MMXXI ou 2021?

É verdade que perdemos mais tempo a escrever MCLXVI que 1166, mas custa assim tanto? Talvez… O ser humano é preguiçoso por natureza e está sempre à procura da resolução mais rápida e fácil

Por Filipa Moreira da Cruz

Há duas semanas, o jornal italiano Corriere della Sera publicou um artigo que denunciava a decisão de dois museus franceses em substituir a numeração romana pela numeração árabe nas legendas e notas explicativas. Este ato resulta do facto dos principais visitantes terem dificuldade na leitura dos números romanos. Os estrangeiros em causa são, maioritariamente, oriundos dos Estados Unidos da América, do Japão e da China. Os historiadores e investigadores italianos acusam os museus Carnavalet e do Louvre, ambos em Paris, de ceder a chantagens de marketing e optarem pela facilidade, apagando um marco fundamental da História da Humanidade. 
As filas para ver a Mona Lisa de da Vinci ou a Vénus de Milo são intermináveis, mas será que é pelo tempo que os visitantes perdem a decifrar o século da realização das mesmas? De acordo com alguns estudos, sim! Os diretores dos museus acreditam que a identificação imediata da numeração terá um impacto direto na agilização da visita. Resultado: segundo os responsáveis, os meios justificam os fins.
Esta tendência não é recente. Quando vivia em Paris vi, várias vezes, os arrondissements escritos em numeração árabe. Confesso que sentia um certo orgulho em apresentar XVIème e, mais tarde, XVème nos documentos oficiais. É verdade que perdemos mais tempo a escrever MCLXVI que 1166, mas custa assim tanto? Talvez… O ser humano é preguiçoso por natureza e está sempre à procura da resolução mais rápida e fácil. 

Certos adultos já nem sequer se lembram como é escrever com um lápis numa folha de papel. E isso sem falar na tabuada. Seguindo a lógica dos museus em questão, as crianças não deveriam perder tempo a aprender as divisões com dois ou mais algarismos. Para quê, se a calculadora faz tudo? Essas horas desperdiçadas seriam dedicadas a coisas mais úteis, não?! Esta análise é perigosa porque ao eliminarmos a numeração romana estamos a apagar uma parte importante da Roma Antiga. Não são apenas os símbolos que morrem, mas séculos de História. 

Os números romanos não são os únicos em vias de extinção. Segundo um estudo levado a cabo pelo instituto britânico de sondagens ComRes Global e divulgado pela CNN, 21% dos jovens franceses, entre os 18 e os 34 anos, desconhecem que o Holocausto existiu. Muitas escolas evitam este ‘episódio triste’ para não chocar os mais sensíveis. As cidades do leste do país, em contrapartida, fazem questão de abordar o tema exaustivamente. O mesmo acontece na vizinha Alemanha. Mas parece que são exceções à regra. 

Não sou nostálgica do passado. Não tenho saudades do que já não é (embora ainda hoje me custe seguir todas as regras do acordo ortográfico!). No entanto, julgo indispensável relembrar a História e apresentá-la sem subterfúgios nem tabus. Temos que conhecer todos os episódios, mesmo os mais abomináveis. O Império Romano, o mais longo da civilização ocidental, existiu durante cinco séculos. Os seus números não devem ser apagados apenas porque certos humanos demoram cinco minutos a decifrá-los. Esperemos que o Rei Sol não corra o risco de passar a ser conhecido como Louis 14. E eu faço figas para que, quando regressar a Lisboa, ainda possa tirar uma fotografia com a Torre de Belém e o Padrão dos Descobrimentos como pano de fundo.