carta de Moçambique. Entre os refugiados, com armas escondidas nas mochilas, vinham também os jiadistas.

Lá dentro, a situação tornou-se ainda mais complicada – há relatos que jovens de Palma, que já se tinham amotinado dias antes, face à escassez de alimentos, se juntaram aos atacantes, contou Salvador Forquilha, diretor do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), a semana passada, ao Nascer do SOL. 

«Não faz sentido cair numa armadilha assim numa altura destas, em que nós já devíamos ter aprendido com as várias situações de conflito envolvendo guerrilha», exaspera-se Ivone Santos, referindo-se à longa guerra civil entre o partido governante, a Frelimo, e a Renamo, entre 1977 e 1992 – uma cisão da Renamo ainda continua a monte nas florestas da Gorongosa.

«Já devíamos saber como atuar quando há um ataque que pode ser uma forma de distração das forças de defesa e segurança, para o verdadeiro ataque acontecer noutro ponto», salienta. «Não se pode deixar um alvo fundamental à mercê da sorte». 

A dirigente da Renamo não vê alternativa que não aceitar ajuda militar, oferecida por países como Portugal, Brasil, França, EUA e África do Sul, ou como organizações como a União Africana ou a ONU. Maputo tem mostrado reticências a tal – ainda assim, já chegou ao país o brigadeiro-general Francisco Duarte, que irá liderar 60 militares portugueses, a dar formação a forças especiais moçambicanas, segundo a Lusa. 

Face às baixas de estrangeiros no ataque a Palma, «agora é que vão chegar os apoios internacionais todos, com muito menos condicionantes para o Governo», prevê Milissão Nuvunga, diretor executivo do Centro de Estudos de Democracia e Desenvolvimento, ao Nascer do SOL.

«Essa é a questão, até agora a comunidade internacional punha condições ao apoio, queria medidas inclusivas de governação, mudança no sistema. ONU, UE, todos tinham esse posicionamento. Por isso o Governo ficou só com a ajuda que podia receber sem condições, que eram conselheiros ou mercenários», explica. «O Governo conseguirá o que queria. Vai ter gente a lutar contra os jiadistas fora do contexto da governação». Já os problemas sociais que alimentam o conflito (ver texto ao lado) podem  ficar por resolver.