Herói ou tirano?

Quantos políticos do século XXI se reveem em Napoleão? Quantos são déspotas (como ele foi) e mascaram-se de bonzinhos?

por Filipa Moreira da Cruz

No dia 5 de maio de 2021, a França celebrará o bicentenário da morte de uma das figuras mais controversas da sua História: Napoleão Bonaparte. Emmanuel Macron já informou que a data será festejada, embora não tenha avançado sobre os detalhes. Mas as barbaridades cometidas pelo antigo chefe de Estado estão ainda bem presentes na memória coletiva e 200 anos são ainda insuficientes para que haja um consenso entre a população.

Podemos separar o génio do ditador?

O imperador Napoleão I é, sem dúvida, a personagem mais complexa e enigmática do país galo. Considerado por muitos maquiavélico, egocêntrico e déspota o homem político, que nasceu na Córsega, também é reconhecido pela sua coragem, audácia e estratégia militar. Por um lado, reinstaurou a escravidão, massacrou povos, legitimou o feminicídio, pilhou objetos de valor por todos os sítios que conquistou, atropelou nações inteiras e aniquilou culturas. Por outro lado, fundou o Estado moderno e o Banco de França, criou os liceus (inicialmente reservados à elite) e estabeleceu o Código Civil. As suas leis ainda hoje são aplicadas em alguns países da América do Sul e a sua estratégia é estudada nas mais prestigiosas escolas militares do mundo.

Napoleão autoproclamou-se imperador e foi coroado com apenas 35 anos. A modéstia não fazia parte da sua personalidade. E a falta de ambição também não. Aos 25 anos já era general. Considerava-se um europeu e sonhava com uma Europa unida e sem fronteiras, mas dirigida à sua maneira. O seu império estendeu-se de Norte a Sul, de Este a Oeste. Mas não há rosas sem espinhos. A derrota de Waterloo foi o calcanhar de Aquiles que o acompanhou até ao seu último suspiro.

É praticamente impossível ficar indiferente a esta figura odiada por uns e venerada por outros. Basta observar o quadro intitulado Le Sacre de Napoléon exposto numa das principais alas do Museu do Louvre. Quase 10 metros de largura detalham a auto-coroação do imperador e a posterior coroação de Joséphine. Napoleão julgava-se superior à Igreja e desafiou o próprio Papa Pio VII, o qual ocupa um segundo plano, e não está habilitado a colocar-lhe a coroa. Cardeais, generais e a sua própria família não são mais que acessórios na imensa obra de arte.

O quadro, símbolo de uma propaganda intencional, serviu para legitimar o seu poder e impor a aceitação da imperatriz Joséphine. A credibilidade do casamento de Napoleão foi posta à prova, uma vez que o mesmo foi realizado à pressa e os noivos falsificaram as idades de ambos nos documentos oficiais. O mistério e as intrigas alimentam o universo em volta do casal. A história do seu amor inspirou livros, filmes e séries e ainda hoje fascina várias gerações.

Quantos políticos do século XXI se reveem em Napoleão? Quantos desejariam ter um terço da sua visão e metade da sua coragem? Quantos o invejam? Quantos tentam copiar a sua estratégia? Quantos são déspotas (como ele foi) e mascaram-se de bonzinhos? Quantos não assumem (ao contrário dele) a sua mania das grandezas? Quantos aspiram (tal como ele) ao reconhecimento eterno?

O poder corrompe e nem o mais honesto ser humano escapa. Os políticos atuais também passam para o lado obscuro, mas ao contrário de Napoleão, carecem de inteligência, mestria e criatividade. Nem o mal sabem fazer bem!