Timor-Leste. Face à tragédia das cheias, o medo da covid-19

Timor-Leste recebeu 24 mil doses de vacina, mas o armazém onde iam ficar foi inundado. E, no meio da fuga, ninguém consegue pensar no vírus.

As águas engoliram bairros inteiros de Dili, após três dias de chuvas intensas no rescaldo do ciclone tropical Seroja, resultando na destruição de estradas, pontes e casas, com 27 mortos confirmados na segunda-feira, numa altura em que “toda a cidade é uma zona de desastre”, alertou uma fonte da Proteção Civil timorense, à Lusa. Contudo, mesmo face ao avanço das águas, com cada vez mais habitantes a serem retirados da capital, “o próximo grande risco é o alastrar da covid-19 pelo país, dado que o confinamento de Dili deixou de existir”, alertou o analista timorense José Sousa-Santos, no Twitter. 

Até recentemente, Timor-Leste parecia escapar ao pior da pandemia, com menos de 50 infeções por covid-19 registadas até janeiro deste ano, na sua maioria casos importados. No entanto, subitamente, os casos começaram a crescer, chegando aos 714 este sábado – entretanto, o mês passado, fora ordenado o confinamento na capital, bem como nas cidades de Baucau e Viqueque, para evitar que o vírus alastrasse ao resto do país.

É natural que, neste momento, essa não seja a maior preocupação dos cerca de 220 mil habitantes de Dili, em particular dos pelo menos sete mil desalojados pelas cheias, segundo as autoridades. Imagens nas redes sociais mostram edifícios inteiros a ser varridos pelo rio Comoro, no oeste da capital, outros com água pelo telhado, estando o próprio Palácio Presidencial entre os edifícios inundados, avançou a Reuters.

A tragédia abateu-se sobre o país na mesma altura em que chegava a grande esperança na luta contra a covid-19. Tratava-se do primeiro lote de vacinas fornecido pela Covax, um programa de doadores como a Organização Mundial de Saúde e a Fundação Bill e Melinda Gates, para fazer chegar aos países em desenvolvimento pelo menos 20% da vacina que necessitam. Mesmo no meio de toda a destruição, um charter contratado pela Fundo da Nações Unidas para a Infância (UNICEF) conseguiu aterrar em Dili, esta segunda-feira, levando 24 mil doses de vacina, segundo a Lusa.

As vacinas foram recebida com pompa e circunstância, entre discursos de dirigentes e danças tradicionais, após grandes receios de que a chuva impedisse a aterragem do avião. Ainda assim, as dificuldades não ficaram por aqui – o armazém onde se planeava guardar as doses de vacina, um dos principais pontos de distribuição de equipamento médico e medicamentos do país, acabou inundado.

“Os funcionários estão a tentar salvar o que podem”, escreveu no Twitter Alex Tilman, um dos coordenadores para o desenvolvimento das Nações Unidas em Timor-Leste, na legenda de fotografias de medicamentos destruídos pela água.

Entretanto, o Governo português já ofereceu a sua ajuda a Timor-Leste. “Trabalharemos para esse fim nos próximos dias”, prometeu o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva. “Há registo de muitos danos materiais, não há registo de nenhum dano pessoal entre a comunidade portuguesa. De qualquer forma, ainda é preciso apurar os danos materiais”, salientou, à Lusa, após conversar com a sua homóloga timorense e o embaixador português em Dili. “Ambos disseram que nunca nas respetivas vidas tinham visto chover com esta intensidade e violência”.