A Praça do Império, os brasões florais e os concursos de ideias – Parte 1

Na solução que concebi e apresentei neste concurso, considerei o sítio, o lugar e o Mosteiro dos Jerónimos como elementos referenciais a considerar quando da intervenção

Por José Miguel Fonseca, Arquiteto

Estive num destes dias a percorrer os espaços que, em Belém, e através dos vários Jardins, se estendem do novo Museu dos Coches ao Mosteiro dos Jerónimos. Pude memorizar o que tinha também feito quando participei em 1988, como autor, no concurso de arquitetura para o Centro Cultural de Belém.

Depois de olhar o Jardim Afonso de Albuquerque (para o qual se debruça o Palácio da Presidência da República), atravessei o Jardim Vasco da Gama, que se localiza a poente deste, chegando ao Jardim da Praça do Império. 
Considero este conjunto de espaços livres de construção, tanto pela sua escala e configuração, como absolutamente notáveis.

Estão envolvidos por edificações que reproduzem, desde há cinco séculos, e sobre diferentes formas, pedaços de uma História e de um viver que os suportaram culturalmente, tendo resultado de sucessivas áreas ganhas ao Rio Tejo, nas quais se vieram a implantar.

O Mosteiro dos Jerónimos, que foi edificado, durante 100 anos, recebendo o contributo de cinco arquitetos de então, constitui-se, como referência inquestionável, para qualquer tipo de intervenção que pudesse e possa vir a ser considerada na sua envolvente tal como o foi o Centro Cultural de Belém.
Considerados estes pressupostos entendi abordar esta questão, dos brasões da Praça do Império, agora tornada polémica, da seguinte forma:

1. O concurso para o Centro Cultural de Belém e o papel do arquiteto e urbanista.

A Praça do Império, constituindo-se como Jardim em 1940, foi concebida pelo arquiteto Cottinelli Telmo, quando da Exposição do Mundo Português. 

Abria-se sobre o Tejo, como se poderá observar no esboceto que produziu em 1939, possibilitando, a partir da mesma, a observação do Padrão dos Descobrimentos.

Constituiu-se como espaço de uso público, estando enquadrado pelo Mosteiro de Santa Maria de Belém, hoje conhecido como Mosteiro dos Jerónimos.

Em 1988 realiza-se um concurso de ideias (de arquitetura)para a implantação de um Centro Cultural no espaço que margina a Praça do Império a poente.

O júri do concurso escolheu a solução concebida pelo arquiteto Vittorio Gregotti, como a melhor adequada, das que foram apresentadas. Considerou como relevantes as posições do autor quando referiu, por escrito, que o seu problema tinha sido «…a relação com o lugar…», e que «…o primeiro gesto arquitetónico foi o de colocar uma pedra sobre o solo…». 

Da observação do que hoje se encontra construído, ressalta, a meu ver, que se trata de uma ‘peça’ arquitetónica, que vivendo por si própria, nada tem a ver com o edificado envolvente, ou seja, não considerou o Mosteiro dos Jerónimos como referência. 

Tal como se passou com o novo Museu dos Coches. Um volume retangular pintado de branco que pousou num terreno, por sobre uns pilares que o suportam. Corresponde também a uma não consideração pelo que existe na envolvente construída, reforçando a ideia, muito em voga nas intervenções arquitetónicas desde então, de que o que importa é a ‘peça’. Não questiono a legitimidade deste tipo de opção. É um ‘partido. 

Na solução que concebi e apresentei neste mesmo concurso (com a equipa que constituí e me soube acompanhar), considerei o sítio, o lugar e o Mosteiro dos Jerónimos como elementos referenciais a considerar quando da intervenção.

A imagem que apresento abaixo, desenhada e pintada a cor, explica o partido que então tomei no processo de abordagem conceptual:

a. Uma extensa fachada constituindo como que uma continuidade da existente nos Jerónimos, respeitando o ritmo, a escala e a proporção deste.

b. A escolha de uma pedra nobre, que procurava identificar-se com a que, ainda hoje, se encontra aplicada no exterior do Mosteiro e que se tem preservado ao longo de séculos.

c. A criação, por sobre a zona do acesso principal ao Centro Cultural, de um conjunto de laminas volumétricas em vidro, as quais se prolongam e ligam a um volume translúcido, virado para o Rio, possibilitando também e através de espaços utilizáveis do seu interior, uma leitura visual do Padrão dos Descobrimentos.

Foi esta ideia, expressa na solução que apresentei no concurso, que o júri entendeu não dever considerar, rejeitando-a desde o momento inicial.

Confirmou-se, também neste caso, que existem, de entre outras, duas formas de abordagem conceptual para uma intervenção deste tipo : 

Uma: a de que um projeto deve ser assumido como a imposição de um modelo (como explicou V. Gregotti), que foi a escolhida pelo júri.

Uma outra: a de que um projeto deve ser entendido, também, como uma resultante do espaço em que se insere (como o entendo e mostra a imagem que juntei e faz parte deste texto).

A apresentação deste exemplo pode permitir que os leitores, na posse destes e de outros dados, e ao se questionarem, possam perceber do que se trata

2.O Concurso para a Remodelação do Jardim da Praça do Império. 
Nas condições programáticas deste Concurso, (2016) para além de diversas considerações, estaria certamente uma indicação para a retirada dos brasões florais que representariam também as Províncias Ultramarinas administradas pela então Metrópole Portuguesa, isto partindo do pressuposto que essa condição não resultou de uma opção da arquiteto paisagista classificada em 1.º lugar Cristina Castel-Branco. Ou será que se não tivesse aceite essa condição de retirar os brasões florais teria sido rejeitada a apreciação da sua proposta como o foram cinco das equipas que concorreram?
E quero também afirmar, colocando as seguintes questões: 

a. Simonetta Luz Afonso, ao desprezar os brasões florais existentes na Praça do Império, pensa que sabe do que se trata, no quadro da urbanística, ou optou por ‘atirar bocas para o ar’? 

b. Fernando Medina, ao invocar polémicas feitas na base do absurdo, da mentira, da falsidade e considerando a opinião expressa por diversas personalidades, tais como, o general Ramalho Eanes, o professor Cavaco Silva e o cientista social António Barreto, assume que estas se enquadram nesta qualificação que fez?

c. José Sá Fernandes ao afirmar em 2014, que os brasões não foram objeto de intervenção quis dizer também que os responsáveis por esse facto foram, em primeiro lugar, (como não podiam deixar de o ser a meu ver) Jorge Sampaio, João Soares, António Costa e Fernando Medina, quando do exercício da presidência da Câmara Municipal de Lisboa desde 1990 (2014 – 20 = 1994) aos dias de hoje 2021, pela inadmissível atitude de incúria revelada por este tipo de decisões, que entenderam dever assumir em cada um dos momentos?