Porfia, Porfírio

Adivinhava-se o que sucedeu. A pandemia tem trazido sacrifícios extraordinários, tem motivado a crise nas empresas e a perda de empregos ou de condições mínimas de vida.

Apesar das iniciativas tomadas pelo Governo, há queixas crescentes e várias. Ou porque as medidas não existem, ou porque são insuficientes, ou porque tardam.

O não deixar ninguém para trás não é um privilégio do Executivo, é uma preocupação que só ganha em ser compartilhada.

Ora, num cenário de minoria, por mais difícil que seja, o princípio a observar será tentar o maior consenso possível.

Quando este objetivo falha, abre-se a porta ao que veio a suceder. As oposições convergiram e manifestaram uma vontade mais abrangente.

E, num cenário complexo como este, em que é o próprio Governo a admitir a incerteza, a retificar e complementar as medidas tomadas, a alterar por decreto o que previu, é importante tomar tudo isto em consideração.

E não é, apenas, a voz da esquerda, mas a voz de outros setores, a voz do próprio Presidente da República que repetidamente vêm chamando a atenção para a insuficiência das respostas e para a sua transitoriedade.

O Governo depende da Assembleia e do apoio do Presidente.

Deve fazer-lhes guerra, deve abrir um conflito, deve pressionar? Se o fizer, perde.

Lembra o Bloco de Esquerda que, mesmo noutros tempos de maioria parlamentar, o Partido Socialista se lhe uniu em recurso para o Tribunal Constitucional em questões paralelas. A partir para um caminho destes, no campo dos benefícios sociais, o PS perderia o coração.

Apesar disso, a primeira intervenção pública foi no sentido de lembrar ao Presidente a inconstitucionalidade. Não insistiu, porém.

A lei foi promulgada.

E foi-o tendo sido acompanhada de uma nota clara na qual se dá conta do especial momento em que vivemos, da ideal relação entre Assembleia e Governo, da panóplia de soluções que, na competência deste, para o problema existem.

E lembra, e bem, que no âmbito da lei, os montantes não têm valor definido e que o Governo adiou a aprovação do decreto de execução orçamental.

Vários constitucionalistas surgiram a comentar e a discordar, na sua maioria invocando um acórdão do Tribunal Constitucional datado de 1986, durante o governo minoritário de Cavaco Silva.

Um deles foi mais além. Notou a dificuldade crescente que, nessa base, virão a ter os governos de minoria. Terá, porventura, razão mas o mundo ( e o nosso em particular) mudou.

Reagiu bem o Dr. António Costa. Elogiou a riqueza da nota de Marcelo, sublinhou a abrangência do seu conteúdo, destacou a criatividade e a inovação.

Demonstrou perceber que pode controlar a execução da lei, que ainda tem um orçamento suplementar a discutir em breve, que tudo continua incerto.

Compreendeu que a questão constitucional e a questão política foram bem esclarecidas. Tomou devida nota que o tempo é o melhor conselheiro.

Em geral, o Partido Socialista sossegou.

Porém, hoje, uma voz se ouviu.

Porfírio Silva, o indefetível, personificando a lavagem da honra do Partido Socialista, acusa Marcelo de tresler e de se substituir ao Tribunal Constitucional.

Porfia, Porfírio, na direção errada.

Ainda bem que é ele.