Bazuca. Portugal desperdiça 13 mil milhões

Castro Almeida defende que esta verba devia ser usada para financiar o Banco de Investimento com vista à recapitalização das empresas. ‘ É uma visão estritamente contabilística dizer que já estamos muito endividados. Tudo depende do seu destino’.

Portugal está atualmente a desperdiçar 13 mil milhões de euros da bazuca europeia. As contas são do ex-secretário de Estado do Desenvolvimento Regional do Governo de Passos Coelho e ex-coordenador do programa Portugal 2020. «O nosso país tem neste momento à sua disposição cerca de 15,7 mil milhões de empréstimos a longo prazo, praticamente sem juros, mas a intenção do Governo é utilizar apenas 2.700 milhões. Ficam de fora cerca de 13 mil milhões que o Governo se propõe a não utilizar e a única justificação que dá é que está receoso pelo facto de Portugal já ter uma dívida muito elevada», diz ao Nascer do SOL. Manuel Castro Almeida critica a decisão, considerando que decorre de uma visão «estritamente contabilista» e lembra que «da mesma forma que nem todo o investimento é virtuoso, nem toda a dívida é perversa».

Para o ex-governante, a solução passaria por o Governo aproveitar o dinheiro da bazuca, na sua totalidade, para financiar o Banco de Fomento que, por sua vez, iria ajudar à capitalização das PME. No entanto, deixa um alerta: «Seria para ajudar as PME que fossem economicamente viáveis, mas que estivessem financeiramente estranguladas, ou seja, cuja fragilidade resultasse da má estrutura de financiamento. Não é meter dinheiro em empresas falidas ou em empresas inviáveis», garante ao nosso jornal.
 No entender de Castro Almeida, se «pedir dinheiro emprestado para financiar despesa corrente é o caminho para o desastre», já «pedir dinheiro emprestado para investir em empresas que tenham viabilidade económica pode significar a viabilização dessas mesmas empresas».

Já em relação aos riscos que poderíamos correr em termos de avaliação das empresas que podem ou não ser ajudadas, Castro de Almeida não tem dúvidas: «Essa análise seria da responsabilidade do Banco de Fomento. Qualquer banco analisa os balanços das empresas e percebe qual é a sua realidade económica e financeira». Mas, para isso, entende que o Banco de Fomento precisa de ter capital e, como tal, terá de se financiar na bazuca europeia. «São empréstimos a longo prazo praticamente sem juros. Dizer que já estamos muito endividados e, por isso, não nos podemos endividar mais não faz sentido. Tudo depende de qual é o destino do dinheiro».

Para o ex-governante, trata-se de «um erro gravíssimo» desperdiçar essa verba e chama a atenção para o nível de capitais próprios das empresas nacionais, que é, em média, metade do das empresas europeias e um terço dos Estados Unidos da América. «Se Portugal levantar a totalidade do empréstimo que tem à sua disposição, pode montar de vez, e com bases sólidas, o Banco de Fomento, passando a dispor de um instrumento precioso para capitalizar as empresas. É certo que isso representa mais dívida, mas não é só passivo: ao ser aplicado nas empresas, esse empréstimo figurará também como ativo nas contas do Estado».

Também Óscar Gaspar afirma que propôs ao Governo que, dos 13,9 mil milhões de subvenções do ano de Recuperação e Resiliência (PRR), pelo menos quatro mil milhões fossem dirigidos à capitalização das empresas. Segundo o vice-presidente da CIP, devido às atuais dificuldades de capital do tecido empresarial nacional, «há empresas holandesas e suecas a comprar empresas em Portugal».

E quanto a eventuais problemas de fraude ou abusos, Castro Almeida garante que é necessário confiar nas instituições. «Não se devia desperdiçar esta oportunidade porque não é dinheiro para gastar, é dinheiro para investir. Criámos uma dívida monstruosa para cobrir défices orçamentais sucessivos, gastávamos mais do que tínhamos e, para isso, tivemos de nos endividar. Agora não nos podemos endividar para investir nas empresas?», questiona ao Nascer do SOL.

Destino público

Os dois responsáveis criticam ainda o PRR por olhar mais para a parte pública do que para as empresas, as quais, entendem serem vítimas de um excesso de burocracia: «Faz falta um ‘Simplex’ para os fundos europeus», não hesita Óscar Gaspar.

Uma opinião partilhada por Castro Almeida. «A parte da verba que vem a fundo perdido tem um pecado de capital: mete demasiado dinheiro no Estado e pouco nas empresas. Há uma parte dessa aposta que aplaudo que é aquela que é dirigida à modernização e à digitalização do Estado», acrescentando que seria importante que toda a máquina do Estado ganhasse o mesmo nível de eficiência que a máquina fiscal ganhou. «Há um privilégio excessivo para o Estado e há uma discriminação em prejuízo das empresas. Devemos investir nas empresas não é pelos lindos olhos dos empresários. São as empresas que geram riqueza e criam emprego. E é esse que é o nosso problema estrutural: é a falta de riqueza no país e falta de emprego que pague bons salários».

O ex-governante diz ainda que ficaria satisfeito se a Assembleia da República assumisse um acompanhamento da aplicação deste dinheiro através de uma comissão especializada. «Isto é demasiado importante para ser encarado como sendo para uso privativo do Governo. Tem de haver uma mobilização nacional e quero acreditar que estes sinais recentes do Presidente da República é para dar mostrar que a aplicação dessa verba não pode ser um exclusivo do Governo». 

Ao nosso jornal, Castro Almeida lamenta que o PRR não esteja orientado para resultados. «Mais do que dizer quanto dinheiro temos para gastar é dizer que objetivos queremos conquistar, que metas queremos alcançar e só depois dizer que isso custou x. Mas há este vício em Portugal de dizer vamos gastar mil milhões, mas as pessoas não querem que se gaste mil milhões, as pessoas querem ver os seus problemas resolvidos».

Verbas por usar

Essa estratégia por objetivos foi, de acordo com o responsável, tida em conta no planeamento do Portugal 2020. «Foi a primeira vez em que houve uma preocupação de inscrever resultados. Infelizmente este Governo tem vindo a desvalorizar os resultados e os relatórios da Agência para o Desenvolvimento e Coesão só apresentam relatórios financeiros, não aparecem indicadores de resultados».

Óscar Gaspar também critica a falta de orientação para resultados e enumera outros problemas. «Houve um período de 18 meses sem lançamento de avisos ou concursos: ora, o investimento estrutural de uma empresa não pode esperar 18 meses». E acrescenta: «Todos os tempos são demasiado longos: para o lançamento dos avisos, para a sua aprovação, para os pagamentos. O excesso de regulamentação e a alteração sistemática de procedimentos relativos às candidaturas só complica o trabalho de quem está a avaliar ou a concorrer a fundos estruturais». 

Castro Almeida reconhece que se tem verificado um atraso grande na execução de Portugal 2020. Mesmo tendo as autoridades de Bruxelas dado mais um ano para executar o programa, deixa um alerta: «Esse ano a mais é uma faculdade que o Governo tem, não é uma obrigação. O Governo devia procurar aplicar o dinheiro rapidamente porque a economia precisa dele», garante ao nosso jornal.

Segundo os últimos dados divulgados pelo Governo, ainda estão por executar 11,2 mil milhões de euros do PT 2020 – quase metade dos 23 mil milhões disponíveis desde 2015. A esse montante acrescem 33,6 mil milhões de euros do próximo quadro financeiro plurianual europeu 2021-2027. A esta verba somam-se ainda 13,9 mil milhões de euros da bazuca europeia e dois mil milhões da Assistência à Recuperação para a Coesão dos Territórios da Europa. Feitas as contas, são mais de 60 mil milhões de euros de verbas europeias que Portugal terá à sua disposição até 2030.