Marítimo. 112$700 para Lisboa

O Marítimo, que esta semana jogou na Luz, veio pela primeira vez à capital em 1912. Dez anos mais tarde, foi a vez do Benfica ser o primeiro a ir à Madeira.

Já nos habituámos, há muitos anos, a ter o Marítimo entre as melhores equipas do campeonato que, agora, estranhamos os seu último lugar na classificação. A derrota mais recente foi na Luz e isso devolve-nos a uma realidade impressionante:  os jogos entre Benfica e Marítimo disputam-se há bem mais de 100 anos e a primeira viagem das águias à ilha foi em Abril de 1922. Se o Benfica foi o primeiro clube do continente a ir até à Madeira, o Marítimo foi o primeiro clube da Madeira a vir ao continente. Em 1912. Apenas dois anos após a sua fundação.

Diz Adelino Rodrigues na História do Clube Sport Marítimo: «No ano de 1912, o acontecimento mais importante da vida do clube foi a deslocação da sua equipa de honra a Lisboa, onde realizou vários jogos que deixaram boa impressão, segundo a crítica de alguns jornais da época. A iniciativa partiu do Sport Lisboa e Benfica, tendo por principal animador o Sr. Cosme Damião, capitão-general daquele clube, pois toda a correspondência que consta para a realização deste empreendimento está assinada por aquele senhor. Dionísio da Câmara Lomelino, representante do Marítimo, e Fernando Câmara, madeirenses, entusiasmados pelos ‘marítimos’ e ao tempo residentes na capital, enviaram cartas sobre cartas, recomendando todo o cuidado na preparação da equipa, pois era da máxima importância ‘fazer boa figura’ perante os valorosos continentais».

Cumpria-se História

As despesas da passagem para Lisboa, no valor de 112$700, além da estadia (158$500) e diversos (31$545) ficaram por conta do anfitrião, o Benfica. Dinheiro recuperado pelas receitas nos jogos, nada menos de cinco, dois frente ao Benfica, um contra o Lisboa FC, outro contra o CIF e ainda mais um face a um misto destes três clubes.
No primeiro dos dois jogos frente ao Benfica, nas Laranjeiras, no dia 10 de outubro, perderam os insulares por 1-3. No segundo, a derrota foi mais pesada: 2-5.

Houve certa desilusão na imprensa de Lisboa –  embora jogadores como José Barrinhas, Augusto Viveiros, Moisés de Sousa e João Pimenta tenham sido coberto de frases elogosiosas em relação à sua categoria. Recorde-se que, apesar de as equipas madeirenses não terem contactos com o continente, beneficiavam da forte presença de ingleses na ilha, de tal forma que foi no Largo da Achada, freguesia da Camacha, que se disputou o primeiro jogo de futebol em Portugal, em 1875, iniciativa de Harry Hinton, treze anos antes do famoso encontro promovido por Guilherme Pinto Basto, em Carcavelos.

Curioso o facto de os madeirenses terem repetido a viagem logo no ano seguinte, em 1913, desta vez a convite de Pina Manique, figura maior do SC Império. Havia um certo mito de invencibilidade a rodear a equipa funchalense, mito esse criado pelos ingleses que se dividiam entre Funchal e Lisboa na tarefa hercúlea de implantar o cabo submarino que ligaria telefonicamente a Europa e a América. Nos primeiros dois jogos, os insulares venceram  o Lisboa FC(3-2) e o Império (2-0), perdendo o terceiro para o Sporting (1-2). A deslocação terminou com um empate frente ao Benfica (0-0) e uma goleada sofrida face à selecção de Lisboa por 0-5, selecção essa que, por sinal, era formada por dez jogadores encarnados e pelo capitão sportinguista António Stromp. Portugal continental recebera os madeirenses com grande curiosidade e o Marítimo marcava para sempre o seu lugar na história do futebol português, ultrapassando com distinção os custos da insularidade.
 
Devolvendo a simpatia

Exactamente dez anos mais tarde, foi o Benfica à Madeira, devolvendo a simpatia dos madeirenses e  perdendo dois jogos com o Marítimo, 2-3 e 3-6 – já estava em curso a primeira competição oficial a nível nacional do futebol português, o Campeonato de Portugal (que passou a chamar-se Taça de Portugal em 1938-39), e os Leões do Campo Grande afirmavam-se como uma espécie de pluricampeões madeirenses, representantes da ilha na prova.

A deslocação da delegação encarnada ao Funchal foi, na altura, elevada a acontecimento desportivo da maior importância e mereceu o acompanhamento exaustivo por parte da imprensa. Ao meio-dia do dia 5 de Abril de 1922, tempo de Páscoa, o vapor Funchal rumava à cidade que lhe deu o nome, transportando quinze jogadores do Benfica e três dirigentes que iriam instalar-se no Hotel Europa, acabado de  inaugurar. A viagem durou dois dias.

O jogo de estreia chamou ao Campo da Almirante Reis uma multidão de quatro mil pessoas, um número incrível para o Funchal desse tempo. O Marítimo puxou dos galõoes e venceu por 3-2, comprovando a categoria dos seus jogadores.
As águias efectuariam mais quatro jogos durante a digressão, três na Almirante Reis (Sports Madeira, 1-0; Marítimo, 3-6, e selecção do Funchal, 6-1), e um no Campo da Achada frente a um misto do Marítimo e do clube de ingleses que trabalhavam na Companhia do Cabo Submarino, vencendo por 4-0.

As relações entre o Marítimo e o Benfica atingiram o ponto de reconhecimento mútuo quando os insulares fizeram dos benfiquistas sócios honoráarios do clube – distinção que só a Associação Académica de Coimbra também viria a ter – sendo essa honra retribuida mais tarde pelo Benfica com a mesma atitude.

A visita de estreia do Marítimo à capital já sse conta em 109 anos. O passar do tempo banalizou as viagens. Mas a actualidade não pode apagar o atrevimento dos grandes cabouqueiros de um clube que luta, agora, para não perder o seu lugar entre os melhores.