Recorde a última entrevista de António Almeida Henriques ao jornal Sol

Entrevista publicada na edição do dia 2 de março de 2019.

A pouco mais de dois meses das eleições europeias, Almeida Henriques deixa um aviso a Rui Rio. «Só há um resultado aceitável: ganhar as eleições». Em entrevista ao SOL, um dos principais críticos do presidente do PSD diz que, para já, o partido está «unido» e «mobilizado» para o combate eleitoral. Mas Almeida Henriques não deixa de frisar que «as pessoas têm uma oportunidade na vida e quando não a aproveitam, devem seguir o seu caminho». Oportunidade esta que foi dada pelo Conselho Nacional, de 17 de janeiro, a Rui Rio. Além disso, o autarca de Viseu e ex-governante de Passos Coelho, entende que o PSD tem de clarificar com quem vai governar se não conseguir maioria absoluta.

O partido ficou unido depois do Conselho Nacional?

O Conselho Nacional teve pelo menos um mérito, que foi agitar o partido e mostrar que, no fundo, as coisas não estavam a correr da melhor maneira. Espero que tenha tido o efeito de espevitar e levar a que o partido seja de facto uma alternativa ao atual Governo do PS. Espero que Rui Rio aproveite esta oportunidade. Tem a obrigação de ganhar as próximas eleições legislativas.

Só as legislativas?

E as europeias. Neste momento, Rui Rio tem todas as condições criadas. Não só porque tem o partido estabilizado, unido e mobilizado para as próximas eleições , mas porque, por outro lado, o Governo também está a facilitar a vida a Rui Rio. Há toda esta contestação social que tem ocorrido nos vários setores, mais os indicadores de algumas nuvens negras no horizonte que provam que não se fizeram as reformas estruturais que deviam ter sido feitas. Rui Rio tem todas as condições e não tem nenhuma desculpa para falhar o objetivo de ganhar as eleições.

E se falhar?

Se falhar, o partido terá de encontrar outras soluções. Não ganhando deve tirar as suas ilações. As pessoas têm uma oportunidade na vida e quando não a aproveitam, devem seguir o seu caminho.

Há algum outro resultado aceitável para o PSD, que não seja ganhar as eleições?

Só há um resultado aceitável: ganhar as eleições. Tudo o que não seja ganhar as eleições, ainda para mais nesta conjuntura, significa que o PSD não conseguiu fazer passar a mensagem de que tem um projeto alternativo. O PSD não pode ser um partido que concorra para segundo lugar ou para ser a muleta de um partido. Um dos virtuosismos do nosso sistema democrático é que há dois partidos, o PS e o PSD, que podem fazer acordos em determinados momentos, mas têm de ser sempre alternativas. Até para que os cidadãos saibam que podem optar por um ou por outro.

As europeias são prova de vida de Rui Rio à frente do PSD?

São as primárias das legislativas. É fundamental que o PSD as ganhe para preparar o resultado nas legislativas.

Se Rio não ganhar as europeias deve tirar já as ilações? Ou deve apresentar-se às legislativas?

Este ciclo tem três eleições e deve ser cumprido. Foi este o mandato do Conselho Nacional.

Veja aqui na íntegra o tema "PSD" desta entrevista.

O grande projeto que foi apresentado pelo Governo neste orçamento foi o aeroporto do Montijo. Seria mais favorável apostar em outras zonas do país?

Será que o aeroporto é para ser feito? Quando se lança uma obra e não se conhece o estudo de impacto ambiental… Fico na dúvida se o ex-ministro Pedro Marques não terá lançado várias obras só para preparar a sua candidatura ao Parlamento Europeu. Um país que, nestes últimos anos , não chegou a 9% do investimento público que estava previsto, como é que agora pode investir 22 mil milhões de euros em várias iniciativas anunciadas por Pedro Marques?

Como vê o investimento na ferrovia?

A ferrovia devia ser uma prioridade nacional e há verbas disponíveis pelo fundo de coesão e no connecting europe facility. O Governo fez uma má opção na ferrovia quando diz que vamos modernizar a linha da Beira Alta e não vamos construir a linha Cacia- -Mangualde-Fronteira. Faz essa má opção, aprova o projeto em Bruxelas e a verdade é que estamos a menos de dois anos do fim deste quadro comunitário de apoio e nem sequer existe o projeto, nem o concurso está lançado e nem há estudos de impacto ambiental.

Mas há o risco de cair essa ligação…

Hoje é mais do que evidente que a modernização da Linha da Beira Alta não se vai fazer. E ainda nenhum membro do Governo teve a coragem de dizer que não vai ser feita.

Sente-se enganado por isso?

Sinto. Todos os meus colegas autarcas e toda a população daquela região têm de se sentir enganada. Foi dito que era dentro deste quadro comunitário de apoios que seria feita. E tivemos esta oportunidade. Foi apresentada uma candidatura e foi aprovada. Repare que não defendo esta solução.

Que solução defende?

Obviamente, que a Linha da Beira Alta devia ser melhorada, mas defendo que a linha Cacia- -Mangualde serviria melhor todo o centro-norte do país, designadamente o Portugal exportador. Temos que pensar, sobretudo, nas mercadorias e depois supletivamente pensar que, nas mesmas linhas onde passam as mercadorias, vão viajar passageiros. Portugal é uma miséria. Se quiser ir de Lisboa a Viseu não há comboio. É uma das cidades que não é servida por comboio. E estamos a desperdiçar mais uma década, porque os quadros comunitários funcionam por décadas. Houve mais uma década perdida em que, basicamente, vamos conseguir a ligação a Sul. Nada mais. As duas ligações à Europa vão continuar a não existir.

A ferrovia é o único problema de transportes para o interior do país? 

Há a ligação rodoviária de Viseu a Coimbra, o IP3. É um crime nacional continuar a manter-se aquela estrada da morte, e ao ritmo que está a andar. Para já, vamos ter a requalificação de um pequeno troço, de 11 quilómetros, e para o resto está a ser aberto um concurso. Mas também prefiro ter esta requalificação, mesmo que minimalista – em que só 85% do troço vai ter quatro faixas que nem são com a dimensão de autoestrada –, do que não ter nada. Esta estrada é decisiva para a coesão territorial. 

Sendo um dos principais críticos de Pedro Marques, ficou contente com a sua saída?

Preferia que assumisse a sua responsabilidade até ao fim. É muito fácil ter lançado várias coisas e ter estado errado em muitas opções, fazer tanto show- -off, e depois sai do cargo para ser candidato ao Parlamento Europeu. Não vai ser responsabilizado pelos erros que cometeu. Não temos nenhuma razão para estarmos gratos a Pedro Marques. A ferrovia foi uma promessa de 2016. Estamos em 2019 e, tudo leva a crer, não vamos ter a modernização da linha da Beira Alta. A ligação Viseu/Sátão continua a não sair do papel e é um dos enormes constrangimentos que temos no território. Foi feita tábua rasa e não se honraram os contratos que tinham sido assumidos com o Governo anterior, como a ligação Viseu/Sátão e o melhoramento do IP5.

Qual a justificação do Governo para os projetos não avançarem?

As desculpas são sempre as mesmas. Não tenho dúvidas de que o primeiro-ministro vai lançar a nacional 229. Está a ser feito o projeto do Parque do Mundão até ao IP5 e, mais mês menos mês, irá haver uma cerimónia em Viseu e lá estarei. Apesar de tudo prefiro que se faça alguma coisa, nem que seja numa lógica de campanha eleitoral, do que não se faça nada. Também estou muito preocupado com o desinvestimento na Saúde.

Porquê?

Temos um hospital central em Viseu que é um dos principais hospitais do país e serve quase meio milhão de pessoas, onde são notórios os desequilíbrios e o grau de saturação, apesar do envolvimento dos médicos, dos enfermeiros, dos auxiliares. Começa a haver ali sinais de não investimento em novos equipamentos que já estão a ficar obsoletos e alguns já não funcionam. Não se entende por que é que os projetos não avançam. Por exemplo, as urgências do hospital estão saturadas, as pessoas estão em condições desumanas por aqueles corredores. Há um projeto aprovado com fundos comunitários há três anos, adjudicado em 2016 e à espera da contrapartida nacional. Não pode ser.

Sente falta de médicos?

Felizmente não, porque Viseu é uma cidade atrativa.

O país vai pagar a fatura deste desinvestimento?

Nem nos tempos da troika, com o Governo do Passos Coelho a ter uma política restritiva, a Saúde teve cortes como tem tido com este Governo, com reflexos na qualidade da saúde pública. Outro exemplo: há dois anos, o Governo anunciou o centro oncológico para Viseu. As pessoas têm de andar quilómetros para serem tratadas em Coimbra ou em Vila Real. O centro oncológico parecia que ia arrancar de imediato, mas agora o ministério disse-nos que está outra vez a ser reequacionado. Podia ter sido feito um acordo como se fez com as urgências, com os próprios autarcas a abdicarem do bolo do dinheiro que estava previsto para que parte dessa verba ficasse para as obras das urgências. 

Mas não é de prever que no final da legislatura estes projetos arranquem?

O problema é que o sistema não se compadece com mais meses, com o deixar andar, porque há situações de rutura que é preciso acautelar. Tenho receio de que este desinvestimento permanente na Saúde possa pôr em risco a qualidade do serviço. Os médicos e os enfermeiros fazem autênticos milagres. 

Viseu foi um dos concelhos afetados pelo encerramento de balcões da Caixa Geral de Depósitos. Retirou as contas da câmara do banco?

Não aceitei que não tivesse havido sequer um contacto da Caixa Geral de Depósitos (CGD) para discutir com a câmara o encerramento dos balcões. Foi uma decisão cega.  Um dos encerramentos nem contrariei e vou, aliás, instalar nesse edifício serviços da autarquia. Mas o balcão de Abraveses servia 20 mil pessoas do meio periurbano e rural. Sabia que era uma agência rentável. Tentei entrar em contacto com o banco e, como não tive qualquer resposta, a câmara deixou de trabalhar com a CGD. A câmara mantém lá uma conta mas só com movimentos correntes, mas nem sequer estão a ser processados os vencimentos dos trabalhadores através da CGD.

Veja aqui na íntegra o tema "Caixa Geral de Depósitos" desta entrevista.

Como está o processo de descentralização? Vai avançar?

Participei de forma muito ativa no processo, enquanto vice-presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP). É preferível darmos um passo do que nenhum. Mas há um pecado capital em todo este processo de descentralização.

Qual?

Não se ter feito uma discussão sobre o modelo de organização do Estado e como se deve reorganizar. Ok, é importante dar competências às autarquias, porque há coisas que as câmaras farão muito melhor do que o Estado Central. Mas qual é o modelo organizativo? Por outro lado, descentralização sem regionalização faz pouco sentido.

O país está preparado para a regionalização?

Penso que sim. Se o país já tivesse feito a regionalização, provavelmente não era tão assimétrico como hoje é. Sou um regionalista convicto. Ao invés de alguns que acham que a regionalização iria engordar mais a máquina do Estado, acho que a máquina do Estado está é gorda no Estado Central.

Porquê?

Num Estado descentralizado também existem quadros, por exemplo, nas CCDR ou nas direções regionais, etc. É possível fazer um processo de regionalização sem levar ao engordar do Estado. Discute-se e põe-se em causa se a regionalização não vai engordar o Estado, mas ninguém põe em causa que o Estado Central vá engordando todos os dias.

Veja aqui na íntegra o tema "Regionalização" desta entrevista.

Que medidas está a adotar para combater a fuga de pessoas do interior?

Ninguém se fixa no interior quando não há acesso à internet ou, para falar ao telemóvel, tem que pegar no carro e deslocar-se 20 quilómetros para ver se encontra rede. Por isso, lancei o apelo ao Governo e ao regulador para que se crie um task-force para desenhar uma política nacional para a cobertura 100% digital. Da mesma maneira que se assumiu a eletricidade como desígnio nacional tem que se assumir também a cobertura digital. O Estado devia investir uma parte e os operadores outra.Temos de nos deixar do novo-riquismo de haver uma rede por cada operador. Nestes territórios pode existir uma só rede que sirva os vários operadores, havendo uma componente de investimento público e uma componente de investimento privado. O interior está profundamente envelhecido e, se não houver medidas de choque muito imediatas, não vamos conseguir contrariar essa tendência. 

E os incentivos que foram aprovados no OE não ajudam o interior? 

Quais incentivos? 

A atribuição de bolsas e de benefícios fiscais para quem vai estudar para o interior…por exemplo

Isso são festinhas, são paliativos. Quando tem um doente que está muito mal tem de usar um tratamento de choque. E se o interior está mal, então precisa de um tratamento de choque. 

Veja aqui na íntegra o tema "Interior" desta entrevista.

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