Marcelo e Costa: uma crise artificial

Ou me engano, ou teremos um Presidente menos envolvido em selfies mas mais escrutinador da intervenção do executivo e das oposições. 

Por Judite de Sousa

Marcelo Rebelo de Sousa tinha avisado na tomada de posse: mais eficácia e mais exigência. A mensagem foi clara. A ‘união de facto’ com o Governo iria conhecer novos rumos na segunda legislatura. Inevitavelmente. As circunstâncias mudam, a gestão do xadrez partidário no Parlamento determina novas estratégias, os próximos serão mais difíceis que os primeiros. Ou me engano, ou teremos um Presidente menos envolvido em selfies mas mais escrutinador da intervenção do executivo e das oposições. O Presidente já tinha também referido por diversas vezes que a prioridade teria que ser o social. 

A crise pandémica deixou o país devastado. Há uma realidade que não chega às televisões. É a realidade das famílias da classe média, já muito depauperada desde 2011, que ficou sem trabalho, dependente das ajudas da família, obrigada a tirar os filhos dos colégios particulares, recorrendo envergonhadamente aos auxílios das instituições de solidariedade social, a uma mão amiga. Se este é o nível intermédio de um tecido social rasgado, o que observamos nos mais cadenciados é desolador. Não me lembro de tantas pessoas asseadas e bem arranjadas pedindo ajuda baixinho. Já não é apenas à porta dos supermercados; é no meio da rua que abordam quem vai passando, sem insistência, pausadamente. 

Sabemos que neste último ano, foram canalizados para os apoios sociais muitos milhões de euros. Mas também sabemos que há setores mais desprotegidos do que outros (os eventos, as artes, os espetáculos, que futuro?) e que em situações de necessidade extrema é impossível acudir a todos. Fazer escolhas neste contexto é o que de mais difícil deve existir. Por isso, a artificial crise política inventada entre o Governo e o Presidente a propósito da promulgação por Belém de três diplomas sobre apoios sociais é, do meu ponto de vista, um não facto digno da relevância que lhe quiseram atribuir, como se se tratasse de uma nova era de confronto que estava aberta entre Marcelo e Costa. Não se duvide que ao longo dos próximos meses, nomeadamente a propósito dos orçamentos, irão surgir episódios de rutura bem ou mal resolvidos, mas pretender ver neste problema atual forças de bloqueio que recordam velhos tempos parece-me precipitado é inconsistente.