“Saí do PS porque já não aguentava o silêncio do partido”

Antigo primeiro-ministro, que estava acusado de 31 crimes e que vai a julgamento por seis – três de falsificação e três de branqueamento de capitais -, deu a primeira entrevista após a leitura da decisão instrutória. Sócrates falou sobre a Operação Marquês, mas também sobre a sua saída do PS e acusou a liderança do partido de…

“Saí do PS porque já não aguentava o silêncio do partido”

José Sócrates foi entrevistado, esta quarta-feira, na TVI, naquela que foi a primeira entrevista desde a leitura da decisão instrutória da Operação Marquês. O antigo primeiro-ministro começou logo por corrigir José Alberto Carvalho, depois de o jornalista afirmar que Sócrates foi declarado corrupto, depois de o juiz Ivo Rosa considerar que os 1,7 milhões de euros que recebeu do amigo e do empresário Carlos Santos Silva “indiciam a existência de um mercadejar” e, por isso, um crime de corrupção sem ato concreto.

“O juiz não me declarou corrupto”, ripostou José Sócrates, afirmando que “na fase de instrução não se declara isto ou aquilo. Na fase de instrução o que se faz é definir se há indícios para levar alguém a tribunal”.

“O que o juiz fez foi considerar que há indícios para me levar a tribunal por um determinado crime”, acrescentou. “Isso é falso, absolutamente falso. Falso e injusto para comigo e para com o engenheiro Carlos Santos Silva. Eu nunca pratiquei nenhum acordo com o Carlos Santos Silva”, garantiu.

“O que o juiz diz é que nos meus seis anos de mandato, e isso é muito importante para mim, nunca houve um comportamento contrário ao dever do cargo”, explicou, lembrando, seguidamente, que o crime de corrupção sem ato concreto já não existe na lei e que é agora o crime de recebimento de vantagem indevida. “E ainda por cima está prescrito”, destacou.

Sobre o juiz Ivo Rosa, Sócrates deixou claro que não tem “nenhuma simpatia” ou “antipatia” pelo magistrado e lançou farpas à distribuição do processo.

“Eu não tenho nenhuma simpatia nem antipatia por Ivo Rosa. Eu apenas o considero como um juiz escolhido segundo as regras da lei, coisa que não aconteceu com Carlos Alexandre. As decisões que ele [Ivo Rosa] tomou relativamente sobre as mentiras que disseram sobre mim e que durante sete anos passaram todos os dias nas televisões não foram mais do que o dever dele. Ele não o fez porque gostasse de mim ou tivesse alguma simpatia por mim”, argumentou.

“Mas porque é que o juiz Ivo Rosa decidiu deitar abaixo tudo aquilo? Porque não tinha outra hipótese de o fazer. Porque nós provámos que as acusações eram estapafúrdias”, afirmou o antigo primeiro-ministro sobre o juiz, que deixou cair todos os crimes de corrupção de que Sócrates estava acusado.

O ex-primeiro-ministro decidiu ainda mostrar uma das provas que apresentou em tribunal durante a fase instrutória, para defender que a acusação ignorou, deliberadamente, provas por si apresentadas. Exemplificando, Sócrates lembrou que foi acusado de ter recebido dinheiro de Ricardo Salgado enquanto era primeiro-ministro para forçar o representante do Estado a vetar a OPA da Sonae caso esta tivesse sucesso na Assembleia Geral da PT. O antigo primeiro-ministro apresentou um despacho do secretário de Estado do Tesouro a dar instruções de abstenção ao representante do Estado.

Segundo Sócrates o documento em causa “foi escondido pela investigação”. “Eles fizeram muitas coisas ilegais”, criticou.

De fora da conversa não ficaram as declarações de Fernando Medina que, no seu espaço de comentário na TVI24, disse que o comportamento de José Sócrates e as suspeitas de recebimentos avultados sem explicações rompem “laços de confiança” e corroem “a nossa vida democrática”. Sócrates diz que ouviu as declarações do autarca “com a devida repugnância” e atacou ainda António Costa, sem se referir diretamente ao secretário-geral do PS.

“Mas o importante não é a personagem, é o mandante, a liderança do PS. O PS acha que pode fazer uma condenação sem julgamento”,criticou. “Declarações de uma profunda canalhice. O PS devia ter vergonha de desconsiderar o que são direitos e garantias fundamentais dos cidadãos”, acrescentou. “Tomei a decisão correta quando saí do PS. Já não aguentava mais o silêncio do partido. Uma covardia. Isto sempre foi um caso político, não um caso judicial”, afirmou.

O antigo socialista aproveitou ainda para dizer que o fundador do PS, Mário Soares, esteve sempre ao seu lado, mesmo durante o processo Operação Marquês.

De volta às acusações, Sócrates disse que foi viver para Paris para estar com os filhos e que as quantias monetárias que recebeu de Carlos Santos Silva foram "um empréstimo". Sócrates lembrou que Ivo Rosa não considerou haver indícios de corrupção. 

“Eu e Carlos Santos Silva demos a mesma explicação, fui viver para Paris, para estar com os meus filhos, não foi uma vida de luxo, foi o investimento na educação minha e dos meus filhos. E o Carlos Santos Silva decidiu ajudar-me”, disse.

Questionado sobre os elevados e recorrentes levantamentos feitos por Carlos Santos Silva, dia sim, dia não, Sócrates disse que esse dinheiro era do amigo.

“O dinheiro era para o Carlos Santos Silva. Nem todos os levantamentos eram para me entregar a mim”, defendeu.

“Não chega já? Isto começa a ser insultuoso demais, acha que eu sei das contas do meu amigo? Já é altura de fazer o mínimo de justiça para mim, durante sete anos vi-me forçado a provar que o dinheiro não era meu”, disse o antigo primeiro-ministro, exaltado. “É muito humilhante falar nisto, eu disponho-me a vir aqui e ainda falam de coisas da minha família”, frisou.

Sócrates prometeu ainda levar a José Alberto Carvalho “um almanaque de 1943 onde vem a reportagem” do seu avô e que notava como ele já era rico.

O juiz de instrução ilibou o antigo primeiro-ministro José Sócrates de ir a julgamento responder por crimes de corrupção na Operação Marquês. Ivo Rosa arrasou a acusação do Ministério Público durante a leitura da decisão instrutória e só pronunciou o antigo primeiro-ministro de seis crimes, três de branqueamento de capitais e outros três de falsificação de documento. Dos 189 crimes que constavam na acusação da Operação Marquês, só 17 vão a julgamento, distribuídos por cinco dos 28 arguidos.