Avó e neto desconfinados

Por Nélson Mateus e Alice Vieira

Querida avó,

Chegou o desejado mês da Liberdade. Finalmente desconfinados.
Já ninguém aguentava estar em casa. Se todos souberem manter as distâncias, usar devidamente as máscaras e praticar as regras impostas … será bom para todos.

Finalmente chegou o tão desejado ‘novo normal’.

No domingo passado, tivemos a nossa ‘Última Ceia’ obrigatória em casa. Para a restauração, começa agora a ressurreição. Mesmo que só possamos estar em esplanadas, e apenas 4 pessoas por mesa, sempre é melhor do que nada. Dá para matar saudades das pessoas e dos nossos espaços preferidos.

Estava aqui a pensar que amanhã podíamos ir almoçar a uma das nossas esplanadas preferidas. Depois, podemos ir matar saudades das nossas esplanadas nos jardins da Gulbenkian. Ver os patos e abraçar a natureza. Uma vez que os museus também reabriram, podemos ir visitar a exposição da obras de René Lalique que está no Museu Calouste Gulbenkian. São praticamente duas centenas de obras, inclusive algumas das célebres joias criadas pelo artista. Aliás esta coleção e a Gulbenkian serviram de inspiração ao livro Crónica dos Bons Malandros, esse clássico do teu amigo Mário Zambujal.

Uma vez que já podemos atravessar concelhos, segunda posso ir levar-te à Ericeira e almoçamos em frente ao mar.

Podemos ir cedo e passamos pela Tapada de Mafra para abraçar a natureza e visitar o magnífico espaço onde D. João V e a sua corte andavam à caça. Como durante o confinamento não deixei de ir correr todas as manhãs, se aparecer algum javali a querer fazer uma investida sobre nós, estou em condições de correr no sentido oposto a grande velocidade.

Pelo caminho vamos ouvindo a canção Outside, do George Michael: «estou cansado do sofá, do corredor e da mesa da cozinha, vamos lá p’ra fora, sob o sol, leva-me aos lugares que prefiro…».

Vamos lá para fora? Não te esqueças de levar a máscara.

Bjs, cuida-te.

 

Querido neto,
Calma!
Os entusiasmos às vezes fazem mal.
Sim, as esplanadas estão abertas — mas só para quatro pessoas em cada mesa. Claro que vou logo para uma delas – e felizmente por aqui há algumas – mas garanto-te eu se vierem mais tipos além dos 4 permitidos, vai tudo corrido à bofetada. Ou antes, à cotovelada. E tu sabes a falta que me têm feito os cafés… Sou daqueles que só sabem trabalhar bem em cafés. Claro que preferia o café, o imóvel, e não a esplanada… Mas sempre é melhor que nada. É engraçado porque quando eu vivia em Paris, era sempre nas esplanadas que gostava de estar. Acho que só quando chovia é que eu entrava lá para dentro.

Falaste tu em Dia da Liberdade…Olha se uns dias antes do 25 de Abril de 74, quando já estava tudo combinado, aparecia um ou outro militar com covid? Ia-se tudo por água abaixo.

E sim, podemos ir até à minha pátria (a Ericeira, para quem ainda não sabe…) — mas prefiro cantar o Wonderful World do Louis Armstrong, muito mais otimista –“Vejo o céu azul/e as nuvens brancas/ o abençoado dia claro/ a secreta noite escura/ e eu digo para mim /que mundo maravilhoso!”

Vamos à esplanada do Sr. Rui, na Praia do Sul, que deve estar cheio de saudades minhas, e à esplanada do ‘Ouriço’ beber um gin tónico (ainda não se pode dançar lá dentro até às tantas, mas já é bom ter aberto a esplanada).

Ir à Tapada de Mafra já me parece um pouco demais. Fica para outra altura. Talvez quando o Palácio já estiver aberto. Adoro ver aquela belíssima biblioteca, e ouvir os concertos dos carrilhões.

 Sabes que há muitos anos, quando eu era miúda, as pessoas da Ericeira não gostavam muito do Palácio. E então chamavam-lhe “o calhau”.

E depois vamos a minha casa, ver se ainda está de pé, e se os cães da Odete ainda se lembram de mim.

Fica bem e não faças asneiras.

Como tu bem sabes, a máscara é para manter!

Vou escolher