Municípios com testagem à margem da estratégia nacional

Plano de operaconalização de testagem massiva à covid-19 ainda não está fechado. Cascais, Oeiras e Lisboa avançaram, mas regras não são iguais. Autoridades não esclarecem se vão ser disponibilizados testes em todo o país ou se medida fica ao critério de cada autarquia.

Quem vive em Lisboa, Cascais e Oeiras já pode ter acesso a testes gratuitos à covid-19 mesmo sem ter sintomas ou ter estado em contacto com alguém infetado. Com diferenças nas regras, os três municípios foram os primeiros a avançar com a generalização da testagem, disponibilizando testes à população, isto além de outras iniciativas de testagem que até aqui já tinham sido postas em marcha a nível municipal em contextos específicos. Os programas locais de “testagem em massa” avançaram sem ser ainda conhecido o plano de operacionalização da estratégia nacional de testagem à covid-19, que está a ser delineado pelo grupo de trabalho criado pelo Governo há duas semanas e que vai emanar orientações para complementar a estratégia revista em fevereiro pela DGS depois de o Governo ter anunciado uma aposta na testagem massiva. Questionada pelo i, DGS não esclareceu se este tipo de testagem regular com disponibilização de testes periodicamente à população em geral será implementado a nível nacional ou se ficará ao critério dos municípios. Em Lisboa, a regra implementada passa por testar moradores das freguesias com maior risco de contágio (mais de 120 casos por 100 mil habitantes), de momento dez. Todas as pessoas com mais de 16 anos têm direito a dois testes por mês. A Câmara Municipal de Oeiras garante dois testes por mês a cada munícipe e anunciou um investimento de 850 mil euros para garantir os primeiros 50 mil testes nas farmácias aderentes e o funcionamento de uma unidade móvel que, em dois meses, deverá disponibilizar 10 mil testes. Já Cascais instalou um centro de testagem no espaço da Feira de Artesanato do Estoril, para já com testes gratuitos para trabalhadores do comércio, hotelaria, instituições e serviços, admitindo alargar à restante população se os casos de covid-19 aumentarem.

O i tentou perceber também junto da autoridade nacional de saúde se a disponibilização de dois testes rápidos por mês, esta uma regra comum nos três municípios, é uma medida considerada de utilidade em termos de saúde pública. Noutros países como Reino Unido ou na Áustria, onde foram implementadas estratégias de massificação de testagem, a opção tem sido a disponibilização de dois testes rápidos de antigénio por semana, mas até ao momento não houve nenhuma indicação sobre se haverá alguma comparticipação a nível nacional de testes. A task-force está a ultimar o desenho do plano, que deverá ser apresentado entre esta semana e a próxima. Ao Nascer do SOL, há duas semanas, o presidente do INSA, Fernando Almeida, indicou que todas as medidas estavam então em equação, fosse a disponibilização de testes e autotestes à população ou locais de testagem de acesso sem prescrição.

O que prevê a norma atual Na atual norma de testagem da DGS, a indicação é ainda que os testes rápidos de antigénio “devem ser utilizados nos primeiros 5 dias (inclusive) de doença de modo a diminuir a probabilidade de obtenção de resultados falso negativos”, sendo que na altura se abriu porta à sua utilização para “controlo da transmissão comunitária através de rastreios laboratoriais regulares”. Na altura foram recomendados os rastreios regulares nos estabelecimentos e ensino e locais com maior transmissão em meio laboral, prevendo-se que todos os resultado positivos fossem confirmados com testes moleculares PCR no prazo de 24 horas e que os rastreios deviam ser periódicos nos concelho com incidência cumulativa superior a 120 casos por 100 mil habitantes, um patamar revisto depois de inicialmente terem sido fixado em 240 casos por 100 mil habitantes. Nas instituições que acolhem pessoas mais vulneráveis, como lares ou instituições de apoio social, era fixada uma periodicidade de 14 em 14 dias na realização de testes, não havendo orientações para os restantes setores ou testagem na comunidade.

Entretanto, na semana passada começaram a ser vendidos nas farmácias e parafarmácias testes rápidos sem necessidade de receita médica e que podem ser feitos sem supervisão de profissionais de saúde, com custos na casa dos 7 euros, isto fruto de uma portaria que a 12 de março criou um regime excecional para venda de testes de autodiagnóstico à covid-19. No espaço de duas semanas, há então estas duas novas hipóteses, além das campanhas de testagem que avançaram nas escolas e foram reforçadas nos lares: uns municípios a oferecem testes mesmo a quem não trabalha nestes contextos e nos restantes, ou mesmo nestes, qualquer pessoa a poder comprar um teste rápido e fazê-lo sem supervisão de profissional de saúde.

Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, considera que maximizar a capacidade de testagem pode ser importante, mas deixa a ressalva comum às duas situações: “Não podemos encarar estes testes, a não ser que sejam feitos de forma sistemática, como um rastreio. As pessoas podem e devem, se tiveram essa possibilidade, ir fazendo os testes, o que poderá permitir identificar alguns casos mais cedo, mas isso não substitui a restante estratégia global de testagem”, defende.

Quanto ao facto de as campanhas de testagem não estarem a ser implementadas de forma uniforme, o médico recorda que poderá fazer sentido ajustes locais em função da incidência e que, no geral, nos últimos meses já houve diferentes abordagens com autarquias que avançaram com iniciativas a nível local. “Ou há uma estratégia definida centralmente, o que não é o caso até agora, e as diversas entidades acabam por adotar as medidas mais adequadas ou aborda-se a questão de outra maneira, mas isto também é o que tem acontecido noutros países. Há países onde algumas regiões fazem as coisas de uma maneira e outras de outra. O que me parece fundamental é que a estratégia global seja reforçada e que a nossa capacidade de reagir aos resultados dos testes seja adequada ao volume de testes que são feitos”, defende Ricardo Mexia. “Tivemos numa altura com menor incidência, mas é importante não perdermos a capacidade de acompanhar os resultados, fazer os rastreios de contactos e manter o controlo da epidemia”.

No caso dos testes feitos nos programas municipais, os resultados são comunicados pelos serviços das autarquias ou farmácias aderentes_à plataforma SINAVE, o sistema nacional de vigilância epidemiológica do SNS. Já nos autotestes, a recomendação da DGS é que em caso de resultado positivo ou inconclusivo se contacte o SNS24. A regulamentação da venda de testes de autodiagnóstico, publicada a 19 de março, previa que fosse criada uma página eletrónica para reporte de resultados, mas os testes começaram a ser vendidos antes de essa aplicação estar operacional e não houve ainda uma indicação de quando será lançada. A circular prevê ainda que farmácias e parafarmácias reportem ao Infarmed regularmente informação sobre o número de testes dispensados. O i procurou ter um balanço dos primeiros dias de comercialização de testes de venda livre ao público, quer em termo de vendas quer de resultados comunicados, mas não teve resposta das autoridades responsáveis. Ao Expresso, a SONAE, que vende testes nas lojas Well’s, indicou que só nos primeiros dois dias foram vendidos 10 mil testes. A 6,99 euros cada, só esta amostra significa uma despesa de 69 mil euros por parte das famílias.