Fiscalidade vs rendimentos – Portugal tem de mudar!

As pessoas costumam dizer que «pagar impostos e morrer, quanto mais tarde, melhor!». Infelizmente, em Portugal, esta frase tem pouca aplicação, em que os pagamos alegremente para aguentar a elevada despesa pública.

Foram agora conhecidos os números da carga fiscal de 2020 que inclui impostos e contribuições e, se a pandemia nos deixa prostrados, a fiscalidade implacável sobre empresas e cidadãos encarrega-se de nos deixar de rastos. Os números são frios e, em 2020, representaram 34,8% do PIB, suplantando os 34,5% de 2019. A razão até foi simples: o PIB contraiu 7,6% em 2020 e a carga fiscal (Eur 70,4 MM) apenas 4,7%, qual garrote a cercear o consumo das famílias e empresas, sem quaisquer perspetivas de redução, tamanha a dependência existente para sustentar a ineficiência do Estado, agora agravada com as despesas na saúde.

De acordo com a Eurostat, a fiscalidade na Europa dos 27 demonstra que, em 2019 (últimas disponíveis), Portugal ocupa exatamente o meio da tabela (14.º lugar). No topo do ranking, a França (47.4%), seguida pela Dinamarca (46.9%), Bélgica (45.9%), Suécia (43.6%), Áustria (43.1%), Itália (42.6%) e Finlândia (42.3%). Os últimos lugares são ocupados pela Irlanda (22.7%), Roménia (26.8%), Bulgária (30.3%), Lituânia (30.4%) e Letónia (31.3%).

Só que esta análise, na minha opinião, deve ser comparada com o PIB per capita, para termos a noção do impacto real da fiscalidade no rendimento da nossa população (taxa de esforço fiscal). Se compararmos com dados reais de 2019 (em vários países os de 2020 são estimados), concluímos que temos 11 países com rendimentos inferiores, ou seja, estamos em 16º lugar entre 27, com 18.630 euros.

Vamos lá colocar à parte o Luxemburgo (83.640 euros) e a Irlanda (60.170 euros), dado o regime fiscal internacional, com diversas multinacionais lá sedeadas e a contribuir para um PIB que nada tem a ver com a realidade local. Vejamos então qual o PIB per capita nos países com o maior peso de fiscalidade como a França (33.270 euros), Dinamarca (49.720 euros), Bélgica (35.940 euros), Suécia (43.920 euros), Áustria (38.170 euros), Itália (26.910 euros) e Finlândia (37.230 euros).

Realmente pouco têm a ver connosco e, forçosamente, temos de perceber que algo temos feito de errado. Todos estes países possuem valores que quase duplicam ou até triplicam o nosso PIB per capita, sobretudo os nórdicos: (i) com menores leques salariais (fator indutor de crescimento), ou seja, uma distribuição de riqueza mais equitativa; e (ii) onde a proteção social é mais elevada. Logo, tem de haver uma relação causa/efeito que teremos de a compreender.

Por estas bandas, paulatinamente vamos aumentando a fiscalidade como forma simplista de arrecadar receita para conseguir sustentar o incremento (compreensível) da proteção social, sem se cuidar da importância do investimento (preferencialmente produtivo e tecnológico, capaz de gerar benefícios a prazo), quiçá de origem internacional porque, como temos visto recentemente, o capital cerceia por estas bandas.

A explicação até é simples e tem duas fases. Uma primeira, decorrente da pré-bancarrota de 2011 e da vinda de uma troika que nos obrigou a ‘aterrar na realidade’. A segunda, nos últimos cinco anos, radica na ‘geringonça’ e suas políticas internas esquerdistas, alicerçadas em equilíbrios de apoio governamental, indubitavelmente com repercussão internacional e que têm como expoente máximo as sistemáticas reivindicações de nacionalizações dos parceiros do PS. Fácil de concluir que o nosso país não se revela atrativo para os citados investimentos internacionais estratégicos.

Quem na Europa tem aproveitado de forma inteligente a sua integração são os países do antigo Bloco de Leste, com fiscalidade empresarial e laboral mais estável e reduzida (ver acima), embora com salários mais baixos. Em alguns destes, a fiscalidade individual é mesmo ‘flat rate’ (indutora de investimento e de consumo). Resultado? Na última década, vários desses países cresceram entre 20 e 30%, enquanto Portugal, desde 2011 a 2019, cresceu apenas 11,4% (e prestes a ser ultrapassado pela República Checa).

Estamos numa encruzilhada, entre a fiscalidade e o rendimento, para além de muito amarrados por uma dívida pública que, por exemplo, nos cerceia de tomar decisões autónomas de apoios sociais neste momento de pandemia (como vimos no recente folhetim entre Marcelo e o Governo sobre a promulgação de uns quantos).

Em suma, só nos resta um caminho: aumentar o PIB para gerar receitas fiscais e superavits orçamentais que possibilitem reduzir a dívida pública, sobretudo pelo fantasma da subida das taxas de juro. Aqui ficam umas ideias:

• O PRR tem de ser parte fundamental desta estratégia, integrando quer um maior apoio às empresas nacionais para estas recuperarem rapidamente da crise da pandemia, quer uma contrapartida de eficiência na modernização do Estado.

• Criatividade para atrair investimento internacional, mas daquele que gera emprego estruturante, dando sinais de que queremos ser alternativa aos países com sucesso nesse domínio e a redução da fiscalidade seria chamariz relevante.

• Aliviar fiscalmente a classe média, já tão sacrificada e vítima de impostos indiretos (de efeitos regressivos), possibilitando a libertação de fundos que certamente seriam injetados na economia.