Comissão de vacinação vai pronunciar-se sobre uso da vacina da AstraZeneca. O que já se sabe sobre as decisões dos restantes paises

Sem consenso e sem recomendações fechadas por parte da Agência Europeia do Medicamento, cada país tomará a sua decisão. Inglaterra restringiu uso da vacina abaixo dos 30 anos e apresentou uma análise de risco/benefícios por faixa etária. Espanha invoca princípio de precaução e vacina só deverá ser dada a quem tem entre 60 e 65 anos.…

A "via sacra" da vacina da AstraZeneca continua e os países começam a anunciar como pretendem utilizar a vacina inglesa daqui para a frente. Não houve consenso sobre uma posição comum na reunião promovida ontem pela presidência portuguesa da UE entre os ministros de saúde europeus e as decisões estão agora na mão dos governos nacionais e dos organismos técnicos. O i sabe que a Comissão Técnica de Vacinação da Direção Geral da Saúde vai pronunciar-se, após analisar a evidência e riscos e benefícios.

A posição da Agência Europeia do Medicamento, que reconheceu esta quarta-feira que existe uma ligação entre a vacina e casos raros de tromboembolismo associado a baixa de plaquetas, é de que os benefícios da vacina superam os riscos, não tendo feito qualquer recomendação.

Segundo a EMA, apesar de a maioria dos casos ter sido detetado abaixo dos 60 anos em mulheres não é claro que exista um risco maior num grupo etário específico ou sexo, isto porque por agora a informação depende dos casos que são valorizados e reportados como reações adversas. Assim, a estimativa da EMA é de que este tipo de reação, que se pensa que pode estar ligada a uma resposta imunitária em alguns indíviduos, ocorra em 1 em cada 100 mil vacinados. Na conferência de imprensa, foi feita uma comparação com o risco de trombose associado aos anticontracetivos orais: em cada 10 mil mulheres que tomam a pílula, são esperados 4 casos de tromboembolismo por ano, portanto um risco aparentemente bastante superior, embora os dados não sejam totalmente comparáveis e a EMA admita que a esta altura é difícil estimar a incidência destes efeitos secundários raros da vacina, que não tinham sido reportados nos ensaios clínicos.

A posição inglesa: avaliar risco/benefício

O Reino Unido, que com o brexit passou a ter o seu regulador do medicamento autónomo da Agência Europeia do Medicamento, apresentou as suas conclusões praticamente em simultâneo com a EMA na tarde de quarta-feira. O comité de vacinação de Inglaterra recomendou que a vacina da AstraZeneca não seja dada nesta fase a pessoas com menos de 30 anos. Toda a informação foi de imediato disponibilizada pelo Governo britânico, inclusive a apresentação da análise que comparou os benefícios e riscos da vacina nos diferentes grupos etários e que levou à conclusão de que, numa situação de baixa incidência de covid-19 (60 casos por 100 mil habitantes), apenas na faixa etária dos 20 aos 29 anos os ganhos que pode haver em termos de prevenção da admissão em UCI são ligeiramente inferiores ao risco de, em cada 100 mil pessoas vacinadas, haver um reação grave.

A posição espanhola: princípio da precaução

Já esta quinta-feira, a imprensa espanhola dá conta de que a posição do Ministério de Saúde espanhol e das comunidades autónomas é de que a vacina seja suspensa temporariamente abaixo dos 60 anos e administrada apenas entre os 60 e 65 anos. Segundo o El País, foi a posição defendida por Espanha na reunião desta quarta-feira dirigida pela ministra de Saúde Marta Temido, tendo Espanha invocado o princípio de precaução. Tal como em Portugal, até aqui a maioria das vacinas da AstraZeneca foram administradas em Espanha a trabalhadores essenciais, como profissionais de saúde e professores, e agora a vacina deverá ser dada apenas entre os 60 e os 65 anos, estando o país ainda a estudar o que fazer com quem já tinha recebido a primeira dose da vacina da AstraZeneca. 

A Alemanha, um dos países onde se investigou a ligação

Também o comité de vacinação da Alemanha manteve já a recomendação de que a vacina da AstraZeneca não deve ser usada abaixo dos 60 anos, uma decisão que já tinha sido tomada no país na semana passada. Foi na Alemanha  que surgiram as primeiras investigações sobre a relação entre a vacina e estes eventos tromboembólicos, lideradas por Andreas Greinacher, médico do hospital universitário de Greifswald.

Numa conferência de imprensa na semana passada, em que o i participou, o médico explicou que os quadros parecem estar ligados ao desenvolvimento em algumas pessoas de um grupo específico de anticorpos (anti-PF4), que atacam as plaquetas, um quadro semelhante ao que surge em alguns doentes que tomam o anticoagulante heparina. A equipa fez a primeira publicação sobre o tópico no fim de março.

Segundo Greinacher, não se sabe se esses anticorpos resultam da toma da vacina ou de uma reação imunitária que algumas pessoas fazem à vacina. E também o médico, questionado sobre se o risco é menor nas pessoas mais velhas, explicou que a dificuldade neste momento é que todos os dados disponíveis resultam do reporte de reações associadas à vacinação. Na população mais velha, os eventos de tromboembolismo são mais frequentes, pelo que pode haver uma distorção no reporte por esse motivo, sendo mais incomum uma pessoa jovem e à partida saudável ter uma trombose, o que leva a que casos destes em jovens que foram vacinados possam estar a ser mais vezes reportados e estudados como possível ligação à vacina do que tromboses em idosos.

O médico sublinhou também que o papel da sua equipa foi estudar a relação e não fazer as recomendações, algo que tem de ser um trabalho colegial que envolve cientistas, clínicos, epidemiologistas, explicando ainda que os riscos podem ser sempre postos em perspetiva e que é preciso não esquecer que a covid-19 pode ser uma doença também muito grave, mesmo nos mais jovens. Como exemplo, Greinacher deu o facto de a heparina, apesar de causar estes quadros, continuar a ser usada nos hospitais. A equipa desenvolveu um teste sanguíneo que permite, em caso de sintomas de trombose, despistar se os doentes têm ou não os anticorpos em causa e, em função disso, decidir o melhor tratamento. O regulador alemão do medicamento publicou há duas semanas, ainda antes de suspender a vacina abaixo dos 60, recomendações aos médicos sobre a forma como devem gerir estes casos. E a posição que o comité alemão de vacinação mantém é que tal como a posição da EMA de que no geral os benefícios superam os riscos é justificável, a posição de defender que a vacina seja suspensa temporariamente enquanto se tenda perceber os fatores de maior risco para estes quadros de formação de coágulos sanguíneos também o é. Já quanto a quem já tinha feito a primeira dose da vacina da AstraZeneca, o comité alemão de vacinação disse ainda ontem que não vê desvantagens ou riscos de fazer a segunda dose com outra vacina. A posição da EMA é de que não existem estudos. Em Portugal as segundas doses da vacina da AstraZeneca começam a ser dadas em maio.