Portugal com menor reporte de reações à vacina da AstraZeneca

EMA conclui que eventos tromboembólicos associados a baixa de plaquetas devem ser considerados um efeito secundário raro da vacina inglesa e apela que sintomas após imunização sejam vigiados. Decisões sobre uso de cada vacina na mão de cada país.

Ao contrário do que aconteceu por toda a Europa nas últimas semanas à medida que as atenções se focaram na vacina da AstraZeneca, em Portugal a maioria das reações adversas reportadas ao Infarmed após a toma das vacinas da covid-19 continua a dizer respeito à vacina da Pfizer. É a mais administrada e isso é a realidade em todos os estados membros, mas em Portugal verifica-se uma taxa de reporte de notificações após a toma da vacina inglesa inferior à que se verifica a nível europeu. Com o número de doses de vacinas administradas no país a aproximar-se dos dois milhões, até ao passado sábado tinham sido reportadas a nível nacional 3625 casos de suspeita de reação adversa à vacina. Destes, 2941 casos (81%) dizem respeito à vacina da Pfizer, 149 à vacina da Moderna e 535 à vacina da AstraZeneca.

Os dados são reportados por Portugal à plataforma europeia de vigilância de reações adversas EudraVigilance, que o i consultou. Revela que, no global, a nível europeu foram até ao momento reportados 272 644 notificações de suspeitas de reações adversas (efeitos adversos e manifestações clínicas que podem não ter necessariamente uma relação causal com a vacina mas que surgiram após a imunização) a estas três vacinas, as que estão maioritariamente a ser usadas na UE dado terem sido as primeiras aprovadas pela agência Europeia do Medicamento.

Já no portal de monitorização de vacinação do Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças é possível perceber quantas vacinas foram feitas de cada marca nos diferentes países. Cruzando a informação, a vacina da Pfizer conta agora com mais de 59 milhões de doses administradas na UE e somava no último fim de semana 127 789 reações adversas reportadas, entre ligeiras e graves, o que significa 2,1 reações notificadas por cada mil doses administradas. Portugal, com 1,4 milhões de doses da vacina da Pfizer administradas, surge nesta linha.

Já da vacina da Moderna foram administradas 5,2 milhões de doses e notificadas 11 545 reações a nível europeu, o que dá também uma média de 2,1. Em Portugal foram cerca de 128 mil doses e 149 reações reportadas, abaixo deste limiar. No caso da vacina da AstraZeneca a diferença torna-se maior: a nível europeu foram administradas 16 milhões de doses e estão agora reportadas 133 310 reações adversas, cerca de 8,2 reações por cada mil doses administradas – um número que duplicou desde que soaram os alertas em torno de casos de tromboembolismo associados a baixas de plaquetas, que ontem a EMA anunciou que serão incluídos no grupo de efeitos adversos raros que podem surgir após a vacina e que é preciso vigiar. E um dos apelos da EMA, que salientou que neste momento não existem indicações claras sobre fatores de risco prévios que possam estar ligados a estes efeitos adversos muito raros – até 4 de abril tinham sido reportados 169 casos neste universo de 272 mil reações adversas às vacinas da covid-19, estimando-se um reporte de um caso por cada 100 mil pessoas que tomam a vacina da AstraZeneca – foi precisamente para que todas as pessoas que experienciem sintomas incomuns após a vacina os reportem. E que no caso da vacina da AstraZeneca, haja especial atenção ao que podem ser sintomas de trombose: falta de ar, arrefecimento de membros, dor de cabeça forte que não passa, hemorragias e manchas de sangue.

 

13 mortes sem associação à vacina

Em Portugal, segundo a última informação disponibilizada no site do Infarmed ainda com referência ao final do mês de março, pode ler-se que das 3543 reações então reportadas (o Infarmed não divulga o total de reações por tipo de vacina, embora esses dados sejam publicados depois a nível europeu), 1583 foram classificadas como graves. Foram já reportados ao todo no país 13 mortes no período após a vacinação, a maioria de idosos e o indicador indica que em nenhum caso se estabeleceu associação direta com a vacina.

Os efeitos mais comuns reportados em Portugal, onde não existe um forte historial de notificação de reações adversas, nomeadamente por parte dos doentes, foram dores musculares/articulações, reação no local de injeção, cefaleias, febre, astenia/ fraqueza/fadiga, náuseas, linfadenopatias (gânglios inchados), tremores, parestesias e mal-estar geral.

Já foram reportados casos de eventos tromboembólicos após a vacina mas nenhum caso dos que suscitou a investigação das autoridades: casos de trombose cerebral dos seios venosos e trombose de veias abdominais associados a um quadro de baixa de plaquetas idêntico ao que é manifestado por alguns doentes que fazem um anticoagulante chamado heparina. Na semana passada, Andreas Greinacher, o médico alemão do hospital universitário de Greifswald que descobriu a ligação entre um tipo de específico de anticorpos que surge após a vacinação em algumas pessoas e que parece levar a estes quadros já tinha explicado, numa conferência de imprensa com jornalistas europeus, que o facto de haver esta reação na heparina não levou a que este medicamento saísse do mercado. Ainda assim, a preocupação que continua a ser perceber se existem fatores de risco ou pessoas com maior predisposição para desenvolver estes quadros, que até agora foram reportados maioritariamente em mulher com menos de 60 anos. Na conferência de imprensa da EMA, a responsável pelo comité de segurança da agência europeia, Sabine Strauss, salientou que “apesar de a maioria dos casos terem ocorrido em pessoas com menos de 60 anos e mulheres, dado que a vacina tem sido administrada de forma diferente nos diferentes países, o PRAC não conclui que idade ou género sejam um fator de risco claro para estes efeitos secundários raros”.

Para a Agência Europeia do Medicamento, os benefícios da vacina continuam a superar os riscos, mas na conferência de ontem ficou mais claro do que na anterior que o organismo europeu não fará recomendações sobre o uso das vacinas e que cabe às comissões nacionais de vacinação avaliar como e a quem recomendam cada vacina em função dos seus planos de vacinação, quem já foi vacinado, que vacinas têm disponíveis e situação epidemiológica. Um passar da bola antecipado pela convocação de uma reunião de urgência dos ministros da UE convocada pela presidência portuguesa, no caso pela ministra da Saúde Marta Temido, na tentativa de chegar a uma posição concertada, o que não aconteceu nas últimas semanas. À hora de fecho desta edição, não havia ainda decisões anunciadas sobre se haverá alterações comuns nos planos de vacinação europeus, mas tudo apontava como desfecho mais provável que a bola passasse para as comissões de vacinação. Na semana passada, a comissão nacional de vacinação manteve a recomendação de usar a vacina da Astra acima dos 18 anos, sem limitações, mas agora o assunto deve voltar a ser apreciado.

 

Inglaterra escolhe outra vacina para menores de 30

No Reino Unido, a agência reguladora do medicamento, que com o Brexit deixou de estar vinculada à Agência Europeia do Medicamento embora tenham colaborado nesta investigação, propôs ontem que seja oferecida, nesta fase, uma vacina alternativa a quem tem menos de 30 anos, homem ou mulher. O argumento foi precisamente o dos riscos e benefícios e a base uma análise por faixa etária em três cenários de covid-19 – baixa incidência, moderada e elevada – algo que a EMA não apresentou ontem, pelo menos publicamente. Por cada 100 mil pessoas que recebem a vacina da AstraZeneca, os peritos britânicos calculam que é expectável 1,1 reações graves na faixa etária dos 20 aos 29 anos, 0,8 dos 30 aos 39, 0,5 dos 40 aos 49, 0,4 dos 50 aos 59 e 0,2 dos 60 aos 69. Se em todos os cenários epidémicos os benefícios da vacina na prevenção da admissão em cuidados intensivos caso se seja infetado parece ser superior, apenas nos mais jovens, num cenário de baixa incidência como o que se vive atualmente em Inglaterra, os benefícios podem ser comparáveis aos riscos, daí a recomendação. No espaço de 16 semanas, os peritos preveem que, numa altura em que a incidência ronda os 6 casos por 10 mil habitantes (60 casos por 100 mil habitantes, idêntico ao que se vive em Portugal) em cada 100 mil jovens vacinados se previnam a cada 16 semanas 0,8 admissões em UCI, sendo assim o benefício ligeiramente menor do que o risco associado à vacina nesta faixa etária. A apresentação, disponibilizada ontem pelo Governo britânico, nota no entanto de que num cenário de uma incidência elevada de 20 casos de covid-19 por 10 mil habitantes, 200 casos por 100 mil habitantes, por cada 100 mil jovens vacinados a vacina pode prevenir 6,9 hospitalizações em cuidados intensivos a cada 16 semanas.

 

Vacinas vs reações adversas

Pfizer/BiONTech (aprovada na UE a 21.12.2020)

•  Doses administradas na UE/EEA até 7 de abril: 59 108 437

•  Reações adversas reportadas na UE/EEA até 3 de abril: 127 789 // 2,1 reações reportadas por cada mil doses administradas

•  Doses administradasem Portugal: 1 396 612

•   Reações adversas reportadas em Portugal: 2941 // 2,1 reações por cada mil doses administradas

 

Moderna (6.01.2021)

•  Doses administradas na UE/EEA até 7 de abril: 5 209 560

•  Reações adversas reportadas na UE/EEA até 3 de abril: 11 545 // 2,1 reações reportadas por cada mil doses administradas

•  Doses administradas em Portugal: 128 139

•   Reações reportadas em Portugal: 149 // 1,2 por cada mil doses dadas

 

AstraZeneca (29.01.2021)

•  Doses administradas na UE/EEA até 7 de abril: 16 114 868 

•  Reações adversas reportadas na UE/EEA até 3 de abril: 133 310 // 8,2 reações reportadas por cada mil doses administradas

•  Doses administradas em Portugal: 388 709

•   Reações reportadas em Portugal: 535 // 1,4 por cada mil doses doses dadas

 

Fontes: EudraVigilance – sistema europeu de notificação de reações adversas e Vaccine
Tracker ECDC