Juiz anti-confinamento realiza “percurso pelos castelos de Portugal”

Depois dos protestos no castelo de Palmela e junto ao Conselho Superior da Magistratura, Rui Fonseca e Castro juntou os apoiantes em Aveiro. Ainda que estes sejam detidos, o juiz não o é. O i explica-lhe o motivo.

O juiz Rui Fonseca e Castro, cuja oposição ao estado de emergência em vigor tem gerado controvérsia, só pode ser preso mediante mandado de outro magistrado. Muitos questionam o motivo pelo qual variados apoiantes do magistrado foram detidos no protesto de sexta-feira, junto ao Conselho Superior da Magistratura (CSM) mas tal não acontece com o mesmo. A resposta está no Estatuto dos Magistrados Judiciais.

O poder limitado do estatuto “Os magistrados judiciais não podem ser detidos senão mediante mandado de juiz”, começa por explicar ao i o jurisconsulto Jorge Miranda, referindo-se ao Estatuto dos Magistrados Judiciais. No artigo 20.º do documento, é possível ler que tal regra só pode ser contornada “em flagrante delito por crime punível com pena de prisão de máximo superior a três anos”.

“O juiz tem garantias muito importantes, mas é contra a ética da magistratura aquilo que ele faz. Ou seja, convocar manifestações e tomar posições incompatíveis com a atividade de um juiz”, diz o professor catedrático jubilado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, e considerado um dos pais da Constituição portuguesa.

“O estatuto não protege o juiz das regras gerais que se aplicam aos outros cidadãos, não vejo que tenha qualquer privilégio por ter esse cargo”, elucida, aludindo à ausência de utilização de equipamentos de proteção individual e ao desrespeito pelo distanciamento social que Fonseca e Castro e os seus apoiantes têm vindo a efetuar.

“Que ele tenha as ideias que tem, tudo bem, todos temos direito a isso, mas aquilo que ele tem feito é algo que me choca”, confessa o também docente na Universidade Católica e na Universidade Lusófona, adiantando que “as pessoas são livres de se manifestar, mas, se não cumprem as regras do estado de emergência que está em vigor, têm de ser punidas como qualquer outro cidadão”.

“O CSM é o órgão de disciplina da magistratura, tem o poder e o dever de chamar a atenção desse senhor para aquilo que está a fazer”, diz, indo ao encontro da perspetiva de António Joaquim Piçarra, presidente do CSM, que, há uma semana, considerou “corrosivo para a imagem da Justiça” o posicionamento negacionista assumido por Fonseca e Castro.

“Viva o Rui!” O juiz, que foi suspenso preventivamente da magistratura no mês passado, enquanto decorre o inquérito aberto à sua conduta – por incentivar ao incumprimento das regras adotadas no âmbito do estado de emergência –, juntou ontem os seus apoiantes no castelo de Santa Maria da Feira, no distrito de Aveiro.

Na sexta-feira, junto ao CSM, em Lisboa, quando foi ouvido pelo inspetor do seu processo disciplinar, uniu os seguidores à porta do órgão superior de gestão e disciplina dos Juízes dos Tribunais Judiciais de Portugal.

O antigo advogado foi recebido pelos apoiantes – que não usavam qualquer equipamento de proteção individual – entre aplausos, pedidos de autógrafos, de selfies e expressões de carinho e admiração.

“Viva o Rui!” ou “Deixem passar o doutor Rui, formem uma passadeira” foram algumas das frases ouvidas à chegada do juiz. A PSP deteve dez pessoas, frisando o incumprimento das normas sanitárias pelos mesmos.

“No início da manifestação foi notório o incumprimento deliberado e generalizado das normas sanitárias por parte dos participantes, em particular, a falta de máscara e o distanciamento físico. Apesar da insistente sensibilização, os mesmos continuaram de forma reiterada a não fazer uso das máscaras, nem a cumprir o distanciamento necessário”, refere o Comando Metropolitano de Lisboa (Cometlis) da Polícia de Segurança Pública (PSP), em comunicado enviado aos órgãos de informação.

“São pessoas que estão a lutar pelos direitos e liberdades de todos nós. São homens e mulheres que apesar de terem sofrido uma carga policial por se estarem a manifestar pacificamente e de terem sido agredidos e detidos não deixarão de lutar pela liberdade de todos nós”, escreveu Fonseca e Castro, magistrado no Tribunal de Odemira durante 25 dias, este sábado.

“Essas pessoas sacrificaram-se por todos nós e a sua coragem deveria inspirar-nos a todos. Nada do que está a acontecer nos surpreende. Nada do que acontecerá nos surpreenderá”, avançou, adiantando que “esse processo só terminará quando estiver concluído e passará inevitavelmente por uma Justiça de Transição”.

Apoio da extrema-direita Por este motivo, depois do confronto dos seus seguidores com as autoridades que culminou nas dez detenções, como a de João Patrocínio, secretário-geral do partido Ergue-te (antigo PNR) e candidato à Câmara de Lisboa, o juiz não baixou os braços e fez o anúncio relativo ao evento de ontem. “A próxima etapa do nosso percurso pelos castelos de Portugal terá lugar amanhã, pelas 15h, junto ao Castelo de Santa Maria da Feira”, concluiu, lembrando que foi a partir deste monumento “que os portucalenses se organizaram em torno do movimento que veio posteriormente a possibilitar a independência de Portugal”.

Recorde-se que, há uma semana, o juiz anti-confinamento manifestou-se no castelo de Palmela. De acordo com a GNR, em declarações ao i, face à “inobservância das normas em vigor”, a força de segurança identificou 13 manifestantes, foi igualmente elaborado um auto de notícia e os factos foram remetidos ao Tribunal Judicial de Setúbal. Foram também elaborados 12 autos de contraordenação por não utilização de máscara quando não garantido o distanciamento social.