Zonas urbanas põem estratégia de desconfinamento à prova

Governo fez a primeira marcha atrás do desconfinamento em quatro concelhos. Há agora 13 sinalizados pela primeira vez esta semana, que têm 15 dias para inverter tendência e escapar a um travão na reabertura. Só que desta vez o grupo inclui concelhos populosos. As zonas urbanas vão meter a estratégia à prova. Concelhos pequenos protestam.

O objetivo é o mesmo: conseguir o controlo da epidemia em todo o país. Mas há agora três velocidades no desconfinamento: a maioria dos concelhos avança para a terceira etapa na próxima segunda-feira, em sete concelhos fica tudo como esteve nos últimos 15 dias e quatro concelhos arrumam esplanadas, as lojas de rua voltam a funcionar apenas ao postigo e mantêm-se os serviços essenciais, além das escolas que vão agora estar a funcionar em pleno em todo o país.

O Governo anunciou as decisões e, exceto ter deixado cair o anúncio de há 15 dias de que, em caso de paragem no desconfinamento, seriam impostas também medidas nos concelhos à volta, manteve a estratégia: o desconfinamento pode travar ou recuar nos concelhos em que durante duas avaliações consecutivas seja ultrapassado o patamar dos 120 casos por 100 mil habitantes. Mas, à terceira etapa, aumenta o protesto dos concelhos mais pequenos que consideram a métrica injusta para municípios com menos habitantes. E a estratégia de travar ou prosseguir desconfinamento só após dois períodos de avaliação, que é diferente do que tinha sido proposto pelos peritos, enfrenta um novo teste: a mobilidade vai aumentar e há mais 13 concelhos sinalizados esta semana por, nos últimos 15 dias, terem tido um número infeções que os levou a passar o patamar dos 120 casos por 100 mil habitantes. Desta vez o grupo dos concelhos ‘em risco’ de ficar a marcar passo incluem zonas de muito maior densidade populacional, e mobilidade. É o caso de Vila Franca de Xira às portas da capital e, a Norte, de Valongo e Paredes e de Vila Nova de Famalicão.

Ao apresentar as decisões, António Costa chamou atenção para estes concelhos, pedindo uma atenção especial e cuidados redobrados à população. Nas últimas semanas o nosso jornal já tinha tentado perceber se no caso de municípios de maior dimensão seriam também considerados dois períodos de avaliação, algo que na altura não foi esclarecido pela tutela. O trabalho será intensificado a nível local com o envolvimento dos autarcas dos concelhos de maior risco, como aconteceu nos últimos 15 dias nos primeiros concelhos sinalizados, com medidas de reforço da testagem e identificação de infetados e contactos mas o calendário de decisões mantém-se.

 

A situação em cada concelho

Os dados que permitem perceber a situação em cada concelho, e que serviram de base à decisão do Governo, foram divulgados esta sexta-feira pela Direção Geral da Saúde.

Além dos quatro concelhos em que o Governo decidiu recuar no no desconfinamento – Portimão, Moura, Rio Maior e Odemira – é possível perceber que havia mais dois concelhos do grupo de 19 que estava em risco acima do patamar de 240 casos por 100 mil habitantes: Alandroal e Penela. Estes dois concelhos ficaram no entanto no grupo de sete em que o desconfinamento se mantém na segunda etapa mas não recua. Na apresentação no final do conselho de ministros, António Costa referiu apenas que sete concelhos não avançavam para a terceira etapa por terem ainda mais de 120 casos por 100 mil habitantes nos últimos 14 dias, mas não indicou que tinha havido uma ponderação diferentes nestes casos. O Nascer do SOL tentou perceber junto da DGS o que foi tido em conta, não tendo tido resposta. Indicia no entanto que a análise estará já a ter em conta aspetos a nível local que não apenas a incidência e que mesmo ter mais de 240 casos por 100 mil habitantes à segunda avaliação, pelo menos no caso de concelhos mais pequenos, pode não significar um recuo. Estes dois concelhos são os que, estando neste patamar, tiveram menos casos nestes período, dado serem mais pequenos.

Por outro lado, analisando os dados e calculando o que significam em termos de novas infeções diagnosticadas nos últimos 15 dias, é possível concluir que Vila Franca de Xira, que surge agora sinalizada pela primeira vez nesta última avaliação, registou nos últimos 15 dias avaliados uma incidência de 156 casos por 100 mil habitantes, o que perfaz um total de 222 casos neste período. Depois de Sintra e Lisboa – os concelhos mais populosos do país e que por isso, mesmo tendo mais casos, registam uma incidência cumulativa inferior a 120 casos por 100 mil habitantes – foi o terceiro concelho a nível nacional com mais casos diagnosticados neste período, mais do que qualquer um dos concelhos que agora vê travar ou recuar o desconfinamento. Dos que travam, Portimão e Odemira são os que registam um maior número de casos neste período, Portimão 211 e Odemira 188.

Em Odemira, o protesto do autarca é de que a população local corresponde atualmente ao dobro da que é contada nas estimativas do INE, referentes ao ano de 2019, e que é a informação que tem sido usada pelas autoridades no cálculo da incidência. Foi assim desde que o cálculo da incidência por município começou a ser divulgada em outubro do ano passado, mas agora as linhas de risco são mais baixas do que as que foram adotadas no ano passado e está em causa a retoma. Ao longo dos últimos anos tem aumentado a população migrante, que trabalha na agricultura local e segundo o município vivem atualmente em Odemira cerca de 40 mil pessoas e não as 24 mil das estatísticas. Se este universo de população fosse tido em conta, o município registaria neste período uma incidência de 75 casos por 100 mil habitantes e não 757, o valor que faz com que seja o concelho com maior incidência a nível nacional.

 

O problema dos concelhos mais pequenos

Já o presidente da Câmara Municipal de Moura defendeu esta semana que o indicador penaliza os concelhos mais pequenos, o que há 15 dias já tinha sido também apontado por Ribeira de Pena, que conseguiu sair da lista dos municípios onde pendia a ameaça de suspensão do desconfinamento. Moura regista neste último período avaliado pela Direção-Geral da Saúde, os 14 dias entre 31 de março e 13 de abril, uma incidência cumulativa a 313 casos por 100 mil habitantes, o que reflete 43 casos diagnosticados neste período. «Vivo num concelho com 13718 habitantes, um concelho pequenino e claramente esta forma de cálculo penaliza concelhos pequeninos como o meu. Neste momento tenho 17 casos ativos, tenho cadeias de transmissão identificadas e controladas e somos o concelho deste país que mais testa», disse na TVI Álvaro Azedo.

 

Só há 25 concelhos no país com mais de 100 mil habitantes

Tendo em conta as estimativas de população do INE, há 100 concelhos no continente onde, atendendo à reduzida população, basta haver até 10 casos de covid-19 no espaço de 14 dias para ser atingido o limiar dos 120 casos por 100 mil habitantes que coloca os concelhos em risco de travar o desconfinamento. Entre os 13 concelhos que agora passaram a estar sinalizados, é o caso de Barrancos – que com nove casos no último período avaliado é o segundo concelho com maior incidência cumulativa a 14 dias a nível nacional – mas também de Aljezur, Mêda, Miranda do Douro, que acabam por surgir ao lado de concelho como Vila Franca, com mais de duas centenas de casos.

E mesmo Valongo ou Vila Nova de Famalicão, concelhos agora também sinalizados, registaram neste período mais de uma centena de casos. Noutros 70 concelhos, bastam menos de 20 casos, o que significa que em metade dos concelhos do país se pode passar o limiar de risco com 20 casos. No extremo oposto, em Lisboa o limiar só é ultrapassado quando se registam ao longo de duas semanas mais de 611 novas infeções. Em Sintra, o segundo concelho mais populoso do país, se forem diagnosticados ao longo de duas semanas mais de 470 novos casos. Há apenas 25 municípios portugueses com mais de 100 mil habitantes.

 

Soluções?

Na reunião do Infarmed, foram apresentadas propostas sobre como avaliar o risco local. Óscar Felgueiras, matemático especialista em epidemiologia da Universidade do Porto e um dos autores da proposta de plano de desconfinamento, apresentou o indicador de incidência ajustada, que resultaria de uma média ponderada da incidência no concelho com a incidência em grupos de concelhos vizinhos, o que poderia suavizar a situação nos concelhos mais pequenos e ao mesmo tempo sinalizar situações em que concelhos com baixa incidência podem ser afetados por uma epidemia mais intensa na sua vizinhança.

Já Carla Nunes, da Escola Nacional de Saúde Pública, apresentou uma análise do risco relativo por concelho, que além de permitir identificar clusters territoriais onde a epidemia é mais intensa do que o esperado no país, ao longo das 57 semanas da epidemia em Portugal permitiu já identificar as áreas críticas: Grande Lisboa, Grande Porto, Nordeste transmontano, Moura e concelhos adjacentes no Alentejo foram as zonas sistematicamente com mais infeções. Após o Conselho de Ministros, questionado sobre se a proposta de usar uma incidência corrigida foi ponderada, António Costa respondeu que o Governo entendeu nesta fase não alterar «critérios que eram conhecidos de toda a população e dos autarcas».