Sócrates choca socialistas

Há quem diga que António Costa até agradece o ataque desenfreado de José Sócrates contra a direção do partido. Mas os socialistas não escondem a reação de desagrado com o antigo PM. Nem entre os chamados ‘socráticos’ se esconde a ‘tristeza’ com a reação do antigo líder.

por Ana Maria Simões e Luís Claro

O silêncio de António Costa e de muitos socialistas, após a decisão instrutória da Operação Marquês, não travou a discussão no interior do PS sobre como lidar com o ‘caso Sócrates’. O ex-primeiro-ministro aproveitou o regresso à ribalta para fazer um duro ataque à direção do partido, mas é cada vez maior a convicção entre os socialistas de que as críticas de Sócrates ao PS só favorecem… o Partido Socialista.

O silêncio foi quebrado por Fernando Medina no início da semana. O autarca de Lisboa não seguiu a estratégia de deixar «à Justiça o que é da Justiça» e defendeu que aquilo que já se conhece é suficiente para fazer uma avaliação ética sobre o comportamento do ex-primeiro-ministro. No seu habitual comentário na TVI, Medina defendeu que o comportamento de José Sócrates «corrói a vida democrática» e lembrou que «o próprio não dá e entendeu não dar durante todos estes anos» explicações sobre a fortuna que acumulou.

José Sócrates, mais uma vez, não perdoou a falta de apoio dos seus antigos camaradas e,  na primeira entrevista que deu após a decisão do juiz Ivo Rosa, na mesma estação de Queluz, classificou as declarações de Medina como «uma profunda canalhice».

O regresso à vida pública estava preparado há muito tempo e José Sócrates continua a alimentar a tese de que este processo é político e não judicial e só serviu para o retirar da política e impedir a sua candidatura à presidência da República.

No livro que se prepara para lançar, com o título Só agora Começou, acusa a direção de António Costa de se juntar à direita «na tentativa de criminalizar uma governação».

Os socialistas estão convencidos de que os ataques não vão ficar por aqui, mas desvalorizam. «Basta ouvir os ataques de Sócrates para perceber o afastamento entre as partes», diz um deputado do PS ao Nascer do SOL.

São poucos os socialistas contactados pelo Nascer do SOL que aceitam comentar as declarações do ex-líder do partido, mas quase todos lembram que José Sócrates já saiu do PS. José Junqueiro, ex-governante e antigo deputado socialista, também prefere não fazer grandes comentários. «Vejo esta situação com uma grande tristeza. Para ajudar o PS o melhor é estar calado», diz ao Nascer do SOL este antigo ‘socrático’.

Vítor Ramalho, ex-dirigente socialista, também  prefere não se pronunciar, mas defende é preciso fazer uma «reflexão profunda» sobre o sistema judicial. «Todos os partidos têm de fazer uma reflexão profunda. Nenhum pode ficar de fora. Os partidos têm de se sentar à mesa e dizer: como vamos resolver este assunto? Se não o fizerem, as pessoas vão ter um juízo muito negativo da Justiça e dos partidos e vão alimentar o populismo», diz ao Nascer do SOL.

Já Rui Rio aproveitou a Operação Marquês para relançar a reforma da Justiça e esta semana voltou a desafiar os restantes partidos para um entendimento. As propostas do PSD deverão ser conhecidas antes do verão.

 

O que pode mudar com a Operação Marquês

As democracias com maior ou menor intimidade tratam a corrupção por tu, mas há uma singularidade no caso português, não se trata de corrupção partidária, é, acima de tudo, a corrupção ao serviço da ambição política de um homem: de José Sócrates. «No caso português, a corrupção esteve ao serviço da ambição política pessoal de José Sócrates», diz o politólogo António Costa Pinto, e é esse o traço diferenciador entre o caso português e o italiano, e não só o italiano, o francês com Chirac e Sarkozy, o espanhol com o PP, ou mesmo o brasileiro com Lula da Silva, mas, essencialmente, com o PT. Ou seja, esclarece Costa Pinto, «todas as democracias conhecem ou já conheceram casos de corrupção política associados ao sistema partidário, em França ou em Espanha, por exemplo, e também o caso italiano está muito associado à corrupção partidária, essencialmente à democracia cristã e ao partido socialista, aí há uma dinâmica de corrupção partidária, que, e em alguns casos, envolve os tesoureiros dos partidos, não é o que aconteceu no caso do PS e de José Sócrates». Para o cientista político, este é «mais um caso de corrupção político-pessoal».

Sobre as consequências que a Operação Marquês pode ter para o PS, Costa Pinto considera que «o efeito vem sendo amortecido por sete anos de investigação e processo instrutório, em que a opinião pública foi tomando conhecimento e digerindo a informação».

Nuno Garoupa, atualmente professor de Direito na George Mason University, na Virgínia, com obra publicada nas áreas do Direito e da Economia, considera que «não há consequências políticas relevantes. Eleitoralmente o assunto está amortizado, talvez com mais uns votos para o Chega desviados ao PSD e mais alguma abstenção. Mas nada de muito relevante». Prosseguindo, e do ponto de vista legislativo, «e se vingar o imobilismo da atual ministra da Justiça – que até prefiro – nada muda». Haverá, reconhece, a tentação de legislar, como, por exemplo, a recente proposta da Associação Sindical de Juízes (SAJ) apresentada na Assembleia da República, para o combate à corrupção em Portugal, retomando anteriores propostas que o Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais e que se tornam depois «ineficazes no meio da burocracia» ou «esvaziadas por prescrições». E adverte: «O único disparate sério seria extinguir o Tribunal Central de Investigação Criminal (TCIC) sem se saber bem o que pode surgir a seguir, no que pode ser mais uma enorme endogamia», para concluir que «serão sempre alterações ao estilo Casa Pia, que não resolvem nada, apenas criam novos problemas».

Garoupa defende que «o ideal seria um acordo PS/PSD para uma reforma a dez anos, mas isso é impossível, porque é contrário à cultura portuguesa». E acrescentou: «Diria que não aprendemos quase nada com os processos mediáticos anteriores – BPP e BPN – logo, é improvável que possamos aprender com este caso, e em breve vamos aterrar em processos mediáticos semelhantes, com choques de opinião pública semelhantes, como o BES ou a EDP. É como a demografia – há uma geração de processos que já está perdida -, e não podemos mudar isso».

Sobre o facto de haver 200 mil pessoas a pedirem o afastamento do juiz Ivo Rosa, Garoupa considera o que «não é absolutamente nada saudável. Nada se resolve reduzindo a questão a personalidades, porque o problema não está nas pessoas, mas numa ‘cultura sistémica’».

 

Vera Jardim defende acordo entre PS e PSD

Vera Jardim, ministro da Justiça entre 1995 e 1999, no Governo liderado por António Guterres, considera que não haverá grandes consequências políticas a partir dos acontecimentos de 9 de Abril, apesar do clamor, ou por causa dele. «Não vão ser muitas as consequências, vivemos à babugem dos dias, hoje é este processo, amanhã haverá outro». Vera Jardim não deixa de acrescentar que é uma oportunidade para se «rever muitos dos aspetos do sistema jurídico», o que passa por um necessário acordo entre o PS e o PSD.

O antigo ministro da Justiça diz que tem essa «esperança», porque há demasiados processos com os mesmos problemas, ou seja, «há problemas fundamentais na justiça que se repetem», e, entre eles, o tempo da Justiça, longo, ou as fases do processo, em que a instrução se deveria ficar por um único debate instrutório.