O novo aeroporto

Henrique Chaves não quer o aeroporto em Alcochete e não apresenta qualquer alternativa. O que aparenta unicamente querer é que nesta localização não possa ser construído…

por João Machado Lima
Geólogo de Engenharia,
Ex -Direção-geral da Aeronáutica Civil e Aeroportos e Navegação Aérea

Em artigo do passado 13 de março neste semanário Nascer do Sol, Henrique Chaves (HC), advogado e ex-ministro-adjunto de Santana Lopes, defende que a construção de um aeroporto em Alcochete é um erro, chegando a sublinhar que coloca-lo lá, «só se pode conceber num país de loucos e irresponsáveis».

Novamente, na edição de 27 de março deste semanário, Henrique Chaves, a propósito do abalo sísmico ocorrido a 18 do corrente mês, reafirma que colocar o aeroporto principal do país em Alcochete só se pode conceber num pais de loucos e irresponsáveis. 

Ora eu que, como muitos outros técnicos e entidades, tenho defendido essa localização, sentindo-me envolvido por estas palavras,  gostaria de o poder contrariar expressando as razões porque, mesmo após a ocorrência de 18 de março, mantenho esta preferência.

HC escreveu este artigo como resposta a outro do ex-primeiro-ministro José Sócrates, também saído neste semanário e intitulado O aeroporto de novo.

Contudo, HC pareceu querer aproveitar-se da eventual fragilidade deste, para impor a sua visão, fazendo mesmo anteceder os argumentos que utiliza, com tiradas aparentemente intimidatórias prosseguindo, depois de evocar a ética, com a reprovação da importância ou o eco que são dadas a José Sócrates quando escreve ou fala e que este «se tivesse politicamente vergonha, exilava-se calava-se e escondia-se […]» e por aí fora.

Eu posso estar de acordo quando diz que «ele conduziu o país à bancarrota e à troika» e até defendo que uma vez que a acusação que o Ministério Público lhe fez, está concluída há mais de meio ano, o processo não deve mais arrastar-se, ficando a aguardar a urgente decisão sobre a fase de julgamento.

Mas estas considerações sobre política económica ou a justiça que possa fazer, não as utilizaria para diminuir a argumentação de qualquer interlocutor.

Muito menos que se possa coartar o direito que todos temos de poder escrever ou falar.

Interessa sim, irmos só ao assunto aeroportuário:

No primeiro artigo de opinião que escreveu, Henrique Chaves:

1. Sobrevaloriza a oposição de um município (o de Benavente) a Alcochete, mas não explicita a oposição de dois (Seixal e Moita) ao Montijo.

2. Refere que «a zona enquadra-se na zona de maior risco sísmico do território continental», o que é verdade.

Esta zona particularmente a Sul de Portugal, abrange uma extensa área em toda a faixa costeira, desde as imediações de Leiria, ao Vale do Tejo e Península de Setúbal, continuando ao largo de Sines e acentuando-se em toda a costa Algarvia.

 Mesmo assim, o Aeroporto de Lisboa ou Faro e qualquer das localizações estudadas para o NAL (Rio Frio, Ota, Montijo), estão situadas nesta mesma zona de risco mais elevado.

3. Em seguida refere o grande aquífero existente sob Alcochete e a possibilidade da redução da sua recarga.

Esse sistema aquífero existe e, de acordo com o conhecimento atual, esta unidade hidrogeológica que se estende pela bacia do Tejo-Sado abrange Concelhos como Alenquer, Cartaxo, Golegã, Santarém, Torres Novas, V. Franca de Xira e V. Nova da Barquinha numa área superior a 1628 Km2.

Não é pois a área, mesmo de um grande aeroporto da ordem dos 36 km2, que terá significado assinalar, tanto mais que a sua alimentação, embora efetuada essencialmente pelas chuvas, também é feita pelos numerosos cursos de água  existentes em toda a bacia do Tejo-Sado.

A propósito, note-se a linguagem titubeante, imprecisa e quase contraditória, vertida na pág. 40 da DIA que citou: «… grandes impactos de moderada significância e magnitude elevada, não minimizáveis de forma significativa…».

4. Depois HC, olhou para as plantas do LNEC, constantes do EIA e diz que viu a maior concentração de pássaros situada a Norte do NAL em Alcochete e refere que o EIA aborda de forma negativa a probabilidade de ‘bird strike’ (choque com aves), o que é compreensível. Mas conhecerá que o impacto do sobrevoo a baixas altitudes da zona da Reserva Nacional do Tejo, na qual se situa a Base do Montijo, é potencialmente maior por destruidor do refúgio, nidificação e rotas migratórias das numerosíssimas colónias de aves ali existentes, que vão da Europa, desde a Escandinávia para África, e de África para a Europa e, como tal, com ‘bird srikes’ muito mais prováveis que em Alcochete?

5. Trespassa também no seu artigo inicial, a ideia de que o ex-primeiro-ministro era o grande defensor da solução Alcochete, mas há que relembrar que ele e o Governo que chefiava, particularmente através do seu ministro das Obras Públicas Transportes e Comunicações Mário Lino e Secretários de Estado, eram os acérrimos defensores da localização na margem Norte (OTA) e nunca na margem Sul em Alcochete (lembremo-nos do célebre  «Jamais…»).

Só no final do seu 2.º mandato é que face à forte contestação à OTA levada a cabo por reputados especialistas e o contributo de conceituadas entidades como a Sociedade Nacional de Geografia e o IST e que levou a que o Presidente Cavaco Silva tivesse pedido um debate aprofundado no Parlamento (o que veio a suceder), é que o antigo primeiro-ministro começou a evoluir na sua posição.

 Foram as conclusões dos estudos comparativos mais aprofundados que tiveram também a participação do LNEC e a elaboração da necessária Avaliação Ambiental Estratégica (curiosamente sempre recusada para o Montijo e só nas últimas semanas admitida pelo atual executivo, após a reprovação pela ANAC), que levaram a que o seu Governo, aprovasse a localização definitiva em Alcochete.

6. Na minha modesta opinião, considero que, neste caso, a atuação de José Sócrates, acabou por ser a correta, uma vez que passou a ouvir os técnicos especializados, mandou efetuar os estudos mais aprofundados e decidiu de acordo com as conclusões neles vertidas.

7.  HC não quer Alcochete e não apresenta qualquer alternativa. O que aparenta unicamente querer é que nesta localização não possa ser construído, pois como escreve «[…] a norte em Santo Estêvão, localizam-se cerca de 200 casas de habitação permanente e de fim de semana» e ele é presidente da Associação para a Defesa do Ambiente de Santo Estêvão.

Este associativismo é louvável e a razão que invoca é perfeitamente atendível, mas será que a Norte e a Sul da Base do Montijo, não existem povoações muito maiores com milhares e milhares de casas e que os autarcas que representam parte significativa destas populações não têm, de acordo com a legislação em vigor, uma palavra a dizer?