Epidemia volta a ter tendência crescente

RT já está acima de 1 em todas as regiões do país – a única excepção é o Alentejo, onde diminuiu. Semana será de decisões sobre a terceira etapa de desconfinamento, com nova reunião no Infarmed na terça-feira.

A decisão sobre a terceira etapa do desconfinamento será a mais complexa e vai acontecer ao longo da próxima semana. O Governo já admitiu recuar nas esplanadas, mas a preocupação dos especialistas está também no que não se vê: na próxima semana, pode ser cedo ainda para avaliar a reabertura das escolas para alunos no 1º e 2º ciclo, sendo que uma coisa é agora certa: a epidemia já não está com uma tendência descrescente. «Todas as regiões do país apresentam a média do índice de transmissibilidade (5 dias) acima de 1, exceto a regiões do Alentejo e Centro, sugerindo um aumento da incidência de SARS-CoV-2», indicou esta sexta-feira o relatório de vigilância da curva epidémica do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA). Com cálculos apenas para o período entre 21 de março e 4 de abril, portanto a semana da Páscoa e que ainda não refletem esta semana de maior mobilidade, o RT nacional sobiu para 1.02, sendo de 1,03 na região Norte, 1,00 na região Centro,1,02 na região de Lisboa e Vale do Tejo, 0,99 no Alentejo, 1,05 na região do Algarve – também nas regiões autónomas está acima de 1, mas as ilhas têm autonomia nas medidas.

A incógnita é o que abrirá a 19 de abril e que concelhos terão travão. Na última avaliação, eram 19 os concelhos no continente acima dos 120 casos por 100 mil habitantes mas vários com tendência crescente.

Ao anunciar a segunda etapa de desconfinamento, o Governo não usou o indicador de incidência corrigida por concelho limítofre de que tinha dado nota na semana da Páscoa e que permitiria suavizar diferenças populacionais, avançando com o anúncio que os concelhos limítrofres de municípios com uma incidência cumulativa a 14 dias superior a 12 casos por 100 mil habitantes que se mantenham nessa situação por dois períodos de avaliação consecutivos poderão vir a ter medidas.

A proposta é diferente da que foi defendida pelos especialistas, nomeadamente pela equipa da que apresentou uma proposta de plano de desconfinamento, que propôs um cálculo de incidência ajustada em que se calcularia a incidência. Ao longo da semana, veio a público o protesto de municípios mais pequenos, nomeadamente do autarca de Ribeira de Pena, que nesta altura com oito casos ativos estava acima da linha vermelha, dado ser um município com 6 mil habitantes. Segundo o autarca, já não está, pelo que a situação neste caso estará ultrapassada, por agora. Ao Nascer do SOL, o Ministério da Saúde mantém no entanto que a proposta dos especialistas seguida. «Como sempre defendido pelos especialistas autores da proposta científica de desconfinamento, a decisão de uma eventual paragem ou de um recuo do plano de desconfinamento deve atender a uma análise de risco local, considerando o concelho em causa e respetivos concelhos limítrofes, após uma dupla avaliação consecutiva». indica a tutela, embora agora refira uma análise de risco local e não, como tinha dito numa resposta ao Nascer do SOL, que as medidas seriam aplicadas aos concelhos de maior risco «em função da respetiva incidência concelhia corrigida pela incidência dos concelhos limítrofes».

De uma forma ou outra, só na próxima semana será divulgada uma nova análise da situação por município, informação que a Direção Geral da Saúde disponibiliza à segunda-feira. Mas estes primeiros dados de segunda-feira também não darão uma ideia, visto que segundo o que tem sido a metodologia habitual reportarão a esta semana (a DGS publica incidências cumulativas referentes à semana anterior) e o Governo, que após a reunião do Infarmed tomará decisões no concelho de ministros de quinta-feira, costuma usar os dados mais atuais disponíveis.

Assim, a esta altura não é possível aceder a dados públicos comparáveis que informem quais dos 19 municípios melhoraram e pioram a sua situação epidemiológica e ao longo dos próximos dias poderão registar-se melhorias ou agravamentos que serão tidos em conta. Numa altura em que a epidemia volta a ter tendência crescente, ainda ligeira, o expectável é que possa haver concelhos a entrar e a sair das zonas de alerta. Nos concelhos que se mantiverem sinalizados, segundo o Governo, o confinamento pode vir a travar ou recuar, total ou parcialmente, dependendo da situação. Em concelhos que possam passar a estar sinalizados, se a lógica da última avaliação se mantiver, serão implementadas as medidas imediatas de contenção que o primeiro-ministro anunciou esta semana após uma reunião com os autarcas dos concelhos nesta etapa sinalizados como tendo maior risco:_«Este modelo não prejudica a adoção imediata de medidas específicas de controlo da pandemia e de contenção de surtos nos concelhos de maior risco, tal como anunciado esta semana pelo Sr. Primeiro-Ministro, após reunião com os autarcas dos concelhos que se encontram atualmente nesta situação. Destas medidas, destacam-se: campanhas de testagem massivas; reforço das ações de fiscalização por parte das forças de segurança, da ACT e da ASAE; e campanhas de sensibilização da população local», reforçou ao Nascer do SOL o Ministério da Saúde. A estratégia de testagem, que segundo o SOL apurou também vai ter a sua operacionalização apresentada na reunião do Infarmed, já previa antes da criação da task-force que em concelhos com mais de 120 casos por 100 mil habitantes fosse reforçada a testagem, mas em alguns concelhos de risco que desde março superam esse limiar só esta semana foram anunciadas iniciativas.

Ao longo da semana, o Nascer do SOL tentou perceber se impondo-se medidas nos concelhos limítrofes dos que foram sinalizados há 15 dias e aguardando-se 15 dias por aplicar medidas nos que fiquem sinalizados de novo não pode haver uma situação em que se intervém mais em concelhos com menor risco de contágio, mas não houve um esclarecimento da tutela sobre como isso será ponderado, sendo que todos terão as medidas imediatas. O Nascer do SOL tentou igualmente perceber se a regra sobre decidir parar ou prosseguir desconfinamento após dois períodos de avaliação, será mantida quando for um concelho de maior dimensão a passar a linha dos 120 casos por 100 mil habitantes, o que até aqui não se  verificou.

 

Os concelhos com mais casos no país

Os dados ajudam no entanto a perceber a diferença. Na última avaliação que sinalizou os 19 concelhos do continente, mesmo estando abaixo dos 120 casos por 100 mil habitantes, os concelhos de Lisboa, Sintra, Porto e Vila Nova de Gaia já tinham registado mais novos casos de covid-19 no período de 14 dias avaliado (17 a 30 de março) do que os concelhos que fora sinalizados, a maioria com menos habitantes. Em termos absolutos, Lisboa e Sintra, os concelhos com mais habitantes no país, são os que registam mais casos, o que de resto aconteceu quase sempre ao longo da pandemia e já no verão passado. Em Lisboa, tendo em conta a incidência de 85 casos por 100 mil  habitantes nesta última avaliação disponível e a estimativa de 509 mil habitantes do INE, é possível extrapolar que neste período de 14 dias foram diagnosticados 433 novos casos de covid-19.

Em Sintra, com uma incidência cumulativa a 14 dias de 75 casos por 100 mil habitantes, terão sido detetados cerca de 290 casos neste período. No top cinco dos municípios com mais casos em termos absolutos neste período de 14 dias não havia nenhum concelho acima dos 120 casos por 100 mil habitantes, seguindo-se a Lisboa e Sintra o Porto (incidência de 97 casos por 100 mil habitantes, o que dará cerca de 210 casos em 14 dias), Vila Nova de Gaia (66 casos por 100 mil habitantes, cerca de 200 casos),  Almada (114 casos por 100 mil habitantes, cerca de 190 casos em 14 dias).

Em sexto em lugar nos municípios com mais casos em termos absolutos surgia a Amadora, com uma incidência de 99 casos por 100 mil habitantes, e cerca de 180 casos. Só em sétimo lugar do ranking de concelhos com mais casos em termos absolutos surgia um município em que, dada a população, a incidência passa os 120 casos por 100 mil habitantes – Portimão, com uma incidência cumulativa a 14 dias de 308 casos por 100 mil habitantes, cerca de 170 casos. No Algarve, a preocupação tem estado centrada em surtos ligados à construção civil. A região apresentava no final de março o risco de transmissão (RT) mais elevado, com a incidência também agora de novo nos 120 casos por 100 mil habitantes, pelo que mantendo-se poderá ser a primeira região do país a ver um reapertar de medidas.