Elizabeth Báthory. A Condessa mergulhada numa banheira de sangue

Convencida de que banhar-se no sangue de rapariguinhas virgens era o segredo da eterna beleza e juventude, Elizabeth fez mais de 650 vítimas. Cortar bocados de carne e mastigá-los transformou-se, para ela, no paroxismo do prazer. O Castelo de Csejthe, na Transilvânia, tornou-se num talho gigantesco.

Em húngaro, Elizabeth escreve-se Erzsébet. E é por causa de coisas como esta que os vizinhos austríacos, cujo alemão também é bom para qualquer latino arranjar cãimbras na língua, dizem que ouvir uma conversa em húngaro é como escutar o discutir de duas metralhadoras. Erzsébet Báthory, Condessa de Ecsed, foi um daqueles seres que surgem de vez em quando do lado errado da Humanidade. Desde criança, na infância passada nas espaçosas propriedades da família, em Nyírbátor, que a filha do Barão George VI de Báthory, Elizabeth (grafado assim para que não corra eu o risco de apanhar uma distensão nos adutores dos polegares) tinha um horror pânico de envelhecer. É preciso sublinhar que os Báthory eram gente distintíssima, sobretudo para quem gosta de histórias de princesas de sangue azul – e apesar disso, no seu contacto frequente com tal líquido, Elizabeth sempre o preferiu bem vermelho. A sua mãe, Anna, Baronesa de Báthory, era sobrinha direita de Stephan Báthory, que, além de Rei da Polónia, acumulou os títulos de grão duque da Lituânia e príncipe da Transilvânia. Dirão vocês e com uma certa razão que só de falar em Transilvânia, a prosa já promete jugulares escancaradas e veias cavas rasgadas ao longo das virilhas, além de uma ou outra mordidela no pescoço, e têm toda a razão, a culpa não é do lugar, um dos mais bonitos da Europa de Leste, mas de quem lhe deu má fama. Ora, Elizabeth foi uma delas.

A saúde da miúda nunca foi das tais coisas. Desde muito pequena que tinha sezões e sofria de violentos ataques epilépticos. Quando, bem mais tarde, alguns estudiosos andaram a vasculhar tudo o que dizia respeito à sua personalidade enlouquecida, estes foram motivos amplamente utilizados para desculpar o seu comportamento posterior. E serve já de aviso que esse comportamento tinha muito de nojento. Há outras teorias fundamentadas.

Sobretudo a que diz rrespeito à sua educação. Elizabeth foi criada no seio de um círculo familiar que lhe incutiu a crueldade. Desde cedo foi obrigada a assistir às terríveis punições praticadas sobre os serviçais mais insurrectos e introduzida no culto da feitiçaria e do ocultismo. E ainda há quem diga que gente fina é outra coisa…

Aos 13 anos, ainda antes do seu primeiro casamento, a Condessa de Báthory deu ao mundo uma criança, segundo tudo indica gerada por algumas cambalhotas no palheiro com um agricultor local bastante mais velho do que ela. George e Anna trataram de ver-se livre da criança-empecilho o mais depressa que puderam e, anos mais tarde, alguém na Valáquia reclamou o reconhecimento do seu nome como Báthory, mas nessa altura mais valia não o ter feito porque o nobiliárquico apelido estava tão sujo de sangue como um bebé acabado de sair do útero. Pelo caminho, a Condessa tornara-se famosa e pelas piores razões.

Coisas de família…

Em 1560, quando Elizabeth nasceu, ainda a lenda de Vlad, o Empalador, ou Vlad Drakul III, estava bem acesa na memória das gentes, a despeito de já terem ocorrido cem anos sobre os sombrios comportamentos do voivoda (príncipe) da Valáquia. Vlad tinha uma visão muito particular da forma como tratar os inimigos aprisionados, geralmente otomanos, já que o Império Otomano invadiu por diversas vezes os seus espaços territoriais: introduzia-lhes um pau grosso e pontiagudo pela cavidade anal até que a ponta acabasse por sair pela garganta. Um tratamento extremamente desagradável, como se imagina, mas que interessou profundamente a sobrinha-neta de um dos comandantes dos exércitos de Vlad Draculea – como o apelidaram os romenos –, um tal de Stephan Báthory. Ou seja: não restam grandes dúvidas de que o apelo do sangue era mesmo uma questão de sangue. Os casamentos consanguíneos foram frequentes nas décadas que antecederam o aparecimento sobre a terra de Elizabeth e essa também foi outra das explicações para as suas taras.

Aos quinze anos arranjaram-lhe um marido também ele muito para o fino, o Conde Ferencz Nadasdy, dez anos mais velho, mas Elizabeth recusou-se sempre a usar o nome de Nadasdy, orgulhosa que era da maior antiguidade e nobreza dos Báthory. Sorte para os Nadasdy. O casal foi viver para um lugar belíssimo mas um tanto ou quanto sinistro para os padrões actuais, um castelo apalaçado na montanha de Csejthe, nos Cárpatos, na Transilvânia, rodeado de pinheiros nórdicos e ciprestes e com uma vista supimpa sobre o vale que lhe ficava em frente. O Conde passava o seu tempo útil em rixas e combates, aqui e além, e Elizabeth não demorou muito a encher a casa de amantes, completamente aturdidos pela sua beleza física, a tal beleza que ela tanto medo tinha de perder que se tornou totalmente paranóica a esse respeito. A ausência prlongada do marido não a impediu – se é que não a ajudou – a ter quatro filhos, Anna, Ursula, Katherine e Paul, ao mesmo tempo que a aproximou de uma figura deveras grotesca, a sua tia Klara, publicamente bissexual e praticante de actos de sadismo com jovens raparigas que atraía até sua casa com promessas de vestidos e jóias. A Condessa de Báthory encontrara, definitavamente, a sua alma-gémea.

Mas foi com rapidez que ultrapassou a mestra.

A bruxa

Outra figura não menos grotesca tornou-se íntima de Elizabeth: chamava-se Dorothea Szentes e assumia-se como bruxa sob o nome de Dorka. Foi ela que juntou no Castelo de Csejthe um grupo de mulheres macabras que englobava, igualmente, Iloona Joo, antiga enfermeira de Elizabeth, Johannes Ujvary, seu criado de quarto, e Anna Darvula, aia e amante da Condessa. Em breve o castelo passou a ter uma Sala de Tortura, como a própria Elizabeth lhe chamava.

As vítimas eram apanhadas por entre os camponeses da região, na sua maioria serventes doConde Nadasdy, e o grupo gostava que elas fossem francamente novas, na sua maioria no momento púbere ou pré-púbere. Amarradas a uma trave, completamente despidas, eram-lhes cortados pedaços de carne. O sangue excitava por demais Elizabeth que ficava à beira do paroxismo quando assistia a tais actos de carnificina gratuita. Foi então que resolveu dar um passo sem retorno e começou a mastigar e a chupar os bocados descascados às suas vítimas. Confessou ao seu círculo de loucos varridos que o sabor do sangue humano fresco era o maior prazer que alguma vez sentira. Convenientemente para ela, não faltavam moças nas redondezas.

Quando o Conde morreu, em 1600, Elizabeth sentiu-se absolutamente livre para praticar todas as preversidades que lhe dessem na real gana. Sentiu o desaparecimento do marido como um estado de plenipotência. E deitou mãos à obra. 

Quando se saciava de comer nacos de raparigas, a Condessa de Báthory sentava-se durante horas em frente a um espelho, observando com a máxima atenção todos os estragos que o passar dos anos ia provocando na sua fisionomia. Irratavam-na, sobretudo, os pés-de-galinha que iam surgindo nos cantos dos olhos e qualquer possível ruga no pescoço. O seu estado psíquico estava de tal modo alterado que, certo dia, ao esmurrar a cara de uma das criadas, se convenceu que o sangue que saltava da boca e do nariz da desgraçada e lhe salpicava as mãos estavam a fazer um efeito de rejuvenescimento na sua pele. Ficou completamente obcecada com esta epifânia. Era como se tivesse descoberto o elixir da eterna juventude, Uma emoção fortíssima tomou conta dela e danificou o que ainda pudesse restar de rodas dentadas a funcionar na mecânica do seu cérebro já de si nada bem afinado.
Ordenou a Dorka e a Ujvary que enfiassem a pobre criatura numa banheira de estanho e lhe cortassem as veias principais até que ficasse sem pinga de sangue. Despachado o assunto, que demorou bem mais do que estava à espera, despiu-se e mergulhou no sangue acumulado, muito dele já grosso da coagulação. Estava absolutamente convencida de que a juventude da infeliz assassinada passaria para si através desta imersão. E ainda mais convencida de que era este o caminho a seguir com regularidade se quisesse manter-se bela para sempre. Informada de que a vítima era ainda virgem, acrescentou esse pormenor às mezinhas e, nos meses que se seguiram, um exército de empregados do castelo de Csejthe espalhou-se por toda a região em busca de virgens inocentes e do seu sangue miraculoso com a promessa de um belíssimo emprego como aias da Condessa. Elizabeth deu-lhe um toque de requinte acessório: de tempos a tempos levava uma das garotas para o seu quarto, sangrava-a pelos punhos e bebia, consolada, o líquido ainda quente. 

A desilusão

Os meses que se seguiram foram de verdadeira loucura sanguinária em Csejthe. Elizabeth deixara sequer de raciocionar com a normalidade de um ser humano. A vampirização tomou conta não apenas da sua vida quotidiana como passou a ser motivo de longos debates com os outros dementes que com ela coabitavam. Insistiu mesmo com Dorka que era fundamental escrever uma espécie de enciclopédia que pudesse ensinar as mulheres do futuro a permanecerem jovens para sempre à custa do sangue de virgens desamparadas. O problema é que, depois da espiral de delírio inicial, as suas passagens pela frente do espelho continuavam a revelar os malditos pés-de-galinha e as rugas no pescoço.

Elizabeth fez um esforço profundo para entender o que se estava a passar e o seu raciocínio imbecil não encontrou outra resposta que não a de falta de qualidade do sangue das moçoilas, quase todas filhas de campónios. Pelo caminho, uma nova conselheira passou a fazer parte do seu grupelho desvairado: Erszi Majorova, outra auto-intitulada bruxa. Foi dela a ideia mirabolante de inaugurar no Castelo de Csejthe uma escola para raparigas de famílias nobres, interessadas em entrar para a sociedade húngara sob os auspícios da Condessa de Báthory. No fundo, descobriu uma espécie de açougue de meninas finas que deveria fornecer o sangue da mais pura categoria para beneficio da pele cada vez mais encarquilhada de Elizabeth.

Um problema complicado surgiu pelo caminho. Se era fácil libertar-se das queixas dos camponeses em relação ao contínuo desaparecimento das filhas, fosse por coacção ou por corrompimento, não era assim tão simples justificar às melhores famílias da Transilvânia o motivo por que estas deixavam de ver para sempre as suas meninas. Não tardou que os rumores chegassem mesmo aos ouvidos de Mathias de Habsburgo, Imperador da Hungria, que horrorizado com o que escutara nos testemunhos recolhidos por István Magyary, ministro luterano, despachou um primo direito dos Báthory, o Conde Cuyorgy Thurzo, Paladino da Hungria, para fazer uma férrea investigação ao que se passava em Csejthe. Cuyorgy teria como auxiliares dois notários, András Keresztúry and Mózes Cziráky.

Thurzo chegou ao castelo de Elizabeth no dia 30 de Dezembro de 1610 acompanhado por uma trintena de soldados. Durante a noite invadiram o edifício e foram confrontados com cenários para os quais os seus estômagos não estavam devidamente preparados. Logo à entrada depararam com uma rapariguinha completamente esvaída. No quarto seguinte, havia uma outra ainda viva mas que sangrava abundantemente. Os gritos faziam eco por todas as paredes do castelo. Jaulas albergavam miúdas com lacerações inacreditáveis, gemendo atrozmente com o sofrimento infligido. Quando abriram a Sala deTortura, depararam com Elizabeth rodeada por mais de vinte cadáveres.

A Condessa de Báthory nunca foi levada a julgamento. Era nobre demais para a Hungria daqueles tempos. O processo não passou de uma manobra deletória para manter calados os mais de 300 queixosos que tinham tentado levar a sua acção até ao fim. Elizabeth assinou uma confissão na qual declarava ser responsável pela morte de pelo menos 650 raparigas. Os seus cúmplices não tiveram a sorte de nascer num berço de ouro. Foram condenados à morte, sendo Iloona Joo e Dorothea Szentes as mais penalizadas já que lhes arrancaram todos os dedos das mãos antes de serem atiradas para a fogueira.

Foi o próprio Conde Thurzo a ler a Elizabeth a sua condenação: ficaria para o resto da vida encarcerada numa pequena divisão do Castelo de Csejthe, com as paredes e portas emparedadas e com um minúsculo postigo rasgado para poder receber alimentação. Concluiu a sentença com a declaração: «És como um animal selvagem, Elizabeth. Não mereces respirar o ar da Terra nem ver a luz de Deus». Em 1614, quatro anos após o seu aprisionamento, um dos guarda notificou que há vários dias que a Condessa não tocava na comida. Derrubada uma das paredes, o seu cadáver foi encontrado caído de borco, os andrajos cobrindo um corpo esquelético. Tinha 54 anos. Nunca, no entretanto, proferiu uma palavra de arrependimento. Pode não ter encontrado a fórmula da eterna juventude, mas ninguém poderia dizer que não estava elegantemente magra para uma mulher da sua idade…